Descrição de chapéu

STF usou caminho que só ele enxerga como legal para proibir destruição de mensagens

Ministro Alexandre de Moraes requisitou cópias de material apreendido, por meio de inquérito das fake news

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Rafael Mafei Rabelo Queiroz
São Paulo

Foram dois os caminhos pelos quais o STF frustrou a eventual destruição das mensagens que vêm sendo divulgadas pelo Intercept Brasil e outros veículos, como a Folha.

No inquérito das fake news, um procedimento cuja legalidade só o tribunal enxerga, o ministro Alexandre de Moraes requisitou cópias do inquérito da Operação Spoofing e de “todo material apreendido”.

Prorrogou ainda a duração da investigação no STF: serão mais 180 dias de recursos gastos coletando provas que não podem fundamentar ação ou condenação futuras, pois colhidas em procedimento baseado em dispositivo regimental impertinente, com relator escolhido a dedo.

O ministro Alexandre de Moraes (STF)
O ministro Alexandre de Moraes (STF) - Pedro Ladeira/Folhapress

Irônico o tribunal extrapolar funções judiciais para resguardar provas contra os ímpetos do ex-juiz que extrapolou funções judiciais.

Horas antes, uma liminar havia sido concedida pelo ministro Luiz Fux na ADPF 605. A ação foi ajuizada para impedir que o ministro Sergio Moro desse fim naquelas provas.

Relembrando: Moro avisara que destruiria o material apreendido com os hackers. Com isso, deu pistas de que teve acesso a investigação sigilosa, que apura fatos que põem em dúvida sua conduta judicial.

Ainda, ensaiou intervenção imprópria do Poder Executivo no inquérito. Nos tempos da boa e velha 13a Vara Federal de Curitiba, coisas assim renderiam condução coercitiva, prisão preventiva e ação penal por “obstrução à Justiça”.

A inicial da ADPF pedia que se impedisse a ação de Moro, pois a decisão de destruir o material apreendido cabe ao Judiciário. Fux foi além: resguardou o material contra quem quer que fosse —inclusive o juízo competente. Até quando? “Até o julgamento final desta causa”, a ADPF 605. Isso será, bem sabemos, quando ele quiser. No STF, cada ministro é senhor individual e absoluto do tempo.

Fux é textualmente citado nas mensagens vazadas. “In Fux we trust” não sugere patente ilegalidade sua, mas aguça dúvidas pertinentes. Se quem atua perante o STF é a PGR, por que Fux e Deltan tiveram múltiplas interações sobre o caso (“conversei com o ministro mais uma vez”)? Por que em segredo (“reservadamente”)? No que consistiria o “conte comigo”, que o procurador diz ter ouvido do ministro?

O escândalo com a tal conversa talvez seja tempestade em copo d’água. Talvez não. É saudável a precaução em relação a um magistrado cujo alarme ético não apitou ao reunir-se com réus a quem julgaria na Ação Penal 470 (Mensalão) para pedir vaga no tribunal, como ele próprio confirmou a Mônica Bergamo.

Fux negou as conversas relatadas por Deltan.

Se ocorreram com aquele teor, são desgastantes para a imagem de um Poder cuja imparcialidade está sob escrutínio da opinião pública. “Conte comigo” é um afago que juízes não devem distribuir.

Mas, mesmo que o papo não tenha ocorrido, o comprometimento de Fux permanece: como acreditar na imparcialidade decisória do ministro em um caso que interessa a Deltan se, a crer na negativa, sua integridade terá sido falsamente conspurcada pelo procurador?

As provas devem ser preservadas, é certo. A matéria pode ser conhecida pelo STF, é certo também. Mas não em um inquérito ilegal; e não com protagonismo de um ministro nominalmente vinculado a condutas questionáveis por alguém interessado no desfecho da ação por ele relatada.

O tribunal errou acertando, ou acertou errando. Eis um luxo a que o STF não pode ser dar. Celso de Mello disse bem: mais do que nunca, precisamos do Supremo em plena forma.

Rafael Mafei Rabelo Queiroz

Professor da Faculdade de Direito da USP

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