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Fernando Bizarro

O novo modelo de cidadania está em xeque no Brasil

Parte das instituições de controle estão descontroladas no país

Entre 1985 e 2014, os brasileiros construíram o que poucas novas democracias conseguiram: uma democracia eleitoral robusta na qual partidos políticos ofereciam consistentemente opções de políticas públicas para os eleitores.

Sob sua liderança, o Brasil reconstruiu uma economia em frangalhos, construiu um novo modelo de cidadania democrática, reformou partes importantes do Estado —incluindo as instituições de controle—, consolidou a autoridade civil e, com isso, salvou e melhorou a vida de milhões de brasileiros. ​

Urna eletrônica - Pedro Ladeira/Folhapress

Hoje a economia está novamente em frangalhos, dependendo de uma série de urgentes reformas estruturais para não parar. O novo modelo de cidadania está em xeque, na medida em que acabou o dinheiro que bancou a expansão da rede de proteção social prometida na Constituição de 1988 e em que nem todas as forças políticas no país estão dispostas a proteger os direitos civis.

Parte das instituições de controle estão descontroladas, a ponto de ministro do STF censurar o maior jornal do país para evitar que o eleitor "se confunda". A autoridade civil sobre os militares erodiu: o Ministro da Defesa é militar e militares da ativa se esqueceram que seu verdadeiro dever constitucional é cumprir calados as ordens que emanam do poder civil.

Além disso, a polarização e falta de respeito que as elites políticas demonstraram ter com o regime e os cidadãos brasileiros, roubando seu dinheiro e jogando uns contra os outros, tornaram o ar irrespirável e corroeram as bases da legitimidade da democracia entre nós.

Como viemos de lá até aqui? Três fatores: crise republicana, força à esquerda e fragilidade à direita.
Nos últimos anos os brasileiros perceberam que ao mesmo tempo em que o dinheiro acabava, a performance dos serviços públicos piorava, e que aqueles que contratamos para governar o país enquanto fazíamos a nossa parte trabalhando, criando as crianças, e cuidando dos idosos, estavam desviando parte substancial do dinheiro que restava. Não só os políticos escolhiam as políticas erradas como roubavam.
Isso gerou um deslocamento do foco do eleitor: não basta apenas escolher políticas; tivemos que começar a considerar quem entregaria mais políticas por menos corrupção.

O problema é que não foi esse o acordo que fizemos em 1988. Naquele contexto, os cidadãos garantiram às elites políticas o tempo, a imunidade e os recursos para fazer o que fosse necessário para que tivéssemos "[os] direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça" prometidos no preâmbulo da Constituição.

Na medida em que os políticos descumpriram a sua parte do contrato, parte dos eleitores resolveu procurar novos funcionários.

Nessa hora, os dois outros fatores entraram em cena. Por um lado, 30 anos de estratégia hegemônica fizeram com que faltasse uma alternativa ao PT à esquerda. Por outro, o desinteresse da direita brasileira em investir na construção de um partido de massas democrático e conservador fez com que na liderança desse campo político estivesse um partido que era mais democrático que conservador (PSDB). Isso criou o espaço para alternativas menos democráticas e mais conservadoras.

A consequência está aí. Os cardeais da Nova República, que nos últimos anos perderam o controle do país para os oportunistas de toga e farda, foram enxotados do poder pelo eleitor.

Fernando Bizzarro
Fernando Bizzarro

Doutorando no Departamento de Governo da Universidade Harvard e pesquisador associado ao Centro David Rockfeller para Estudos Latino Americanos

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