Filiação a outro partido explica 77% das assinaturas inválidas da Aliança de Bolsonaro

Fichas inaptas (14 mil) para criar sigla superam as aprovadas (5,5 mil); houve 7 casos de eleitores que já haviam morrido

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São Paulo e Brasília

Na fase de registro de apoiamentos junto ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o maior entrave para a formação da Aliança pelo Brasil, novo partido de Jair Bolsonaro, tem sido a rejeição de assinaturas pelo fato de o apoiador estar filiado a outra legenda. 

Dados do TSE obtidos pela Folha mostram que esse é o motivo de 76,8% dos apoiamentos considerados inaptos pela corte até segunda-feira (2). 

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Local de coleta de assinaturas para criação da Aliança Pelo Brasil em Guarujá - Klaus Richmond - 23.fev.2020/Folhapress

De acordo com a Justiça Eleitoral, o número de assinaturas descartadas (13.977) supera o de validadas (5.499). Há ainda cerca de 54 mil apoiamentos em fase de verificação pelos cartórios eleitorais —período em que pode haver impugnações e correções de dados. 

A Aliança pelo Brasil precisa apresentar ao menos 492 mil assinaturas para ser criada, com apoiadores de no mínimo 9 estados. Dirigentes do partido acreditam que já superaram essa meta —houve mutirões de filiação pelo país e ajuda de cartórios de notas e de igrejas. 

Agora, porém, aos poucos, essas fichas estão sendo cadastradas no TSE para análise e validação. A expectativa de que o partido fosse criado até o início de abril, a tempo de participar das eleições municipais deste ano, já caiu por terra, mas a quantidade de fichas inaptas pode atrasar ainda mais o processo. 

Nesta quarta (4), o STF (Supremo Tribunal Federal) rejeitou uma ação para derrubar a regra de que somente pessoas desfiliadas podem apoiar a criação de novos partidos. Caso o entendimento tivesse sido alterado, a Aliança poderia ser beneficiada —advogados da legenda entendem que a liberação retroagiria para validar as fichas já descartadas. 

A ação foi movida em 2015 pelo PROS. O partido sustenta que a lei eleitoral afronta a Constituição ao limitar a participação do cidadão no processo político-partidário e gerar diferença entre filiados e não filiados. 

O placar nesse caso foi de 9 votos a 1, vencido o ministro Dias Toffoli. O decano da corte, Celso de Mello, não participou da sessão por estar de licença médica.

Somente Toffoli concordou com a interpretação de que não se pode excluir cidadãos filiados do processo de criação de novos partidos. A relatora da ação, Cármen Lúcia, e os demais ministros entenderam que a distinção entre filiados e não filiados não fere a Constituição e confere legitimidade ao apoio para a criação do novo partido.

"Os partidos têm que ser programáticos, e a realidade tem nos mostrado pragmáticos", disse a ministra.

Depois dos filiados, o segundo principal motivo para invalidação de apoiamentos da Aliança, que ocorre em 11,7% dos casos, é o estado informado na ficha de apoio ser diferente do estado onde o eleitor tem seu título cadastrado. 

Também há casos de apoiamento já registrado (5,6%) e de pessoas com o título de eleitor cancelado (2,8%). O documento pode ser cancelado se a pessoa deixou de votar ou justificar a ausência em mais de três eleições seguidas, por exemplo. 

Aparecem ainda problemas menos frequentes como assinatura divergente, zona eleitoral incorreta, nome do eleitor divergente e até sete casos de eleitor que morreu. 

Para a tesoureira da Aliança e advogada eleitoral Karina Kufa, a necessária desfiliação de apoiadores do partido é um obstáculo porque é burocrática. Não basta que o filiado comunique sua desfiliação à legenda, é preciso comunicar também o cartório eleitoral, pois muitos partidos não mantêm suas listas de filiados em dia com a Justiça Eleitoral. As siglas são obrigadas a atualizar esses dados somente em abril e em dezembro de cada ano. 

No caso da Aliança, a questão da desfiliação é especialmente estratégica porque a maioria de seus apoiadores, seguindo a trajetória de Bolsonaro, estava filiada ao PSL. Foi após um racha na legenda pela qual disputou a eleição de 2018 que o presidente resolveu fundar seu próprio partido. 

"A maior dificuldade na certificação das fichas de apoiamento tem se dado em razão da filiação partidária. Nós detectamos através de denúncias de diversos apoiadores grande dificuldade em conseguir providenciar a desfiliação, seja por não encontrar um dirigente nos diretórios municipais que fosse apto a receber a desfiliação ou pelo fato de que alguns estão filiados em cidades distantes de onde vivem hoje. A desfiliação presencial acaba sendo ilógica, considerando que alguns partidos já aceitam a filiação por meio eletrônico", diz Kufa. 

Outra dificuldade encontrada pelos dirigentes da Aliança é o fato de a desfiliação ser aferida não só na data da assinatura da ficha de apoiamento, mas em outros dois momentos posteriores —quando a ficha é cadastrada no sistema e quando é analisada pelos cartórios eleitorais. 

De acordo com Kufa, há apoiadores que assinaram a ficha enquanto estavam desfiliados, mas posteriormente se filiaram a algum partido para concorrer na eleição de 2020, já que a Aliança não estará viabilizada. O prazo de filiação para quem quer concorrer é 4 de abril. 

O partido enfrenta ainda outras questões burocráticas em seu processo de criação. Para acelerar a conferência de fichas pela Justiça Eleitoral, a Aliança orientou seus apoiadores a reconhecerem firma em cartório, mas também nesse campo houve reveses.

O Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina determinou que a verificação de assinaturas deve ser mantida mesmo nas fichas já reconhecidas. O mesmo ocorreu pontualmente em outros estados. 

A Aliança pediu ao TSE, então, que as assinaturas reconhecidas já sejam consideradas válidas, sem a necessidade de conferência por parte dos cartórios eleitorais, o que agilizaria o processo. A corte ainda não respondeu. 

Nesta quarta, além da regra sobre somente desfiliados poderem apoiar novos partidos, o STF também manteve vigente outras normas que foram aplicadas nas duas últimas eleições (2016 e 2018). O plenário julgou improcedentes quatro ações que questionavam dispositivos das minirreformas eleitorais feitas pelo Congresso em 2015 e 2017. 

Um dos dispositivos validados é o que prevê que, em eleições proporcionais —para vereadores, deputados estaduais e deputados federais—, um candidato precisa ter no mínimo 10% do quociente eleitoral em votos para ser eleito.

A regra foi criada em 2015 para evitar a eleição de candidatos com poucos votos que pegavam carona nos puxadores de votos —fenômeno conhecido como "efeito Tiririca".

Outra norma que foi validada pelos ministros é que a trata da distribuição das vagas resultantes das sobras eleitorais, também nas eleições proporcionais. Antes, partidos que não tinham atingido o quociente eleitoral não participavam da distribuição das sobras de cadeiras.

Com a minirreforma, todos os partidos que concorreram no pleito participam dessa distribuição. 
Para o relator da ação sobre o tema, ministro Marco Aurélio, o Congresso buscou, com a mudança, garantir a efetiva participação das minorias.

COMO SE CRIA UM PARTIDO?

O processo de criação de uma legenda envolve várias etapas. São elas: 

  • Elaboração de um programa e estatuto com assinatura de pelo menos 101 fundadores, que sejam eleitores residentes no Brasil e estejam com direitos políticos plenos 
  • Registro em cartório em Brasília e publicação do estatuto no Diário Oficial da União
  • Registro de criação no TSE, em até 100 dias 
  • Obtenção do apoio equivalente a 0,5% dos votos válidos da última eleição geral para a Câmara, distribuídos em no mínimo um terço dos estados, com um mínimo de 0,1% do eleitorado em cada um deles; o prazo é de dois anos 
  • Obtenção do Registro de Partido Político em pelo menos um terço dos TREs do país e registro da Executiva Nacional no TSE

Quanto tempo leva todo o processo de criação?
Em média, cerca de três anos e meio. O recorde foi do PSD, do ex-ministro Gilberto Kassab, que levou um pouco mais de seis meses.

Para participar de uma eleição, a legenda precisa ser criada até seis meses antes do pleito.

Qual a parte mais demorada?
Geralmente é o processo de recolhimento e certificação das assinaturas, que são conferidas pela Justiça Eleitoral (para verificar, por exemplo, se não há duplicações). É comum que os partidos recolham mais assinaturas do que o necessário para compensar as que são desqualificadas.

Quantas assinaturas são necessárias?
Levando em conta as eleições de 2018, 0,5% dos votos válidos para a Câmara equivalem a 491.967 assinaturas, que precisam ser distribuídas por ao menos nove estados. Além disso, é necessário que, em cada estado, haja um mínimo de firmas equivalentes a 0,1% dos eleitores que votaram.

Normalmente as legendas costumam apresentar um número próximo de 1 milhão de assinaturas.

É possível recolher assinaturas digitais, como quer Bolsonaro?
O TSE afirmou que sim, desde que as assinaturas sejam validadas por meio de certificação digital. Isso, na prática, não torna o processo muito mais simples do que o recolhimento manual.

A certificação foi criada em 2001 e se baseia no uso de chaves com criptografia para garantir a segurança do registro. Segundo dados da Associação Nacional de Certificação Digital (ANCD), há atualmente no Brasil 3,78 milhões de pessoas físicas que possuem certificado digital (2,58% do eleitorado).

Para obter a certificação, paga-se, em média, de R$ 50 a R$ 70 por ano. Os certificados valem por períodos de 1 a 5 anos, dependendo da modalidade. De acordo com a ANCD, há 17 autoridades certificadoras, entre entidades e empresas públicas e privadas.

Um novo partido tem acesso a recursos públicos?
Sim, mas apenas a uma parcela pequena do fundo eleitoral (que financia as eleições). Do total (foram R$ 1,8 bilhões em 2018), 2% são distribuídos igualmente entre as legendas. O restante é repartido de acordo com o desempenho nas eleições Legislativas. Sem participar do último pleito, uma nova legenda não entra na conta de 98% dos recursos.

Em relação ao fundo partidário (que financia o funcionamento dos partidos), a lei condiciona o acesso ao desempenho nas eleições para a Câmara dos Deputados. Assim, siglas que não disputaram não têm direito a esses recursos (exceção no caso de fusão ou incorporação de partidos). 

E quanto ao tempo de TV durante as eleições?
O tempo de TV também é limitado aos partidos que tiveram um desempenho mínimo nas últimas eleições. No caso de cargos majoritários (senadores, prefeitos, governadores e presidente), porém, as legendas podem formar coligações, e o que conta é a bancada que os seis maiores partidos do grupo elegeram para a Câmara.

Políticos podem se filiar a um novo partido sem perder o mandato?
Depende. Vereadores e deputados não podem deixar a sigla pela qual foram eleitos sem perder o cargo, salvo situações específicas (como no período da janela partidária ou por terem sofrido discriminação na legenda).

Prefeitos, senadores, governadores e presidente, por sua vez, podem mudar de legenda em qualquer situação sem sofrer perda do mandato.

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