Entenda a lei sobre abuso de autoridade, que passa a valer nesta sexta-feira (3)

Projeto teve pontos vetados por Bolsonaro, mas Congresso derubou parte dos vetos

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São Paulo e Brasília

Entra em vigor nesta sexta-feira (3) a lei sobre abuso de autoridade aprovada pelo Congresso em agosto.

A proposta foi alvo de polêmicas. De um lado, procuradores e policiais afirmavam que o texto abria margem para punir quem combate o crime organizado e a corrupção. De outro, advogados e entidades de defesa dos direitos humanos argumentam que o projeto evita o arbítrio e não pune quem age corretamente.

Abaixo, veja como ficou a nova lei e entenda o que pode ser considerado abuso de autoridade.

 

O que pretende o projeto sobre abuso de autoridade?
O texto especifica diversas condutas que devem ser consideradas abuso de autoridade e prevê punições. Boa parte das ações já são proibidas, mas o objetivo do projeto é punir o responsável pelas violações.

Que exemplos de condutas são considerados abuso de autoridade, segundo o texto?

  • Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado sem que antes a pessoa tenha sido intimada a comparecer em juízo
  • Invadir ou adentrar imóvel sem autorização de seu ocupante sem que haja determinação judicial e fora das condições já previstas em lei (não há crime quando o objetivo é prestar socorro, por exemplo). Essa é uma queixa recorrente de moradores de favelas, especialmente do Rio de Janeiro, que afirmam que não raro policiais invadem suas casas sem mandado judicial e sem sua autorização
  • Manter presos de ambos os sexos numa mesma cela ou deixar um adolescente detido na mesma cela que adultos
  • Dar início a processo ou investigação sem justa causa e contra quem se sabe inocente
  • Grampear, promover escuta ambiental ou quebrar segredo de Justiça sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei
  • Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado
  • Mandar prender em manifesta desconformidade com a lei ou deixar de soltar ou substituir prisão preventiva por medida cautelar quando a lei permitir
  • Violar prerrogativas do advogado asseguradas em lei, como a inviolabilidade do escritório ou local de trabalho, instrumentos de trabalho, correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática relativas ao exercício da advocacia
  • Constranger o preso, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência a produzir prova contra si ou contra terceiro
  • Continuar interrogando suspeito que tenha decidido permanecer calado ou que tenha solicitado a assistência de um advogado sem que este esteja presente

O que torna as condutas criminosas?
Para configurar abuso de autoridade, é necessário que o ato seja praticado com a finalidade de prejudicar alguém, beneficiar a si mesmo ou a outra pessoa ou que seja motivado por satisfação pessoal ou capricho.

Que tipo de punições são previstas?
São previstas medidas administrativas (perda ou afastamento do cargo), cíveis (indenização) e penais (penas restritivas de direitos, como prestação de serviços à comunidade ou detenção). 

Quase todos os delitos previstos têm pena de detenção —ou seja, o regime inicial será aberto ou semiaberto. A exceção é para o artigo 10, que prevê dois a quatro anos de reclusão (o regime inicial pode ser fechado, mas não é obrigatório) para quem realizar “interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei”.

Pelo projeto, uma pessoa que é inocentada na esfera criminal não pode ser condenada na esfera cível nem na administrativa. O texto também prevê que só perderá o cargo ou função quem for reincidente no abuso de autoridade.

Quem poderá ser enquadrado na nova lei?
De acordo com o projeto, são considerados passíveis de sanção por abuso de autoridade membros dos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, membros do Ministério Público, membros de tribunais ou conselhos de contas, servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas. 

Também pode ser punido quem esteja ocupando a função pública temporariamente ou sem remuneração.

Que vetos feitos por Bolsonaro foram mantidos pelo Congresso?
O presidente havia vetado pontos de 19 dos 45 artigos do projeto, mas boa parte dos vetos foram derrubados pelo Congresso. Os pontos abaixo, contudo, permaneceram de fora do texto final:

  • Pena de proibição de exercer, por um a três anos, funções de natureza policial ou militar no município que tiver sido praticado o crime e naquele em que residir e trabalhar a vítima
  • Punição para a autoridade que usar algemas em quem não resista à prisão, não ameace fugir ou represente risco à sua própria integridade física ou à dos demais
  • Punição para quem coibir, impedir ou dificultar sem justa causa a associação ou reunião pacífica de pessoas 
  • Punição para quem fotografar ou permitir que o preso seja fotografado ou filmado sem o seu consentimento
  • Punição para quem extrapola os limites do mandado judicial e mobiliza agentes, veículos e armamentos de forma extensiva para expor o investigado a vexame durante ação de busca e apreensão
  • Punição para quem omite informação “juridicamente relevante” e não sigilosa com o intuito de prejudicar um investigado
  • Punição para quem induzir ou instigar alguém a praticar infração para capturá-lo em flagrante
  • Punição para quem, tendo conhecimento de um erro em um processo, deixar de corrigi-lo
  • Punição para quem prender ou executar busca e apreensão sem condição de flagrante e sem mandado judicial

Como os vetos foram justificados pelo governo?
O Planalto afirma que os pontos vetados traziam insegurança jurídica, feriam o princípio da isonomia e prejudicavam o trabalho das forças de seguranças.

Quando a lei entra em vigor?
Em janeiro de 2020.

Quem é responsável por denunciar o abuso de autoridade à Justiça?
O Ministério Público, que é o dono da ação penal. Se o órgão não acionar o Judiciário, a vítima tem o prazo de seis meses para ingressar com uma ação privada, contando da data em que se esgotar o prazo para oferecimento da denúncia. Nesse caso, o Ministério Público poderá fazer acréscimos à ação, rejeitá-la ou mesmo oferecer denúncia substitutiva. 

Outro ponto é que a denúncia independe da vítima prestar queixa, devendo ser assumida pelo Ministério Público mesmo que a pessoa alvo do abuso não queira dar prosseguimento ao caso.

E se a autoridade denunciada for um membro do Ministério Público?
A regra é a mesma. Advogados consultados afirmam que, em todo o caso, a vítima também pode registrar boletim de ocorrência e procurar a corregedoria ou o Conselho Nacional do Ministério Público. 

O veto ao trecho que limitava o uso de algemas foi mantido. Existe algum outro dispositivo legal que trate do tema?
O texto do projeto se baseava em uma súmula do Supremo Tribunal Federal (STF), segundo a qual só é lícito o uso de algemas "em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".

Como fica a questão da interpretação do juiz?
De acordo com o texto, isso é expressamente intocável e não pode ser criminalizado. O artigo 1º do projeto aprovado diz que "a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura, por si só, abuso de autoridade".

Antes desse projeto, o abuso de autoridade era punido por alguma lei?
Sim, boa parte das condutas já é vetada por outras legislações. A lei 4.898, por exemplo, definia uma série de ações como abuso de autoridade, mas de maneira genérica e com punição branda.

A nova regra amplia as situações que configuram o crime e torna mais severa a punição (com tempo máximo de detenção chegando a quatro anos).

Há pontos que podem ser questionados judicialmente?
Entidades de juízes, policiais e membros do Ministério Público questionam 20 pontos da lei no Supremo.

Que exemplos de casos da Lava Jato poderiam ser enquadrados na nova lei, caso ela já estivesse valendo à época?

  • Condução coercitiva - Quando foi conduzido coercitivamente, em março de 2016, o ex-presidente Lula não havia sido intimado a depor na investigação. Com a lei, isso fica vetado
  • Diálogos - Em março de 2016, por ordem do então juiz Sergio Moro, foi tornada pública uma série de telefonemas trocados entre Lula e outras pessoas de seu convívio, como a sua mulher e filhos. O novo texto pune quem divulgar gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada
  • Prisão preventiva - A Lava Jato usou em larga escala a prática das prisões preventivas. A nova lei pune quem "dentro do prazo razoável", deixar de relaxar a prisão "manifestamente ilegal, deixar de substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou deixar de conceder liberdade provisória quando manifestamente cabível"
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