Descrição de chapéu Legislativo Paulista

Comissão com somente 1 mulher vai decidir sobre caso de deputada apalpada na Assembleia de SP

Deputada do PSOL denunciou assédio; deputado do Cidadania pediu desculpas

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São Paulo

Presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Assembleia Legislativa de São Paulo, a deputada Maria Lúcia Amary (PSDB) estima para até março uma decisão de medidas em torno do assédio denunciado pela deputada estadual Isa Penna (PSOL) contra o deputado estadual Fernando Cury (Cidadania).

Um vídeo mostra o parlamentar se aproximando da colega por trás, no plenário da Casa, e apalpando-a diante da mesa da presidência, enquanto ela conversava com o presidente Cauê Macris (PSDB), sem perceber a aproximação de Cury.

Única mulher no Conselho de Ética, a deputada Amary afirma que trabalhará para que haja isenção no processo e para que a discussão não seja polarizada para “o lado ideológico, e, sim, pela situação em si, pelo caso em si”.

Também integram o colegiado os deputados Adalberto Freitas (PSL), Emidio de Souza (PT), Barros Munhoz (PSB), Wellington Moura (Republicanos), Delegado Olim (PP), Carlos Giannazi (PSOL) e Alex Madureira (PSD).

Freitas disse que não estava no plenário no momento do assédio, mas que vai falar com os deputados para fazer uma análise detalhada do caso, ouvindo Isa e também Cury.

"Obviamente, a gente tem que ter aquele cuidado de não julgar ninguém antes de avaliar bem os fatos, mas, se realmente houve algum exagero por parte do deputado, com certeza o conselho de ética tende a tomar providências", disse o deputado do PSL.

Cury discursando
O deputado da Assembleia Legislativa de São Paulo, Fernando Cury (Cidadania) - Carol Jacob/ Alesp

Nesta sexta, Macris determinou que sejam preservadas todas as imagens do circuito interno da Assembleia gravadas na quarta-feira (16), dia em que ocorreu o episódio denunciado por Isa. Segundo a assessoria da presidência da Casa, o tucano atendeu a um pedido de Amary.

O caso ocorreu durante a sessão em que os deputados votavam o orçamento do estado para 2021. Além de ter protocolado a representação na comissão de ética da Casa, Isa registrou um boletim de ocorrência contra o deputado.

No vídeo, divulgado por assessores e deputados do PSOL, é possível ver que Isa tirou a mão de Cury e se desvencilhou dele.

"Eu fui apalpada na lateral do meu corpo", relatou a deputada do PSOL, que defende bandeiras feministas e milita por causas ligadas aos direitos humanos e à igualdade de gênero. "O que dá o direito a alguém de encostar em uma parte do meu corpo, íntima? O meu peito é íntimo. É o meu corpo."

Cury pediu a palavra após a exibição da gravação, negou ter cometido assédio e pediu desculpas por ter, segundo ele, abraçado a parlamentar.

Dianta da mesa da Assembleia, deputado abraça deputada por trás com uma das mãos na região dos seios dela
Vídeo mostra deputado Fernando Cury passando a mão no seio da deputada Isa Penna durante sessão da Assembleia de São Paulo - Reprodução - 17.Dez.2020

A deputada relatou que o deputado chegou perto dela e de Macris, que conversavam, após um outro parlamentar tentar demovê-lo da aproximação. "O deputado Cury, no entanto, ignora o gesto e se posiciona atrás de mim e apalpa meus seios, no que é imediatamente repelido por mim! E assim ocorre o assédio!"

Ao denunciar o caso, Isa disse que a violência política institucional contra as mulheres é frequente e apelou aos pares para que lutem contra o que chamou de cultura do assédio e do estupro.

"Imaginem vocês homens, quantas vezes por dia vocês têm medo de passar por uma situação dessas? De serem estuprados? Nós, que somos mulheres, desde pequena a gente é ensinada que isso pode acontecer com a gente, e a gente cresce com esse medo", discursou.

O prazo para uma decisão do conselho de ética leva em conta a interrupção dos trabalhos na Assembleia, com o recesso legislativo. Os deputados voltam aos trabalhos em 1º de fevereiro, quando a deputada Amary diz que convocará uma reunião para analisar a admissibilidade da denúncia feita pela deputada.

Caso o caso seja admitido pela comissão, formada por oito integrantes, a presidente do colegiado definirá o relator do caso, que terá 15 dias para fazer as oitivas com a defesa de Cury e formular um parecer.

Depois disso, o relatório será votado, podendo ser aplicada a penalidade requerida, de perda de mandato, ou outra mais leve. Caso a punição seja aprovada por maioria simples, ela segue para o plenário da Assembleia, onde precisará de maioria absoluta, o que significa 48 votos. Do total de 94 deputados estaduais, apenas 18 são mulheres.

A sugestão pela cassação do mandato é a penalidade mais grave que pode ser aplicada pelo Conselho de Ética e também mais rara. Nos últimos anos, Amary diz que não houve parlamentares que perderam o mandato, apesar de terem sido apresentados pedidos para que a punição fosse aplicada.

“Acredito que, em meados de março, provavelmente, já teremos condições de ter uma decisão em relação a esse caso, se correr dentro da normalidade e cumprimento dos prazos e não tiver intercorrências. Por exemplo, tem o período de Carnaval, feriados e pode atrasar alguma coisa”, diz.

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A deputada estadual Isa Penna (PSOL) no plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo - Carol Jacob - 26.nov.2019/Alesp

Atualmente, segundo a presidente da comissão, há 20 processos em julgamento pelo conselho, todos com relatoria encaminhada. Amary diz que quando assumiu o colegiado, em 2019, fez uma resolução para encaminhar os casos, tirando o conselho da inércia. Desde 1999 não havia punições, diz.

“Esse caso vai ter muito cuidado para que possamos fazer a Justiça. Não deixar que um fato com tal repercussão possa criar um precedente perigoso para ações desse tipo não serem julgadas como ações normais”, afirma Amary.

“É importante que uma Assembleia como a nossa, que é a maior da América Latina, tenha uma resposta rápida para a sociedade de São Paulo e do Brasil diante dessa situação”, completa, destacando que o caso teve repercussão nacional e internacional, especialmente pela representação maior das lutas das mulheres.

Em seu quinto mandato como deputada estadual, a tucana afirma que “nunca houve caso parecido" desde que entrou na Assembleia Legislativa de São Paulo. Questionada sobre a reação de colegas diante do caso, ela adisse que “é claro que vão ter sempre os machistas de plantão”.

“Sabemos que nem todas as ações desse tipo são vistas pelos homens como uma coisa anormal, então vamos ter que enfrentar algumas discussões com relação às posturas. Isso são comportamentos diferenciados. Sabemos que todo esse preconceito e discriminação em relação à mulher vem também da postura dos homens."

A cientista política e professora da UnB (Universidade de Brasília) Flávia Biroli afirma que a justificativa dada pelo parlamentar para o episódio mostra a perspectiva masculina e os desafios que as mulheres enfrentam nesses espaços de forma sistemática.

"Assédio é aquilo que constrange, que violenta, que limita a participação livre das mulheres no espaço de trabalho e de poder. Quem define esse limite que caracteriza essa violência é quem sofre o assédio", afirma.

"Não adianta o deputado dizer que abraça todo mundo. Primeiro, ele abraçar um homem e uma mulher dessa forma tem significados diferentes. Segundo, a maneira como ele toca essa mulher é absolutamente inaceitável", completa Biroli, que defende uma revisão dos limites dessas aproximações a partir de uma perspectiva das mulheres.

A professora também aponta como positivo o debate sobre o assédio, que ganhou fôlego com o movimento Me Too. "Estamos passando da vergonha para uma discussão pública que pode permitir uma mudança nas condutas", disse.

Nesta sexta, o Cidadania, partido de Cury, decidiu afastar Cury. O Conselho de Ética da sigla também analisará uma representação contra o parlamentar e poderá instaurar um procedimento disciplinar contra ele.

"A legenda não tolera qualquer forma de assédio e atuará fortemente para que medidas definitivas sejam adotadas. Temos uma história de luta em defesa dos direitos da mulher que nenhuma pessoa pode macular", disseram em nota Roberto Freire e Arnaldo Jardim, presidentes nacional e estadual do partido, respectivamente.

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