Um dia após ato pró-golpe, Toffoli afirma que não há solução fora da democracia

Nesta segunda-feira, após críticas de diversos setores, Bolsonaro negou ser a favor de intervenção militar

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Brasília

Um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro participar de manifestação pró-intervenção militar, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Dias Toffoli, afirmou que não há solução para o país fora da democracia.

A declaração de Toffoli ocorreu em reunião em que recebeu o texto do "Pacto pela vida e pelo Brasil" de entidades como OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

“As seis entidades têm no DNA o conhecimento do quão nefasto é o autoritarismo, do quão nefastos são os fundamentalismo, do quão nefasto é o ataque às instituições e à democracia. Neste momento é bom sempre relembrar a importância que essas seis instituições tiveram na redemocratização do país”, disse.

O presidente do Supremo ressaltou que o conteúdo do texto vai ao encontro dos direitos e garantias assegurados pela Constituição.

“O STF tem sido a todo momento chamado exatamente para ser guarda desses objetivos e princípios. Não é possível admitir qualquer outra solução que não seja dentro da institucionalidade, do Estado Democrático de Direito, da democracia e desses objetivos que estão na Constituição”.

Neste domingo, em cima da caçamba de uma caminhonete, diante do quartel-general do Exército e se dirigindo a uma aglomeração de apoiadores pró-intervenção militar no Brasil, Bolsonaro afirmou que "acabou a época da patifaria" e gritou palavras de ordem como "agora é o povo no poder" e "não queremos negociar nada".

"Nós não queremos negociar nada. Nós queremos ação pelo Brasil", declarou o presidente, que participou pelo segundo dia seguido de manifestação em Brasília, provocando aglomerações em meio à pandemia do coronavírus. "Chega da velha política. Agora é Brasil acima de tudo e Deus acima de todos."

Já nesta segunda-feira, o presidente procurou mudar o tom. "Peguem o meu discurso. Não falei nada contra qualquer outro Poder. Muito pelo contrário. Queremos voltar ao trabalho, o povo quer isso. Estavam lá saudando o Exército brasileiro. É isso, mais nada. Fora isso é invencionice, tentativa de incendiar a nação que ainda está dentro da normalidade", disse Bolsonaro nesta manhã.

Bolsonaro se mostrou bastante incomodado com as críticas que recebeu por ter participado de ato de apoiadores pró-intervenção militar, com faixas com pedidos de golpe, gritos contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal e pressão pelo fim do isolamento social recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) contra a pandemia.

A fala de Bolsonaro e sua participação no ato de domingo em Brasília, no Dia do Exército, provocou outras fortes reações no mundo jurídico e político.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ser uma “crueldade imperdoável” pregar uma ruptura democrática em meio às mortes da pandemia da covid-19.

“O mundo inteiro está unido contra o coronavírus. No Brasil, temos de lutar contra o corona e o vírus do autoritarismo. É mais trabalhoso, mas venceremos”, escreveu Maia. “Em nome da Câmara dos Deputados, repudio todo e qualquer ato que defenda a ditadura, atentando contra a Constituição.”

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), disse ser "lamentável" que o presidente "apoie um ato antidemocrático, que afronta a democracia e exalta o AI-5". O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) também chamou de "lamentável" a participação de Bolsonaro. "É hora de união ao redor da Constituição contra toda ameaça à democracia."

O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), afirmou que "democracia não é o que presidente Bolsonaro pratica".

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, disse à coluna Mônica Bergamo, da Folha que “só pode desejar intervenção militar quem perdeu a fé no futuro e sonha com um passado que nunca houve". Gilmar Mendes, também do STF, disse que "invocar o AI-5 e a volta da ditadura é rasgar o compromisso com a Constituição e com a ordem democrática".

O presidente Nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, disse que "a sorte da democracia brasileira está lançada" e que está é a "hora dos democratas se unirem, superando dificuldades e divergências, em nome do bem maior chamado liberdade".

O presidente do STF sempre defende a harmonia entre os Poderes e, em mais de uma oportunidade, já atuou para apaziguar os ânimos entre Bolsonaro e a cúpula do Congresso Nacional.

Desta vez, porém, Toffoli também ficou irritado com a postura do chefe do Executivo e chegou a conversar com ministros do governo que são originários do Exército para reclamar do discurso do presidente.

Toffoli falou ao telefone no domingo (19) à noite com o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e com o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, que já foi seu assessor no STF.

A queixa do chefe do Supremo diz respeito à “ambiguidade” das declarações de Bolsonaro, que ora defende a Constituição e as instituições, ora apoia movimentos que vão no sentido oposto.

Nesta segunda-feira (20), Toffoli fez questão de exaltar as seis entidades que assinaram o “Pacto pela vida e pelo Brasil” e emitiu uma nota circular para todos os ministros para informar que recebeu o documento.

“É valoroso lembrar, neste momento, da importância que essas seis instituições da sociedade civil tiveram na redemocratização do país, no processo constituinte que sintetizou os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil”, escreveu.

Além da OAB e da CNBB, também participam do movimento a Comissão Arns (Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns), ABC (Academia Brasileira de Ciências), ABI (Associação Brasileira de Imprensa), e SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).

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