Em áudio, Moro pede desculpas a integrantes do MBL por chamá-los de tontos

Ex-juiz havia criticado em mensagem manifestação do grupo contra Teori Zavascki, em 2016

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Brasília

O MBL (Movimento Brasil Livre) divulgou neste domingo (23) áudio em que o ministro da Justiça, Sergio Moro, pede desculpas aos seus integrantes por mensagem trocada com integrantes da Operação Lava Jato em março de 2016, na qual os chama de tontos.

“Se de fato usei o termo, peço escusas, mas saibam que têm todo o meu respeito e sempre terão”, declarou Moro, segundo a gravação publicada no Youtube pelo deputado estadual Arthur Mamãe Falei (DEM-SP), do MBL.

Ato organizado pelo MBL em São Paulo a favor da Lava Jato, em 2017
Ato organizado pelo MBL em São Paulo a favor da Lava Jato, em 2017 - Danilo Verpa - 26.mar.17/Folhapress

Procurada pela Folha, a assessoria do ministro informou não ter conhecimento do áudio.

O diálogo em que Moro critica o movimento consta em reportagem da Folha e do site The Intercept Brasil neste domingo.

Nele, Moro pede ao coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, que encontre uma forma de conter o MBL, que havia armado protesto em frente ao apartamento do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Teori Zavascki, morto no ano seguinte.



Ouça o áudio:

O temor era de que isso melindrasse as relações do então juiz com o ministro, que poderia retirar da 13ª Vara de Curitiba parte dos processos em curso para que eles passassem a tramitar no Supremo.

 

“Nao.sei se vcs tem algum contato mas alguns tontos daquele movimento brasil livre foram fazer protesto na frente do condominio.do ministro”, digitou o então magistrado no Telegram. “Isso nao ajuda evidentemente.”

No áudio deste domingo, Moro reitera que, em seu entendimento, as mensagens foram obtidas de maneira criminosa e podem ter sido adulteradas. “Nem sei se são verdadeiras. Saí do Telegram em 2017.”

Ele justifica que o momento era tenso em função da divulgação, autorizada por ele próprio, de escutas de conversas entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a então presidente Dilma Rousseff.

“Aquilo lá eu fiz com convicção na absoluta correção, mas gerou toda uma pressão e foi um período complicado. Achei que esse protesto na época era um tanto quanto inconveniente”, argumentou o ministro. “O ministro Teori Zavascki era boa gente, uma pessoa séria e a realização daquele protesto poderia gerar uma animosidade do Supremo contra a 13ª Vara.”

Moro sustenta não saber se usou mesmo termo “tonto”. “Acredito que não, pode ter sido adulterado, mas queria dizer assim, pedir minhas escusas se eu eventualmente utilizei. Sempre respeitei o MBL e sempre agradeci o apoio que este movimento deu não só à Lava Jato mas a esse movimento, nos últimos cinco anos, de avanço contra a corrupção e construção de um país melhor”, declarou.

A reportagem publicada pela Folha e pelo Intercept neste domingo foi produzida a partir de mensagens privadas enviadas por uma fonte anônima ao The Intercept Brasil e analisadas em conjunto pelo jornal e pelo site. 

Ela mostra como os procuradores da Lava Jato se articularam para proteger Moro e evitar que tensões entre ele e o Supremo paralisassem as investigações em março de 2016.

Os diálogos indicam que os procuradores e o então juiz temiam que Teori, relator da Lava Jato no STF, desmembrasse inquéritos que estavam sob controle de Moro em Curitiba após a divulgação de uma lista de políticos associados à Odebrecht, que tinham direito a foro especial --e que só podiam ser investigados com autorização da corte.

Moro escreveu ao procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, para reclamar da Polícia Federal, que havia tornado a pública a lista de políticos ao anexar aos autos de um inquérito papéis encontrados na casa de um executivo da Odebrecht, e discutiu com ele a melhor forma de encaminhar os processos ao STF.

Ao examinar o material, a reportagem da Folha não detectou nenhum indício de que ele possa ter sido adulterado.

Os repórteres, por exemplo, buscaram nomes de jornalistas da Folha e encontraram diversas mensagens que de fato esses profissionais trocaram com integrantes da força-tarefa nos últimos anos, obtendo assim um forte indício da integridade do material. 

Nas demais conversas publicadas pelo site Intercept desde o último dia 9, Moro sugere ao Ministério Público Federal trocar a ordem de fases da Lava Jato, cobra a realização de novas operações, dá conselhos e pistas e antecipa ao menos uma decisão judicial.

O então juiz, segundo os diálogos, também propõe aos procuradores uma ação contra o que chamou de "showzinho" da defesa do ex-presidente Lula, sugere à força-tarefa melhorar o desempenho de uma procuradora durante interrogatórios e se posiciona contra investigações sobre o ex-presidente FHC na Lava Jato por temer que elas afetassem "alguém cujo apoio é importante".

Segundo a legislação, é papel do juiz se manter imparcial diante da acusação e da defesa. Juízes que estão de alguma forma comprometidos com uma das partes devem se considerar suspeitos e, portanto, impedidos de julgar a ação. Quando isso acontece, o caso é enviado para outro magistrado.

As conversas entre então juiz e a Lava Jato também provocaram reação no Supremo Tribunal Federal, que agendou para esta terça-feira (25) a análise de um pedido dos advogados do ex-presidente Lula pela anulação do processo do tríplex em Guarujá (SP), encabeçado por Moro e que levou o petista à prisão em abril do ano passado.

Até aqui, Moro tem minimizado a crise e refutado a possibilidade de ter feito conluio com o Ministério Público. Assim como os procuradores, diz não ter como garantir a veracidade das mensagens (mas também não as negou) e chama a divulgação dos diálogos de sensacionalista.


Entenda o caso das mensagens da Lava Jato

ORIGEM DAS CONVERSAS

O que são
Desde 9.jun, o site The Intercept Brasil vem divulgando um pacote de conversas envolvendo procuradores da República em Curitiba e Sergio Moro, na época juiz responsável pelos processos da Lava Jato

Período 
Os diálogos aconteceram entre 2015 e 2018 pelo aplicativo Telegram

Fonte 
O site informou que obteve o material de uma fonte anônima, que procurou a reportagem há cerca de um mês. O vazamento, segundo o Intercept, não está ligado ao ataque ao celular de Moro, em 4.jun

Análise 
Folha teve acesso ao material e não detectou nenhum indício de que ele possa ter sido adulterado. Os repórteres, por exemplo, encontraram diversas mensagens que eles próprios trocaram com a força-tarefa nos últimos anos

O QUE OS DIÁLOGOS MOSTRAM ATÉ AGORA

Troca de colaboração
Moro sugeriu à Procuradoria mudar a ordem de fases, cobrou a realização de novas operações, indicou testemunha e antecipou ao menos uma decisão. O juiz também propôs uma resposta ao “showzinho” da defesa de Lula, que havia prestado depoimento a ele

Dúvidas de procuradores
Em um dos diálogos, Deltan questiona a solidez das provas que sustentaram a primeira denúncia contra o ex-presidente Lula no caso do tríplex de Guarujá (SP). O petista foi condenado nesse processo e cumpre pena há um ano em Curitiba

Influência de Moro na equipe
Em conversa com Deltan, Moro sugeriu melhorar o desempenho de uma procuradora durante interrogatórios. A orientação foi repassada à força-tarefa, que externou a preocupação de que isso não ocorresse no caso Lula. Alvo da crítica, Laura Tessler não participou da audiência do petista

Troca de opinião sobre casos
Moro também se posiciona contra investigações sobre o ex-presidente FHC na Lava Jato por temer que elas afetassem “alguém cujo apoio é importante”

Proteção
Procuradores se articularam para proteger Moro e evitar que tensões entre ele e o STF paralisassem as investigações em 2016. Entre as medidas estava a antecipação de uma denúncia

POR QUE AS MENSAGENS PODEM INDICAR IRREGULARIDADES

Segundo a legislação, é papel do juiz se manter imparcial diante da acusação e da defesa

  • Pelo Código de Processo Penal: O artigo 254 afirma que “o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes” se “tiver aconselhado qualquer das partes”
  • Pelo Código de Ética da Magistratura: Em seu artigo 8º, diz que “o magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”. Já no artigo 9º prevê que “ao magistrado, no desempenho de sua atividade, cumpre dispensar às partes igualdade de tratamento”

Possíveis efeitos para a Lava Jato
A troca mensagens pode levar à anulação de condenações proferidas por Moro, caso haja entendimento que ele era suspeito. Isso inclui o caso Lula

Investigações
A PF investiga suspeitas de ataques de hackers a telefones de procuradores e do ministro, mas o teor das conversas não é objeto

O QUE DIZEM MORO  E OS PROCURADORES

Argumentos do ministro

  • coloca-se como alvo de ataque hacker de um grupo criminoso organizado
  • diz não ter como garantir a veracidade das mensagens (mas também não as nega)
  • refuta a possibilidade de ter feito conluio com o Ministério Público
  • chama a divulgação das mensagens de sensacionalista
  • desqualifica os que apontaram irregularidades na sua atuação quando juiz da Lava Jato

Argumentos da força-tarefa

  • busca desqualificar o teor das reportagens afirmando que o grupo é vítima de uma ação criminosa
  • nega que tenha havido qualquer ilegalidade em sua atuação
  • afirma que não é possível confirmar se houve edições, alterações, acréscimos ou supressões no material obtido pelo site
  • diz que fazer comentários sobre “supostos diálogos” incentiva os criminosos que deles se apropriaram
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