Relatório expõe obstáculos para cidadão obter e entender informação pública

Estudo da Transparência Brasil aponta falhas da Lei de Acesso à Informação em diversos órgãos

Joelmir Tavares
São Paulo

Dificuldade para ser atendido e linguajar complicado pavimentam os caminhos tortuosos que o cidadão precisa enfrentar para obter dados via LAI (Lei de Acesso à Informação), concluiu um relatório inédito da Transparência Brasil.

Isso quando a pessoa recebe, de fato, uma resposta —muitos chamados que os órgãos públicos dão como atendidos pouco têm a contribuir, na prática, para elucidar as dúvidas. Sinal de que a lei, que entrou em vigor há seis anos, ainda tem problemas que a tornam pouco eficaz.

Servidores em São Paulo fazem manifestação por melhoria salarial; remuneração de funcionários públicos é um dos principais assuntos questionados via LAI - Eduardo Anizelli - 27.mar.2018/Folhapress

A Transparência Brasil, criada em 2000 para pressionar governos a fazer prestações de contas e combater corrupção, analisou mais de 10 mil pedidos enviados ao Executivo federal e a outros 33 órgãos de diferentes esferas de poder e níveis federativos (como Assembleias Legislativas, Tribunais de Contas e prefeituras).

Ao compilar os dados, a entidade sentiu na pele o que se passa com o cidadão comum. A organização solicitou a 206 órgãos os pedidos registrados de 2012 a 2017, mas apenas 15% concederam integralmente o acesso à base de dados. Quase metade dos guichês (45%) "simplesmente ignoraram a solicitação, em grave descumprimento à LAI", observa o texto.

A impossibilidade de coletar dados em um universo mais amplo e a disparidade do volume de informações entre cada repartição impediram a Transparência Brasil de organizar, por exemplo, um ranking de órgãos com mais ou menos eficiência. Apesar disso, foi possível mensurar como cada Poder se comporta.

O Executivo é o que menos dá resposta a pedidos. Pela estatística da ONG, 52% das solicitações são atendidas, ao passo que 36% não são. Outras 13% são parcialmente atendidas. O resultado é considerado "longe do desejável, visto que o Executivo é o Poder mais demandado".

O Legislativo é o que alcança melhor desempenho. Dos pedidos enviados a esse Poder, 76% são atendidos, 13% não são e outros 11% são contemplados parcialmente.

Segundo o documento, a classificação de cumprimento da lei feita pelos próprios órgãos é pouco rigorosa. "É recorrente que o mero fato de o órgão ter dado alguma resposta, ainda que negando o acesso, seja considerado 'atendido'."

Para as negativas, uma justificativa comum é a de que a pesquisa para responder à dúvida vai gerar "trabalho adicional" aos servidores. Pela lei, pedidos que exijam análise extra ou produção de estatísticas podem ser ignorados, mas deveriam ser exceção.

"Na prática", diz o relatório, "o que se vê é que tal fundamento acaba servindo como base para que o órgão se abstenha de fornecer informações importantíssimas para o controle social".

Outros problemas: o envio de materiais no formato PDF (que dificulta tabulação de dados) e de conteúdos ilegíveis. Um dos casos relatados no dossiê é o de uma decisão escaneada, emitida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, quase impossível de ser lida.

Em geral, dúvidas relacionadas a servidores públicos e sua remuneração são as mais frequentes. Também são muito comuns perguntas sobre concursos públicos. Em ambos os casos, a Transparência Brasil critica a falta de informações abertas. A avaliação é que conteúdos dessa natureza deveriam estar disponíveis sem que fosse necessária uma consulta formal.

"Apesar de haver decisões do Supremo explicitando o interesse público de tal divulgação, ainda se encontra muita dificuldade para obter os salários dos funcionários de muitos órgãos da administração pública direta e indireta", diz a entidade.

Sem juridiquês

A forma obscura como informações são apresentadas por órgãos públicos, seja nos sites ou nas respostas dos pedidos via LAI, é alvo do relatório da organização, que aponta a falta de linguagem clara como um entrave à transparência.

Termos técnicos e rebuscados, apresentação confusa nos portais e classificações que muitas vezes só os servidores do próprio local conseguem compreender constituem obstáculos.

A ONG atribui à soma desses fatores, por exemplo, o caso de um cidadão que enviou para a Câmara dos Deputados uma mensagem por meio da LAI pedindo o email do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

A solicitação seria dispensável porque o endereço eletrônico do deputado federal já está disponível na página do Congresso, assim como o dos demais parlamentares. Uma busca no site resolveria a questão. Os pesquisadores não chegaram a uma conclusão sobre o que levou a pessoa a abrir um pedido via LAI e esperar até 30 dias por retorno.

A ausência da chamada "linguagem cidadã" é ainda mais prejudicial quando a pessoa recorre ao Poder Judiciário. "Responsáveis por responder a pedidos de LAI parecem muitas vezes se esquecer que estão escrevendo para cidadãos não-especialistas", afirma o relatório.

A uma pessoa que perguntou a média do tempo de tramitação de processos no STJ (Superior Tribunal de Justiça), a corte informou que a solicitação "encontra óbice na falta de indicação de uma (sic) limite temporal". O objetivo era dizer que havia um impeditivo ao atendimento porque não foi delimitado um período de tempo.

No caso das prefeituras observadas no estudo, um paradoxo: ora os governos municipais se recusam a fornecer informações porque consideram o pedido do morador genérico demais, ora porque as consultas seriam específicas demais.

Além de apontar os problemas, a Transparência Brasil lista sugestões para o poder público se adaptar à LAI e melhorar a interlocução com a população. Propõe, para começar, uma adequação do vocabulário, com o objetivo de tornar informações mais acessíveis.

Recomenda ainda que os órgãos incrementem a gestão dos arquivos e invistam na digitalização de documentos —uma desculpa frequente para a negativa de atendimento é a de que alguns conteúdos só estão disponíveis em papel.

Outras medidas que, na visão da entidade, seriam benéficas à transparência são a divulgação permanente da remuneração de todos os funcionários e a criação e atualização de páginas com todos os detalhes de concursos públicos. As duas iniciativas evitariam milhares de pedidos anuais via lei de acesso.

"A cultura da transparência avança muito devagar no país", diz Juliana Sakai, uma das diretoras do levantamento. "Ainda há muita resistência, mas tem melhorado. Acredito que com o passar do tempo os políticos e gestores não vão ser mais tão relutantes."

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