Operação contra fake news pode fortalecer ações do TSE que pedem cassação de Bolsonaro

Compartilhamento de provas entre as investigações conduzidas no Supremo e pelo tribunal eleitoral é possível, diz especialista

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

As provas colhidas pela Polícia Federal na operação de quarta-feira (27) podem trazer novos elementos às ações no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e fortalecer os processos que analisam os pedidos de cassação da chapa de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão por eventuais crimes eleitorais.

Na operação contra apoiadores do presidente, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes quebrou os sigilos fiscal e bancário do empresário Luciano Hang, dono das lojas Havan e suspeito de financiar a disseminação de notícias falsas durante as eleições de 2018.

Assim, evidências encontradas pela PF em endereços de aliados do governo podem ajudar a desvendar se o suposto esquema de propagação de fake news usado na campanha eleitoral foi mantido após a vitória de Bolsonaro e trazer novos elementos às ações do TSE.

Moraes é o relator do inquérito que apura a veiculação de notícias falsas e ameaças a ministros do STF. Ele determinou perícias nos dados financeiros de alvos da operação a partir de 2018.

Durante o segundo turno das eleições de 2018, a Folha revelou que correligionários de Bolsonaro dispararam, em massa, centenas de milhões de mensagens, prática vedada pelo TSE. O esquema foi financiado por empresários sem a devida prestação de contas à Justiça Eleitoral, o que pode configurar crime de caixa dois.

As informações se transformaram em duas ações em tramitação no TSE, apresentada por PT e PDT e ainda em tramitação. Elas apuram um esquema específico do período eleitoral de disseminação de fake news.

A decisão de Moraes pode trazer novos elementos a essas ações, que não tinham quebrado o sigilo de empresários investigados na corte eleitoral. Nas representações, os partidos de oposição apontam como principal financiador da prática Luciano Hang, um dos alvos da operação autorizada por Moraes.

Para a doutora em direito e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, Vânia Aieta, o compartilhamento de provas entre as investigações conduzidas por Moraes e pelo TSE é permitido desde que seja respeitado o direito de defesa dos envolvidos.

De acordo com ela, já há jurisprudência consolidada nas duas cortes que permite a troca de informações.

“É possível transmutar provas de um processo para outro, é o que chamamos de prova emprestada. A partir do momento que foi decretada a quebra dos sigilos e uma série de informações vierem à tona, elas certamente podem ser juntadas na ação do TSE, desde que respeitado o devido processo legal”, afirma.

Caso os dados levantados pela PF estejam sob sigilo, eles também podem ser enviados à corte eleitoral. Neste caso, porém, a manutenção do sigilo seria uma exceção, segundo Aieta.

“Se estivéssemos falando de uma Ação de Impugnação de Mandato Eletivo seria mais fácil manter o segredo das apurações dos investigadores. Por se tratar de ações de investigação da Justiça Eleitoral apresentadas por partidos de oposição, porém, a regra é a publicidade e a exceção é pontual e apenas até a verificação de que há prova cabal de envolvimento daquela pessoa no caso.”

A maneira a qual o ministro do STF conduz o inquérito é alvo de questionamentos tanto dos investigados quanto por parte da Procuradoria Geral da República e por parte do Planalto.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu a suspensão do inquérito das fake news por não “contar com supervisão ou anuência prévia do órgão de persecução penal [a própria PGR]”.

A Folha ouviu, reservadamente, advogados de alvos da operação. Eles reclamaram da condução de Moraes à frente do caso e afirmaram que não conseguem acesso aos autos.

De acordo com um advogado contratado por um dos empresários investigados, a informação “extraoficial” é que Moraes já reuniu mais de 6.000 páginas no inquérito como elementos contra os alvos da PF.

O inquérito foi instaurado em 2019 de forma atípica, sem prévia requisição da PGR, com base num artigo do regimento da corte.

O dispositivo prevê que, ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal, o presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro ministro.

Diferentemente do que ocorre normalmente, as medidas investigativas não têm sido propostas pelo MPF (Ministério Público Federal) ou a Polícia Federal, mas pelo próprio Supremo, que as defere.

O procurador-geral foi consultado pelo Supremo a respeito dos mandados de busca e apreensão e das quebras de sigilo contra os investigados, discordando das medidas. Mesmo assim, Moraes as autorizou, o que, para Aras, não poderia ter ocorrido.

Diante disso, ele se disse surpreendido com a operação e pediu a Fachin que suste o inquérito até análise do plenário sobre seus limites.

Um dos alvos da operação deflagrada na quarta (27), o empresário Luciano Hang chegou a ser apontado como responsável por financiar o impulsionamento de mensagens contra adversários de Bolsonaro no segundo turno daquela campanha.

Em depoimento à Polícia Federal, ainda em 2019, o dono da Havan afirmou não saber o que era impulsionamento. A defesa do empresário negou a prática. Ao TSE, os advogados de Hang também negaram participação em qualquer esquema de disparo de fake news.

Além de Hang, Moraes também determinou a quebra do sigilo bancário de outros três alvos: Edgard Corona (dono das academias BioRitmo e SmartFit), o humorista Reynaldo Bianchi Junior e o militante Winston Rodrigues Lima.

O ministro afirmou que a estrutura "aparentemente estaria sendo financiada por empresários” e que há indícios de que esse grupo "atuaria de maneira velada fornecendo recursos (das mais variadas formas), para os integrantes dessa organização".

A Polícia Federal cumpriu, no total, 29 mandados de busca e apreensão no chamado inquérito das fake news.

A Folha mostrou no dia 25 de abril que as investigações identificaram indícios de envolvimento do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, no esquema de notícias falsas.

O inquérito busca elementos que comprove sua ligação e sustente seu possível indiciamento dele ao fim das apurações. Outro filho de Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo PSL de SP, também é suspeito. Ambos negam e acusam Moraes de perseguição.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.