Descrição de chapéu Eleições 2020

Campanha de Covas evitou nacionalização, fez do prefeito seu foco e tropeçou em vice

Sem grandes marcas de gestão, bandeira de tucano foi sua própria persona

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São Paulo

A reeleição de Bruno Covas (PSDB) neste domingo (29) confirmou a percepção de aliados e adversários de que sua campanha acertou ao não nacionalizar o debate eleitoral. Sua corrida, porém, ficará marcada pelo revés em um ponto em que não poderia haver erro: a escolha do vice.

Covas passou toda a campanha defendendo Ricardo Nunes (MDB), depois que a Folha revelou que seu grupo político se beneficiava da administração de creches conveniadas e que sua mulher registrou boletim de ocorrência por ameaça e agressão verbal.

“O candidato a prefeito sou eu, eu falo pelo plano de governo. As pessoas não querem comparar vices e nem apoios. As pessoas estão querendo saber quem são os dois candidatos a prefeito. Eu que vou governar”, disse Covas no sábado (28), véspera da votação.

A declaração sintetiza outra estratégia da campanha, a de focar o candidato —sua história, experiência e características pessoais. Sem Bilhete Único, Cidade Limpa, ciclovias ou qualquer grande feito para chamar de seu, o próprio Covas foi vendido pelo marqueteiro Felipe Soutello como a marca da sua gestão.

Foi apresentado como um prefeito sério, moderado, dedicado e presente, que enfrentou o desabamento de um prédio, uma greve de caminhoneiros, a pandemia do coronavírus e um câncer no trato digestivo, ainda em tratamento, mas controlado.

Essa era a mensagem das propagandas de campanha, que recorriam ainda ao avô Mario Covas (PSDB) e ao filho, Tomás, que o prefeito descreve como suas inspirações.

No início do calendário eleitoral, Covas já era tido como favorito, mas os tucanos buscavam abafar um clima de “já ganhou”. Apenas a escolha do vice era vista como uma decisão com potencial para minar a liderança do prefeito.

Depois de muita ponderação, com nomes como José Luiz Datena (MDB), Marta Suplicy (à época no Solidariedade, hoje sem partido) e Celso Russomanno (Republicanos) descartados, a escolha pelo vereador Nunes, em 11 de setembro, acabou como ponto fraco da candidatura e flanco dos ataques adversários.

Segundo tucanos, o vice polêmico, que foi escondido na campanha e não atendeu a pedidos de entrevistas e sabatinas, provocou suor, mas, para alívio dos aliados do prefeito, não barrou a reeleição.

Outra vidraça de Covas explorada pelos demais foi o laço com o governador João Doria (PSDB), de quem foi vice-prefeito em 2016 e 2017. Rejeitado pelos paulistanos, Doria foi escondido pela campanha.

A contribuição negativa de Doria, aliás, foi dupla, já que o governador exerceu pressão pela escolha de Nunes para contemplar uma coligação de 11 partidos vista como ponto de partida para uma frente de apoio a seu nome na eleição presidencial de 2022.

Aliados de Covas preferiam uma chapa pura tucana, e o próprio prefeito afirmou, no segundo turno, que gostaria de ter tido uma vice mulher.

A ex-prefeita Marta, que integrou sua campanha como apoiadora, era uma opção, mas a cúpula do Solidariedade, partido ao qual ela estava filiada, só topava uma candidatura própria ou apoio a Márcio França (PSB) —o cenário de vice de Covas não agradava.

Russomanno também foi cotado, mas seu partido exigia a vaga de vice para apoiar os tucanos, o que acabaria por gerar atrito entre as demais siglas da coligação. As legendas já estavam acertadas em torno de um nome do MDB, que seria o do apresentador Datena, mas ele desistiu.

O MDB propôs então o nome de Nunes. Como os tucanos precisavam agradar à coligação para garantir o maior tempo de TV e mais verbas do fundo eleitoral, a escolha pelo vereador foi vista como a saída mais cautelosa e garantida.

Com mais de 40% do tempo de TV no primeiro turno e R$ 15 milhões de verba dos partidos (sendo R$ 11 milhões do PSDB), Covas pôde investir na propaganda e em redes sociais, exibindo ao eleitor as medidas de sua gestão e ações contra o coronavírus.

Sua aprovação (índice de ótimo/bom) passou de 25% em setembro, início da corrida eleitoral, para 35% na semana anterior ao segundo turno.

Na eleição da pandemia, o investimento na campanha online se mostrou crucial. Covas participou de lives e encontros virtuais, mas não abandonou a agenda de rua, com caminhadas na periferia, cafés em padarias, fotos com eleitores e aglomeração.

O aumento de internações em São Paulo na reta final pressionou o tucano, que passou a ser acusado pelo adversário, Guilherme Boulos (PSOL), de ser negligente com uma segunda onda da doença.

O candidato compartilhava ainda a suspeita de que os tucanos só admitiriam o perigo e voltariam a decretar uma quarentena mais rígida após a eleição. A revisão de medidas de isolamento foi marcada por Doria para esta segunda, dia 30, um dia depois do pleito.

“Há estabilidade da pandemia na cidade de São Paulo. Aqui não há espaço para o discurso alarmista dizendo que estamos escondendo dados, como não há espaço para discurso de que a pandemia já acabou”, afirmou Covas no sábado..

Do ponto de vista partidário, a reeleição de Covas em São Paulo foi o principal embate vencido pelo PSDB. O prefeito mudou de patamar na sigla e tem seu capital político agora comparado ao de Doria.

Na avaliação dos tucanos, a campanha reposicionou o partido, que quer ocupar um campo que chama de centro democrático. Representou ainda o reencontro do PSDB com seu eleitor, perdido para Bolsonaro em 2018, e deu forças ao plano de Doria em 2022.

Covas foi, na campanha, associado ao presidente por ter recebido o apoio, no segundo turno, de Russomanno, candidato bolsonarista derrotado.

A campanha tucana, no entanto, usou a tática de não responder a ataques, o que deixou o primeiro turno morno, com brigas apenas entre aqueles que disputavam a vaga contra Covas na segunda etapa.

O clima esquentou apenas da reta final, quando Boulos diminuiu a distância para Covas nas pesquisas. O tucano passou a associar com mais afinco o candidato do PSOL ao radicalismo e à esquerda, citando até Cuba e Venezuela.

Seus secretários enviaram áudios negativos sobre Boulos, inclusive a servidores, e a campanha do PSOL fez acusações sobre uso da máquina e distribuição de cestas básicas. Entre tucanos e pela internet, passaram a circular reportagens contra o líder do MTST e memes de que seu governo abrigaria nomes de petistas, como Lula e Dilma Rousseff.

Covas minimizou a subida de tom nos últimos dias: “Da minha parte não tivemos nenhum ponto em que tivemos que partir para o ataque pessoal. Claro que, na internet, é sempre mais difícil controlar as pessoas de ambos os lados”.

Apesar de representarem esquerda e direita, Boulos e Covas não eram tão diferentes, como mostrou a Folha. Ambos rechaçavam o bolsonarismo e o discurso do ódio, se definiam como progressistas e buscaram, na campanha, resgatar o diálogo, a civilidade e o respeito pela democracia.

Ao contrário do que se viu no Rio, em Porto Alegre ou no Recife, Covas e Boulos centraram suas críticas um ao outro com base nas propostas de governo e nas experiências de vida.

A campanha foi pra cima, propositiva, focando na cidade de São Paulo, como a gente tinha planejado desde o início. Não nos deixamos abalar ou abater ou se entusiasmar ou nos orientar por qualquer tipo de pesquisa”, disse Covas.

“O candidato Guilherme Boulos é meu adversário, não é meu inimigo. Não quero mal a ele, não quero nenhum problema pessoal" continuou. "As pessoas têm que perceber que, na democracia, a gente tem que respeitar quem pensa diferente."

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