Herdeiro de empresas de ônibus, Pacheco atuou na defesa de negócios da família no Congresso

Candidato a presidente do Senado, parlamentar buscou barrar mudança na vida útil de frota; ele nega irregularidades

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Brasília

Em pelo menos duas iniciativas legislativas, uma na Câmara dos Deputados e outra no Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) atuou para defender interesses de empresas do transporte rodoviário interestadual de passageiros.

Candidato à Presidência do Senado com apoio de Jair Bolsonaro (sem partido) e do atual comandante da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), Pacheco é ligado a duas companhias do ramo, a Viação Real e a Santa Rita, administradas pelo pai.

Em duas das declarações de bens que apresentou à Justiça Eleitoral, relativas aos anos de 2014 e 2016, ele apareceu como credor de uma dessas empresas.

Em nota enviada à Folha, Pacheco defendeu a lisura de sua atuação no Congresso. "Não administro e não sou sócio direto dessas empresas familiares. Não misturo atividade parlamentar com assuntos pessoais e profissionais", afirmou.

O senador é o padrinho político de um recém-indicado do governo federal para diretor da ANTT, a agência reguladora responsável pelo setor.

Advogado bem-sucedido e que tirou do próprio bolso R$ 8,3 milhões para bancar suas campanhas eleitorais, quase dois terços do arrecadado, Pacheco está no Congresso há seis anos. Foi deputado até 2018, quando se elegeu senador.

Discussões recentes no Senado sobre o setor de transporte de passageiros mostraram como o senador mineiro se articula em torno da pauta de interesse familiar — o que não é de hoje. Na Câmara, houve movimentos no mesmo sentido.

Pacheco se empenhou quando foi deputado contra um projeto de lei que trata da idade da frota dos ônibus que fazem o transporte interestadual. Se aprovado, o PL obrigará as empresas a investir para se adequarem à nova legislação.

Isso porque a proposta prevê que a prestação do serviço deva ser feita em veículos com vida útil de até dez anos.

Autor do projeto, Hugo Leal (PSD-RJ) argumentou que no Brasil há prevalência do veículo rodoviário, respondendo por cerca de 96% dos deslocamentos de passageiros.

"Muitas empresas não renovam sua frota, confiadas na exploração comercial de linhas ad infinitum", afirmou Leal. "Usufruindo das benesses próprias aos monopólios, ditam as regras, não se preocupando com o bem-estar dos seus usuários."

Além de apresentar um parecer contrário ao projeto de lei, argumentando a incompetência do Congresso para legislar sobre o tema, Pacheco participou de articulações para que a matéria fosse retirada de pauta na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).

No mérito, ele entendia como adequado o prazo de 15 anos definido em resolução da ANTT para o tempo útil da frota dos ônibus interestaduais de passageiros.

O projeto terminou não sendo votado. Foi retirado de pauta em novembro de 2015 e não voltou a ser analisado pela CCJ.

No final do ano passado, agora ocupando uma cadeira no Senado, Pacheco costurou um acordo com o governo Bolsonaro para votar um projeto de lei que limita a concorrência no transporte de passageiros.

Em dezembro de 2019, o governo adotou uma política de estímulo para o setor, com regras mais flexíveis para a entrada de novos operadores e menor supervisão estatal.

Com o empenho de Pacheco e de seu cabo eleitoral, o presidente Alcolumbre, os senadores aprovaram o modelo mais restritivo. Incluída às pressas na pauta, a matéria foi aprovada na última sessão de 2020. Seguiu para a Câmara.

O texto prevê também anistia às empresas multadas por infrações na prestação do serviço, bastando para isso que os valores correspondentes sejam investidos para a melhoria do serviço. Algo que os especialistas avaliam como difícil de se fiscalizar.

A fiscalização do setor é atribuição da ANTT. Salvo ocorra uma reviravolta, a agência reguladora passará a contar com um aliado de Pacheco em seu conselho de diretores.

Até então lotado no gabinete do parlamentar de Minas Gerais, Arnaldo Silva Junior foi sabatinado e aprovado pela Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado em dezembro. A nomeação depende de aprovação pelo plenário.

Ao fazer a defesa de suas credenciais para o posto durante a sabatina, Silva Junior agradeceu Pacheco pela indicação. A senadora Kátia Abreu (PP-TO) afirmou que a designação representava "o fim do republicanismo" no Senado.

O apadrinhado de Pacheco é também filiado ao DEM e, pelo menos até o ano passado, comandava o Diretório Municipal do partido em Uberlândia (MG).

Lei que rege as agências reguladoras proíbe a indicação de dirigentes partidários ou pessoa que tenha atuado, nos últimos 36 meses, como participante de estrutura decisória de partido político.

Em 2018, Silva Junior buscou, sem êxito, a reeleição como deputado estadual. Apareceu na lista de doadores de Pacheco, com R$ 1.300.

Somadas as receitas de campanha nas três eleições que disputou (2014, 2016 e 2018), o candidato à Presidência do Senado aparece como o principal patrocinador. Investiu R$ 8,3 milhões do próprio dinheiro, algo em torno de 62% do que arrecadou em doações.

O gasto praticamente não impactou seu patrimônio, segundo informou à Justiça Eleitoral. De R$ 24,5 milhões em 2014, ele declarou ter R$ 22,8 milhões em 2018.

Informou nas declarações à Justiça Eleitoral ter crédito decorrente de empréstimos concedidos à Viação Real nas declarações de 2014 (R$ 1,6 milhão) e 2016 (R$ 1,5 milhão).

Antes de ser congressista, Pacheco trabalhava como advogado. Ele integrou a banca que defendeu dirigentes do Banco Rural no processo do Mensalão, que tramitou no STF (Supremo Tribunal Federal).

Em uma entrevista em 2013, ele se posicionou contra o poder de investigação do Ministério Público quando a Câmara discutia proposta para dar poder exclusivo à polícia para realizar investigações criminais.

Em 2019, ano de estreia no Senado, coube a ele relatar o projeto conhecido como "Dez Medidas contra a Corrupção", fruto da mobilização de organizações civis e populares após as revelações da Operação Lava Jato. Foi defensor do projeto.

Não misturo atividade parlamentar com assuntos pessoais, diz Pacheco

A assessoria de imprensa de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) enviou nota na qual ele defendeu a lisura de sua atuação no Congresso Nacional.

"Não administro e não sou sócio direto dessas empresas familiares. Não misturo atividade parlamentar com assuntos pessoais e profissionais", afirmou.

Sobre as iniciativas legislativas relacionadas ao transporte interestadual de passageiros mencionadas na reportagem, o parlamentar disse que não foi autor nem relator dos projetos.

Com relação ao projeto do Senado, explicou o senador, houve uma defesa para que o serviço público de transporte de passageiros seja licitado, e "não entregue com mera autorização". "A Constituição Federal manda isso", disse Pacheco.

Com relação ao PL na Câmara, o congressista disse que apresentou um voto em separado pela inconstitucionalidade formal e rejeição da matéria.

O candidato à Presidência do Senado afirmou que o autofinanciamento de campanha —ele investiu R$ 8,3 milhões nas três eleições que concorreu (2014, 2016 e 2018)— é permitido. "Eu o fiz de forma legal e declarada, com recursos próprios também previamente declarados", disse.

Segundo Pacheco, seu patrimônio reduziu desde o ingresso na vida pública, no ano de 2015. E esclareceu que os créditos à Viação Real mencionados em suas declarações à Justiça Eleitoral foram "empréstimos regulares e declarados feitos à empresa de sua família".

Afirmou ainda que a indicação de Arnaldo Silva Junior para a ANTT "decorre da capacidade técnica devidamente atestada pelo currículo do indicado, que é advogado, professor de direito, autor de livros de direito administrativo e que exerceu um mandato de deputado estadual".

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