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Fernando Bizzarro

Que fazer?

Nove lições para quando um novo presidente decidir atacar a democracia

Manifestação das mulheres contra o candidato à presidência da república Jair Bolsonaro, no Largo da Batata - Eduardo Anizelli/Folhapress
Fernando Bizzarro

Como parte do meu trabalho em Harvard, colaboro com uma disciplina chamada “Como construir e manter democracias”. Nunca achei que poria em prática as lições daquele curso no Brasil. Torço para que não tenhamos que fazê-lo. Mas se tivermos, aqui estão. Se o novo presidente decidir atacar a democracia, que fazer?

1. Divulgue incansavelmente os argumentos a favor da democracia em todos os lugares, até mesmo, num golpe revolucionário, no grupo da família no WhatsApp. Democracias são mais prósperas, pacíficas, estáveis, e entregam melhores serviços públicos que as ditaduras. Não importa como a gente meça, a vida das pessoas é melhor quando as eleições são livres e justas, os poderes da república se autocontrolam, e os direitos individuais são respeitados. 

2. Troque objetivos de curto prazo pelo objetivo principal que é preservar a democracia. Importa pouco se você prefere políticas sociais universais ou focalizadas quando a única política social disponível é o porrete. Por isso, construa pontes com aqueles que compartilham o desejo de preservar a democracia, mesmo que vocês discordem de todo o resto.

3. Use todas as oportunidades para exercer e defender a democracia. Se candidate a cargos públicos mesmo que as eleições não sejam justas. Encontre um deputado ou senador decente, siga seu trabalho e colabore com sua campanha, mesmo que o Congresso tenha sido enfraquecido. Mantenha as instituições vivas.

4. Adote eleições e o respeito pela diferença como guias para as tomadas de decisão cotidianas. Pratique a democracia cotidianamente nas igrejas, nas escolas, no clube, na firma, no clube da firma. É importante que todos saibam exercê-la quando tivermos a chance.

5. Proteja a imprensa. Assine jornais, valorize o trabalho dos jornalistas, e marche por eles quando eles forem atacados. Eles executam um papel essencial: enquanto nós vivemos nossas vidas, eles vivem para garantir que a gente saiba as coisas que os poderosos fazem. 

6. Procure todos os dias por rachaduras nos muros que o autoritarismo constrói. Nem todos os que estão do lado de lá acham que mulheres têm que ganhar menos que os homens, que o Estado tem o direito de impedir que as famílias pobres tenham mais filhos —essa proposta anticristã que une partes da direita brasileira e o maoísmo—, ou que os agentes do Estado podem matar cidadãos brasileiros livremente, mesmo se criminosos. Muitos passaram para o lado de lá porque se sentiam maltratados, humilhados, desatendidos. Lá há pais e mães de família que trabalham duro e cujo principal desejo é criar os filhos, fazer um churrasco aos domingos e ir à praia de vez em quando, sem ter que viver enjaulados para se proteger da violência. A eles foi prometido que lá as jaulas serão só para os outros. Quando você encontrar a rachadura, estenda o braço por ela e tente trazê-los de volta. Mostre empatia, sensibilidade e demonstre, por ações e palavras, que com a ajuda deles é possível um mundo com menos jaulas. 

7. Aliste aliados fora do Brasil para a defesa da democracia. Uruguaios, chilenos, americanos, portugueses, australianos, indianos, não importa. Onde houver democracia haverá alguém disposto a ajudar. Eles vão pressionar os governos deles, os quais pressionarão o nosso, adotando todo o rol de sanções que ajudaram a espalhar a democracia pelo mundo. 

8. Prepare-se para a luta. Crie mecanismos para proteger você e seus aliados, busque recursos, treine pessoas, faça o que for preciso para se preparar para um confronto. Se acontecer, prefira métodos não violentos, pois eles corroem a legitimidade da repressão.

9. Seja bravo. A coragem para defender aquilo que é certo é contagiosa.
 

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