Descrição de chapéu Eleições 2020

Nanicos lideraram gasto no Facebook e não chegaram ao segundo turno

Em São Paulo, liderou o ranking o candidato Arthur do Val (Patriotas), com gasto de R$ 254 mil em três meses

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São Paulo

Dos 30 candidatos a prefeito que mais investiram em impulsionamento no Facebook e no Instagram nos últimos três meses, 19 deles não avançaram ao segundo turno das eleições municipais.

Representantes das capitais Porto Alegre, Rio de Janeiro, Aracaju, Florianópolis, Manaus, Belo Horizonte e Curitiba que aparecem na lista dos que mais gastaram verba nas redes sociais foram derrotados nas urnas no primeiro turno.

A maioria vem de partidos nanicos, com pouco tempo de propaganda na TV e em posições ruins nas pesquisas eleitorais do início da campanha.

Rodrigo Maroni (Pros), que disputou o Executivo em Porto Alegre, foi o quinto candidato que mais investiu em impulsionamento de conteúdo no Brasil, mas terminou a eleição com resultado pífio. Acabou em nono lugar, com 0,51% dos votos.

O candidato Rodrigo Maroni (Pros) em debate no primeiro turno  à prefeitura de Porto Alegre; encontro aconteceu no formato drive-in
O candidato Rodrigo Maroni (Pros) em debate no primeiro turno à prefeitura de Porto Alegre; encontro aconteceu no formato drive-in - Reprodução/GZH no YouTube

Nos últimos três meses, Maroni investiu R$ 342 mil em 251 postagens pagas no Facebook. Em um dos posts mais caros, sobre defesa da causa animal, ele aparece segurando um cachorro.

A postagem custou de R$ 40 mil a R$ 45 mil e foi visualizada mais de um milhão de vezes, principalmente por pessoas de 18 a 34 anos.

No Rio, a Delegada Martha Rocha (PDT) foi a única que concorreu à prefeitura da cidade e que aparece na lista dos 30 maiores investidores do Facebook. Ela obteve apenas 11,3% dos votos, e o segundo turno será disputado Eduardo Paes (DEM) e Marcelo Crivella (Republicanos).

Marta investiu R$ 283 mil no período e aparece em sexto lugar na lista dos maiores gastadores.

Os candidatos Rodrigo Valadares (PTB), de Aracaju, Angela Amin (PP), de Florianópolis, Alfredo Nascimento (PL), de Manaus, Áurea Carolina (PSOL), de Belo Horizonte, e Carol Arns (Podemos), de Curitiba, são os outros representantes de capitais que foram derrotados ainda no primeiro turno.

Em São Paulo, lidera o ranking o candidato Arthur do Val (Patriotas) com gasto de R$ 254 mil no período. Na lista dos 30 candidatos que mais impulsionaram, ele é o que tem a maior quantidade de anúncios, o que indica estratégias variadas de segmentação de conteúdo.

Procurado pela reportagem, Arthur preferiu não se manifestar sobre o assunto considerado estratégico para a campanha. Ele terminou o primeiro turno em quinto lugar.

Uma exceção na relação de gastos e garantia de uma posição no segundo turno foi Fortaleza, a capital em que os candidatos mais desembolsaram com impulsionamento no Facebook. O candidato José Sarto (PDT) aparece no topo do ranking. Ele investiu mais de R$ 849 mil em três meses.

Além de Sarto, Capitão Wagner (Pros), Célio Studart (PV) e Luizianne Lins (PT) aparecem na segunda, terceira e quarta posições, com R$ 482 mil e R$ 449 mil e R$ 381 mil, respectivamente.

Sarto não comentou a estratégia. Os candidatos Capitão Wagner e Célio Studart relacionaram os gastos nas redes às limitações da campanha corpo a corpo impostas pela pandemia do coronavírus.

Sarto e Wagner vão disputar o segundo turno. Luizianne ficou em terceiro, com 17,76% dos votos válidos. Studart, em 5º, com 3,54%.

Fortaleza e São Paulo são as duas capitais que têm mais de dois candidatos na lista dos 30 maiores investidores. Nas demais, políticos que não aparecem no ranking avançaram ao segundo turno.

Além de Sarto e Wagner, em Fortaleza, foram ao segundo turno Felipe Saliba (DEM), em Contagem (MG), Guilherme Boulos (Psol) e Bruno Covas (PSDB), em São Paulo, Rodrigo Manga (Republicanos), em Sorocaba (SP), Elói Pieta (PT), em Guarulhos (SP), João Campos (PSB), em Recife (PE), Caio Vianna (PDT), em Campos dos Goytacazes (RJ), Marília Arraes (PT), em Recife, e Murilo Féliz (Podemos), em Limeira (SP).

O Facebook faturou no período de campanha eleitoral oficial no Brasil R$ 16,4 milhões com impulsionamentos de conteúdo feitos por 9300 candidatos, segundo registros no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na terça (17).

Mas parte das candidaturas declara os gastos como repasses às empresas dLocal (R$ 22,3 milhões) e Adyen (R$ 14 millhões), processadoras de pagamentos da rede social norte-americana.

As duas empresas também processam pagamentos para outras companhias com serviços usados pelas campanhas. A dLocal, por exemplo, atende a Uber. Já a Adyen tem a 99 Taxi e a Cabify na sua cartela de clientes.

Nestas eleições, o Facebook lançou uma página em que é possível identificar o valor gasto e a audiência dos anúncios dos candidatos.

A ferramenta permite recorte de um dia, uma semana, um mês ou três meses. A reportagem optou pela última opção, que inclui os períodos de campanha, iniciada em 29 de setembro, e de pré-campanha.

O impulsionamento de conteúdo fora do período eleitoral é permitido no Brasil desde que se cumpra uma série de condições. Não é permitido, por exemplo, que o político peça votos ou divulgue seu número.

Eleição municipal foi pautada por várias campanhas a um único candidato

Pela primeira vez nas eleições municipais, o impulsionamento de conteúdo político na internet permitiu múltiplas campanhas para um único candidato.

Com segmentação de público no Facebook e Instagram, partidos criaram anúncios específicos para grupos identificados por raça, gênero, faixa etária, localização geográfica, interesses e comportamento.

Joice Hasselmann, candidata derrotada do PSL à Prefeitura de São Paulo, com 1,8% dos votos, é um bom exemplo. Apesar de duas das suas principais promessas terem sido adiamento da cobrança do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e o fim do que chama de "máfia dos transportes", ela direcionou anúncios na rede social com propostas de facilitação de crédito para empreender. Só que o público nesse caso foi bem específico: mulheres desempregadas da periferia.

O objetivo da ação foi gastar dinheiro para alcançar desempregadas que precisam permanecer em casa para cuidar dos filhos, impossibilitados de ir à escola com a pandemia.

Os filtros usados na rede social para o direcionamento dessas propagandas foram gênero (mulheres), geolocalização (periferia de São Paulo) e desemprego, nesse caso identificado por quem usou a internet para procurar trabalho, explica Daniel Braga, coordenador da campanha da deputada.

Já a Rede Sustentabilidade, que não teve tempo de televisão na propaganda eleitoral, injetou recursos no Facebook para atingir o eleitor que tenha afinidade com as propostas do partido.

“Dependendo da postagem e do candidato, focamos no público ligado a questões de meio ambiente, sustentabilidade, nos mais jovens, mulheres, feministas, negros, ou seja, o eleitor mais ligado à pauta progressista. Também temos conseguido alcançar o público evangélico menos conservador”, afirma Lucas Brandão, membro da executiva nacional da Rede.

Diferentes questões, incluindo raciais e religiosas, podem ser atreladas a um perfil pela forma como a pessoa interage nas redes, pelas páginas curtidas ou pelo tempo em que permanece em contato com um conteúdo que trate do tema, diz o político.

Uma pessoa que curte páginas e passa mais tempo vendo fotos de cachorros, por exemplo, fica mais mais propensa a receber anúncios de políticos que atuam na área de proteção animal.

Para atingir grupos que tenham interesse em assuntos relacionados à saúde, envolvendo a pandemia de Covid-19 e medidas de prevenção, a Rede optou como estratégia excluir simpatizantes do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

“Infelizmente, esse tem sido um viés de percepção sobre a Covid. Um filtro para a pandemia é quem é bolsonarista e quem não é”, diz Brandão.

Portanto, os anúncios para garantir acesso à vacina ou com informações sobre o direito de estados e municípios decretarem isolamento social têm maior alcance entre aqueles que não são simpatizantes do presidente.

O impulsionamento no Google, Facebook e Instagram era permitido nas eleições de 2018, quando partidos gastaram R$ 79,2 milhões com o recurso. Na estreia do pleito municipal, R$ 58,4 milhões já foram investidos na ferramenta, de acordo com dados declarados ao TSE.

Recurso ainda barato comparado com custo de materiais físicos de impressão e distribuição, o montante destinado a anúncios pagos nas redes representa menos de 1% do total de gastos nas eleições municipais e aparece só na 13ª colocação no ranking de despesas declaradas pelos candidatos.

Dono da empresa de marketing M Agência Digital, Antonio Júnior afirma que a pandemia alçou a campanha na internet a um outro patamar como recurso publicitário e de propaganda sem a necessidade de gastos significativos.

“No Facebook, com apenas R$ 300, um político consegue impactar uma cidade que tem de 80 mil a 100 mil habitantes”, afirma.

O preço de um anúncio publicitário no Facebook e no Instagram não é tabelado e considera uma série de variáveis. Nessa campanha, um anúncio de R$ 800 de Celso Russomanno (Republicanos), por exemplo, alcançou até 175 mil pessoas, enquanto um de Guilherme Boulos (PSOL), com o mesmo valor, atingiu só 70 mil.

"Entram nesse cálculo o objetivo e a otimização escolhidos pelas campanhas. O objetivo de alcançar mais pessoas gera custo mais barato de impressão do que o objetivo de gerar engajamento de usuários, por exemplo", diz Julia Fernandes, gerente de marketing e mídia da Raccoon, agência de marketing digital.

Segundo ela, um conteúdo fica mais caro conforme aumenta sua segmentação: quanto mais filtros um candidato colocar para ser lido por um público ultraespecífico, mais o Facebook tende a cobrar por impressão digital.

Nos últimos três meses, Boulos desembolsou cerca de R$ 231 mil no Facebook, com 219 posts, enquanto Russomanno gastou R$ 180 mil em 105 posts. O candidato do PSOL avançou ao segundo turno, e o deputado, que derreteu na corrida eleitoral, terminou o primeiro turno em quarto lugar.

"A maior parte das pessoas faz anúncio no Facebook pelo chamado leilão, que é baseado no lance que o anunciante dá. Ele pode definir 'quero pagar tanto por mil impressões' ou pode deixar no automático, para a ferramenta definir. Se o orçamento for grande, o Facebook entende que precisa entregar muito mais e pode ser que force o lance", acrescenta Fernandes.

A campanha tucana na cidade de São Paulo gastou de R$ 20 a R$ 25 mil em apenas um dos anúncios impulsionados no Facebook.

A publicação sobre manutenção do fechamento das escolas durante a pandemia foi um dos mais caros de Bruno Covas (PSDB) e visto mais de um milhão de vezes. Mulheres acima de 35 anos no estado de São Paulo, em tese mães com filhos em idade escolar, foram as que mais visualizaram o conteúdo.

Já um outro anúncio sobre construção de CEUs (Centro Educacional Unificado) na gestão Covas atingiu público diferente: principalmente homens de 18 a 34 anos.

O publicitário Daniel Braga, da campanha de Joice, aponta que os filtros permitem o que ele chama de "micríssima" segmentação.

“Você pode direcionar conteúdo para o jovem de periferia que anda de skate e ouve rap”, diz. “E você pode direcionar uma mensagem para outro público jovem, o que gosta de rodeios. A mensagem do anúncio até pode ser a mesma, mas a forma como ela se apresenta será totalmente diferente”, diz.

Guilherme Russo, pesquisador do Centro de Política e Economia do Setor Público da FGV (Fundação Getulio Vargas), afirma que a segmentação de conteúdos favoreceu candidatos mais ricos e conhecidos da população. Quanto mais específico for o público-alvo de um anúncio, mais caro ele é.

“Em 2018 houve uma onda bolsonarista impressionante, mas hoje se destacam candidatos que já são mais conhecidos, como o atual prefeito de São Paulo, Bruno Covas, o ex-prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes, o atual prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, entre outros”, diz.

Ele afirma também que esse conteúdo pode favorecer a criação de bolhas na sociedade quando a eleição é mais polarizada e os discursos dos candidatos são mais agressivos.

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