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Mala Htun

O erro número um é presumir que todo eleitor de Bolsonaro é racista e autoritário

Brasileiros, aprendam com nossos erros

Mala Htun

O Brasil está à beira de eleger como presidente um homem que muita gente define como misógino, racista, homófobo e autoritário.

Jair Bolsonaro, que serviu por sete mandatos como deputado federal, fez declarações públicas que insultam a dignidade das mulheres, dos afrodescendentes, das pessoas que não se enquadram às normas de gênero; que parecem endossar a tortura e elogiam a ditadura; e que oferecem justificação a execuções extrajudiciais pela polícia.

O mundo está horrorizado. Como é que vocês podem estar elegendo um bárbaro como esse para a Presidência? Por que estão permitindo que sua democracia desça pelo ralo?

Jair Bolsonaro (PSL) durante visita à Polícia Federal, no Rio de Janeiro, nesta quarta (17) - Carl de Souza/AFP

Se tudo isso soa familiar, é porque é familiar. Os Estados Unidos passaram por coisa parecida dois anos atrás, com a eleição de Donald Trump. Brasileiros: prestem atenção aos nossos erros. Se vocês aprenderem com nossos fracassos, podem ter a chance de salvar a democracia. 

O erro número 1 é presumir que todo mundo que apoia Bolsonaro é sexista, racista e fascista autoritário.

Os liberais passaram as semanas e meses que se seguiram à eleição de Donald Trump arrancando os cabelos, angustiados por 47 milhões de americanos terem endossado o racismo e o sexismo com seus votos. 

Mas para a maioria —se bem que não todos— dos eleitores de Trump, a eleição não girava em torno disso.

Só porque muitos de nós víamos a eleição como uma disputa entre o feminismo e o patriarcado, entre os direitos civis e a segregação racial, entre o reconhecimento da contribuição dos imigrantes e um nativismo antiquado, não significa que todos vissem a situação do mesmo modo. 

Para muitos partidários de Trump, que estavam plenamente cientes de, e muitas vezes desaprovavam, seus pronunciamentos ofensivos, a eleição significava algo diferente. Tinha a ver com mudança, com rejeitar uma elite enraizada. 

O erro número 2 foi nos deixarmos apanhar no drama do fim iminente da democracia, em detrimento dos sentimentos que os resultados da eleição refletem. Muita gente apoia Bolsonaro porque as coisas no Brasil vão muito mal. O crescimento econômico desapareceu. Depois de anos de declínio, a pobreza está em ascensão.

A violência também aumentou. A maioria da classe política está atolada em escândalos de corrupção e é alvo de absoluto descrédito. Essa é a realidade que os partidos e os políticos precisam encarar, ou as normas democráticas liberais continuarão a sofrer uma lenta erosão.

O erro número 3 é alimentar Bolsonaro e agravar a polarização ao expressar indignação virtuosa diante de tudo que ele diga. Por boa parte dos dois últimos anos, Trump, o #Toddlerinchief [fedelho em chefe], vem arrastando a mídia e a elite com escolaridade elevada pela coleira, por meio da divulgação sequencial e cuidadosamente calculada de declarações insultuosas. Ele determina a agenda ao disparar frases lunáticas, e todo mundo as engole. 

Nossa ira crescente, fomentada pela raiva de todas as pessoas que formam nossos círculos cuidadosamente selecionados, nos leva a continuar cometendo o erro número um e o erro número dois. A melhor maneira de administrar as manias de uma criança é ignorá-las.

O erro número 4 é dedicar tempo de televisão a tudo que Bolsonaro tem de ruim e perigoso, em lugar de trabalhar para construir uma visão política alternativa e unificadora. 

Os democratas vêm agindo assim há dois anos e deixaram de lado a construção de um líder capaz de derrotar Trump em 2020. A oposição se queixa constantemente, o que a faz parecer chorona e provavelmente não ajuda a vencer eleições. As pessoas querem se unir em torno de um projeto otimista.

O resultado da eleição do dia 7 de outubro foi preocupante, se não deprimente e trágico. Mesmo que um milagre ocorra e Bolsonaro perca para Haddad no segundo turno, sua popularidade ainda assim terá mudado o balanço da representação no Congresso: o PSL conquistou 52 cadeiras na Câmara dos

Deputados, um resultado não visto por um partido novo desde o retorno da democracia. Mas é provável que ele conquiste a Presidência. 

Ficar lamentando esse fato não vai tirá-los do buraco. Aprendam com seus erros e se unam em torno de algo mais que a antipatia compartilhada. Comecem a construir um projeto inclusivo agora, para reconquistar o país em quatro anos.

Professora de Ciência Política na Universidade do Novo México (EUA)

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