Descrição de chapéu Folhajus STF

Incerteza faz Supremo congelar julgamento da Vaza Jato e joga diálogos em limbo jurídico

Corte fica dividida e, enquanto defensores da Lava Jato temem uma derrota, críticos exploram diálogos mesmo sem usá-los como prova

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Brasília

Após quase dois anos da primeira divulgação de mensagens hackeadas de integrantes da Lava Jato, o STF (Supremo Tribunal Federal) ainda não julgou se as conversas podem ser usadas como prova ou se devem ser desconsideradas pela Justiça.

Como a corte não toma uma decisão a respeito, o tema permanece num limbo jurídico em que os diálogos são explorados por ministros contrários à operação, enquanto, em tese, não são levados em consideração na tomada de decisão por não haver uma definição sobre o assunto.

O motivo para a corte evitar um julgamento sobre o tema é a incerteza da ala a favor da Lava Jato em relação ao resultado que a análise do caso teria.

Para evitar uma derrota, o relator da operação, ministro Edson Fachin, e o presidente do tribunal, Luiz Fux, que é um defensor das investigações iniciadas em Curitiba, têm evitado levar o assunto para o plenário.

A dúvida sobre qual seria o entendimento da maioria do STF sobre o tema, porém, está dos dois lados.

A ala oposta do tribunal também não tem pressionado Fux a pautar a matéria. Isso porque o cenário atual agrada aos críticos da Lava Jato, como os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, uma vez que eles têm usado os diálogos para criticar a operação de Curitiba em votos.

A expectativa interna é que o julgamento da Primeira Turma em relação ao inquérito aberto de ofício pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) com base nos diálogos dos procuradores será um capítulo importante sobre o tema e poderá facilitar uma previsão em relação à posição dos ministros a respeito do assunto.

O tribunal tem uma jurisprudência consolidada no sentido de vedar o uso de provas ilícitas para condenar alguém, mas há dúvida se a mesma regra vale para inocentar um investigado.

A sessão que analisou a anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no dia 22 já foi uma amostra de como a questão divide o plenário do Supremo.

Na ocasião, Lewandowski citou os diálogos e foi interrompido por Luís Roberto Barroso, que é um defensor da Lava Jato e provocou o colega.

"Pensei que Vossa Excelência fosse garantista, essa é uma prova ilícita colhida mediante crime", disse ao citar a corrente do direito que costuma dar mais respaldo aos direitos dos réus em detrimento das acusações.

Na troca de farpas, ficou explícito mais um elemento importante sobre o assunto e que também divide a corte.

Barroso disse que a Polícia Federal não reconheceu a autenticidade das conversas —isso também é o que afirmam os procuradores da força-tarefa da Lava Jato que tiveram os celulares hackeados.

O ministro fez referência a um ofício encaminhado no início de abril à PGR (Procuradoria-Geral da República) pelo delegado Felipe Leal, então chefe do setor da PF que atua em casos que envolvem pessoas com foro especial.

No documento, que acompanha um laudo pericial, o delegado afirma não ser possível confirmar a autenticidade das conversas, além de dizer que há indícios de que os hackers agiram com dolo para adulterar mensagens —com base em um entendimento do Ministério Público.

Lewandowski, porém, rebateu o argumento de Barroso e afirmou que a polícia "atestou a integridade da cadeia de custódia" dos diálogos.

A afirmação do ministro foi sobre laudo da PF realizado no âmbito da Operação Spoofing, que prendeu os invasores dos celulares dos procuradores.

Nesse documento, a polícia afirmou que o arquivo foi salvo após ser retirado do aplicativo Telegram, que era usado para a troca de mensagens, sem ter havido uma quebra nessa transmissão —que é justamente a tal cadeia de custódia citada.

Na sequência, Lewandowski afirmou que a perícia só não pôde ser concluída porque os procuradores deletaram as mensagens que haviam trocado entre si.

O ofício mais recente da Polícia Federal, encaminhado à PGR, ataca exatamente esse argumento.

"Em análise jurídica, a confusão de escopos periciais pode levar a conclusões equivocadas. O atesto da cadeia de obtenção da prova da invasão não significa confirmar autenticidade e integridade do teor das conversas obtidas", escreveu o delegado Felipe Leal, o que irritou ministros críticos à Lava Jato.

Na sessão do dia 22, Lewandowski expôs outro argumento que tem sido usado nos bastidores do STF pelos que apontam problemas na Lava Jato, de que a prova pode ser ilícita, "mas foi amplamente veiculada e não foi adequadamente contestada".

A tese dos ministros é que, como as mensagens foram excluídas, há outros meios para provar a veracidade dos diálogos. Uma alternativa, por exemplo, é mostrar que nas conversas eram tratados temas que só os procuradores tinham acesso, como número de processos.

Além disso, seria possível verificar no celular de outras pessoas se os diálogos são verdadeiros, uma vez que também foram vazadas mensagens trocadas com jornalistas e pessoas que podem ter preservado os arquivos.

Outro argumento dos defensores do uso das mensagens é que os diálogos foram apreendidos com os hackers de maneira lícita, em operação da Polícia Federal.

As mensagens foram publicadas inicialmente pelo The Intercept Brasil e, depois, por outros veículos de comunicação, como a Folha, em parceria com o site que divulgou primeiramente os diálogos.

As conversas mostram, entre outras coisas, indícios de que integrantes da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal, entre eles o chefe do grupo, Deltan Dallagnol, mantinham relação próxima com o então juiz do caso, Sergio Moro.

A Segunda Turma do STF já concedeu o direito à defesa de Lula de acessar as mensagens.

Na esteira dessa decisão, outros políticos investigados fizeram pedidos similares ao Supremo. Na semana passada, por exemplo, Lewandowski também permitiu ao senador Renan Calheiros (MDB-AL) o acesso aos diálogos.

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