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Thiago Amparo

Torcer para que Bolsonaro morra é nos igualar a ele

Em vez disso, presidente deveria responder legal e politicamente pela morte de 65 mil pessoas

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Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos e coordenador do núcleo de justiça racial e direito na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

Tecer um argumento é como lapidar um diamante. Exige cuidado e critério. Requer, acima de tudo, separar, de um lado, o que é um argumento de razão pública aplicável à toda a coletividade, e o que é uma reação que vem das vísceras de quem a profere, de outro.

Ao torcer para que Bolsonaro morra de Covid-19, Hélio Schwartsman joga diamantes falsos aos porcos. E os porcos, neste caso, somos nós. Transveste violência de argumento. Ao apelar para as nossas entranhas raivosas, Schwartsman inflige a todos nós a mesma doença que queremos combater na figura de Bolsonaro: o culto à morte.

Que fique claro: todos os que não pactuam com a necropolítica instaurada pelo próprio Bolsonaro, dele sentem raiva. Deveriam, ao menos. É o que nos faz humanos.

Para o psicólogo Paul Ekman, raiva é uma das emoções basilares da condição humana. Para a feminista Audre Lorde, raiva é o que se deve sentir diante de um sistema opressivo. Acontece que apelar à raiva justiceira num país endemicamente violento é reeditar o mundo que queremos destruir.

No argumento consequencialista que Schwartsman apresenta, a consequência é reeditar o ideal bolsonarista onde a vida humana não tenha qualquer valor. Torcer para que Bolsonaro morra é nos igualar a ele. Se vísceras produzissem bons argumentos, o sistema pré-iluminista de linchamento público teria sido um ótimo lugar para se viver. Não foi. E a violência reeditada todos os dias em nossas ruas revive este lugar onde humanidade não tem espaço.

Que a raiva contra Bolsonaro mostre o diamante que nela se esconde: sede por justiça. E isto não será feito dilacerando-o na praça pública que é este jornal. Derramamos muitos séculos de sangue contra o fascismo para que hoje reencarnemos sua lógica.

Lembro aqui de Judith Butler em “The Force of Non-Violence”: que tipo de mundo estamos construindo quando apelamos para a violência? Tampouco estamos falando aqui da violência, defendida por Fanon, como libertação diante da opressão colonial. Schwartsman, em seu argumento, instrumentaliza a morte para que nossas vísceras sintam o gosto da própria morte.

Que nossa raiva contra Bolsonaro se reverta não em culto à morte, mas em justiça: que ele responda legal e politicamente pela morte de 65 mil pessoas que hoje poderiam, deveriam estar vivas.​

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