Golpe de 1964 é alvo de atos pelo país; Paulista tem confusão com grupos rivais

Há 55 anos, militares iniciaram o regime ditatorial que durou até 1985

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São Paulo e Rio de Janeiro

Manifestantes se reuniram nas ruas de capitais brasileiras neste domingo (31) em protestos contrários e favoráveis à ditadura militar iniciada com o golpe de 1964, há 55 anos.

Os principais atos aconteceram em São Paulo, onde os manifestantes se reuniram na avenida Paulista e no parque Ibirapuera, e no Rio, concentrado na Cinelândia.

Ao final da manifestação na Paulista, houve confusão entre os grupos rivais em frente ao prédio da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

Militantes favoráveis à intervenção militar foram provocados por manifestantes contra a ditadura, resultando em trocas de insultos e em agressões. No confronto, que envolveu cerca de 50 pessoas, foram usados como armas cabos de madeira e até uma pistola "taser", de eletrochoque.

Um dos feridos foi o assessor parlamentar Leandro Mohallem, que trabalha para a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP).

Segundo nota divulgada pela deputada, Mohallem foi atingido por trás na cabeça e caiu no chão, mas o agressor continuou chutando sua cabeça e costas. O assessor foi levado ao hospital da Barra Funda pela PM, onde levou pontos e ficou sob observação.

Segundo a Polícia Militar, o agressor foi preso e levado para o 78º Distrito Policial, no Jardins (zona oeste).

Os maiores atos foram contra a ditadura. “Descomemorar” o golpe com cultura e silêncio foi o espírito do ato na praça da Paz, no parque Ibiraquera, que recordou os desaparecidos da ditadura militar e fez contraponto às declarações do presidente Jair Bolsonaro, que encorajavam celebrações da data.

O ato, intitulado Caminhada do Silêncio, começou por volta das 16h com apresentações musicais e literárias que evocavam críticas à ditadura militar e a Bolsonaro.

Por volta das 18h30 começou uma caminhada até o Monumento pelos Mortos e Desaparecidos Políticos, inaugurado no parque em 2014, com todo o público guardando silêncio nos 1.200 metros de percurso.

Boa parte dos manifestantes se vestiu de preto e trouxe velas e flores como forma de expressar luto pelos mortos e desaparecidos durante a ditadura militar.

“Não há nada mais ensurdecedor do que o silêncio”, afirma o ex-deputado estadual Adriano Diogo (PT-SP), integrante da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, promotora do ato junto com outras entidades da sociedade civil. Ele também coordenou a Comissão da Verdade na Assembleia Legislativa de São Paulo. 

Fotos de desaparecidos políticos eram erguidas durante as apresentações e na caminhada silenciosa —por seus familiares e também por pessoas simpáticas à luta contra a ditadura militar.

“Temos aqui três gerações de famílias que foram afetadas pelas torturas, mortes e desaparecimentos. Esse ato é uma demonstração de que não vamos esquecer, de que queremos a punição dos torturadores. Tortura é um crime de lesa humanidade e não vamos nos calar”, afirma Ângela Mendes de Almeida, viúva do jornalista Luiz Eduardo Merlino, torturado e morto na sede no Doi-Codi , em São Paulo, em 1971. 

As sessões de tortura contra Merlino foram coordenadas por Carlos Alberto Brilhante Ustra, militar do qual Bolsonaro é admirador confesso.

O silêncio foi quebrado somente no ponto final da caminhada, onde aconteceu uma nova intervenção musical. 

Antes, os manifestantes gritavam “presente” e “ditadura nunca mais” a cada menção a mortos em chacinas e outros episódios históricos, como as valas coletivas de Perus, em São Paulo, e os assassinatos da Candelária (Rio de Janeiro, 1993) e de Osasco (Grande São Paulo, 2017).

O MBL (Movimento Brasil Livre) de São Paulo, que comandou manifestações nos últimos anos contra a esquerda, lançou durante a tarde uma nota em que repudia "defesas inescrupulosas ao regime militar brasileiro".

O movimento afirma que é oriundo dos pilares do liberalismo, como democracia e direito à liberdade de expressão, e não pode "compactuar com tamanhos impropérios sobre um período da nossa história em que esses pilares não foram defendidos".

"Também repudiamos os extremistas de esquerda que defenderam terroristas/guerrilheiros que lutavam por uma ditadura do proletariado e que, hoje, defendem ditaduras socialistas ao redor do mundo."

No Rio, o protesto contra a ditadura reuniu manifestantes na Cinelândia, no centro da cidade. O ato teve protesto contra o governo Jair Bolsonaro e pela libertação do ex-presidente Lula, preso em Curitiba desde abril de 2018.

Houve também lembranças à vereadora Marielle Franco, assassinada em fevereiro de 2018, e protestos contra a reforma da Previdência proposta pelo governo Bolsonaro.

Em discursos, lideranças criticaram a autorização dada por Bolsonaro para que as Forças Armadas “rememorassem” o golpe militar de 1964, gerando uma série de manifestações de aliados em defesa do regime. Neste domingo, em vídeo postado nas redes sociais, o governo reforçou a defesa.

“É inaceitável em qualquer lugar do planeta que uma pessoa, uma autoridade pública, faça elogio à tortura”, disse em seu discurso o ex-senador Chico Alencar (PSOL). “As sementes da ditadura, da repressão, da tortura e da morte estão ainda nos envolvendo.”

“Se hoje fosse praticado o que o presidente quer que se celebre, seria crime imprescritível e inafiançável”, criticou o deputado federal Alessandro Molon (PSB). “Ser presidente da República não dá a ele o direito de negar a História.”

“Eu fui criado no chão frio do exílio. Eu vi o sofrimento da minha família”, recordou o vereador Leonel Brizola Neto (PSOL), que lembrou torturas sofridas pelo avô e homenageou militares que se opuseram ao regime. “É preciso debatermos, dialogar com o povo brasileiro o que significou esse corte histórico.”

Os manifestantes iniciaram o protesto sentados nas escadarias da Câmara dos Vereadores cantando músicas representativas da época, como “Para não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré, e “Cálice”, do Gilberto Gil e Chico Buarque.

Manifestantes portavam bandeiras de partidos de esquerda, como PCO e PSTU. O ex-presidente Lula foi lembrado tanto em cartazes, camisetas e adesivos, quanto em palavras de ordem pedindo sua liberdade.

“Em pleno século 21, Lula ainda é um preso político”, apoiou a deputada federal Jandira Feghali (PCB), que chamou Bolsonaro de canalha em seu discurso. A deputada federal Benedita da Silva (PT) também pediu a liberdade de Lula.

Vestindo a camisa laranja do partido Novo, o consultor financeiro Cláudio Janowitzer classificou a defesa de Lula como “deformação”. “Eu achava que a ênfase seria contra a glorificação da democracia”, disse. “Não deveria ser um movimento de esquerda, mas pela liberdade e contra a ditadura.”

 
Ainda no Rio, houve uma ação do movimento 342 Artes, encabeçado pela produtora cultural Paula Lavigne, mulher de Caetano Veloso. Um avião contratado pelo grupo exibiu nos céus da cidade uma faixa com os dizeres "Ditadura nunca mais".
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