Protesto anti-Bolsonaro na Paulista atrai moradores das periferias e da região metropolitana

É por necessidade que estamos indo às ruas, diz liderança que foi a manifestação contra o presidente

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São Paulo | Agência Mural

Para Igor da Silva Cavalcante, 27, chegar ao protesto na avenida Paulista neste sábado (19) levou tempo. “Tive de pegar dois ônibus, depois o metrô, três baldeações”, conta. Integrante de um movimento por moradia, Igor veio da região da Terceira Divisão, no Iguatemi, distrito do extremo leste de São Paulo.

Estava cansado. Desempregado, depende dos bicos, como instalação elétrica e também ajuda na ocupação onde vive. Apesar do cansaço, considera que era importante ter ido ao ato para “buscar o que é da gente, já que nosso governador e nosso presidente não estão beneficiando o povo". "Estou indo buscar todos meus direitos.”

Mulheres exibem faixa laranja afirmando que não vão morrer de fome
Manifestantes da Brasilândia na avenida Paulista, neste sábado (19), em ato contra Bolsonaro - Renan Cavalcante/Agência Mural

Ele é um exemplo de como as periferias de São Paulo participaram dos protestos na cidade. Nos bairros das bordas da capital, não houve manifestações, mas diversas mobilizações de moradores foram feitas para ir até a Paulista.

Houve atos em cidades da Grande São Paulo, onde a concentração serviu de "esquenta" para o ato na região central da capital, onde ocorreram as principais manifestações pelo impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Também apareceram a defesa de bandeiras como o aumento do auxílio emergencial na pandemia e a aceleração da vacinação contra a Covid-19.

Na avenida, um grupo de moradores da favela de Heliópolis, a maior da capital, segurava o cartaz “Vacina no Braço, Comida no Prato”, lema que também apareceu em outras manifestações. Entre eles, estava o rapper Fanti, que é professor e MC, e Macarrão, líder comunitário da favela e ativista pela causa animal.

Ambos falaram que as periferias foram deixadas de lado pelo presidente. “Periferia, povo quilombola e indígena foram totalmente esquecidos [por esse governo]”, ressalta Fanti.

Também morador da favela, o pedagogo Nicolau de Jesus Pamplona Beltrão, 28, tentou convencer amigos desde segunda-feira a ir ao protesto e fez publicações nas redes sociais em busca dos mais jovens na favela.

O protesto foi no mesmo dia em que o Brasil ultrapassou a marca de 500 mil mortes por conta da pandemia. O fato de as periferias serem as mais afetadas quando se leva em conta o número de vítimas foi um dos fatores que engajaram moradores a participarem.

“A periferia é quem mais está sofrendo, é quem não tem emprego, não tem condições de fazer isolamento, é quem está passando fome, é quem não tem teto para morar ou está sendo despejado porque não tem condições de pagar o aluguel”, afirma o estudante Rômulo Maia, 22.

“Ninguém queria ter que ir às ruas num momento de pandemia, ninguém, mas infelizmente é necessário”, ressalta.

Morador do Rio Pequeno, na zona oeste de São Paulo, ele faz parte do grupo “Fogo no Pavio”, organização da juventude dentro do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto).

Sobre os riscos de protestar na pandemia, ele usava máscara, mas aponta que os mais pobres não estão fazendo isolamento social, pois nunca foi possível.

“O ‘fica em casa’ é para quem tem casa, e quem não tem casa, fica onde?”, questiona. “Na rua? Embaixo da ponte? Quem não está tendo condições de pagar o aluguel? Despejo? Os ônibus superlotados, empresas fechando postos de trabalho” , diz.

Raciocínio semelhante ao de Flavia Bischain, 36, professora da rede estadual e moradora da Brasilândia, na zona norte. “Além do governo federal falar contra o isolamento, fala em desemprego, mas não garantiu que o auxílio de fato chegasse para as famílias que precisam”, afirma.

Ela também estendeu as críticas ao governador João Doria (PSDB).

Da Penha, na zona leste, a professora Sirlene Sales Maciel diz que foi ao protesto porque Bolsonaro não cumpre o papel como presidente. Ela chama de "desgoverno", "negacionista" e "genocida", por conta das vezes em que o gestor apareceu sem máscara ou ironizou a pandemia e as mortes causadas.

Se por um lado, há pessoas e líderes comunitários envolvidos no protesto, por outro lado há moradores das periferias que mal sabiam das manifestações. "Não estava sabendo. Na verdade, nem sei que dia estamos", diz, rindo, a aposentada Olivia do Campo, 57, moradora de Guaianases, zona leste.

Nas redes sociais, segundo grupos que reúnem moradores da região, como Cidade Tiradentes, Sapopemba, Itaim Paulista e Itaquera, não houve manifestação nem apoio público aos atos deste sábado.

GRANDE SÃO PAULO

Ao menos dez cidades da Grande São Paulo tinham atos previstos no protesto contra Bolsonaro e foram realizados na parte da manhã e, no começo da tarde. Entre os municípios que tiveram manifestações estão Cotia, Diadema, Guarulhos, Poá, Mairiporã, Mogi das Cruzes, Osasco, São Bernardo do Campo e Santo André.

Em geral, o uso de máscaras prevaleceu nas manifestações pelas cidades. A organização nas cidades veio de sindicatos e partidos como PT e PSOL, siglas que atualmente são oposição em nível federal, mas também nas cidades. Atualmente, a Grande São Paulo é governada majoritariamente pelo PL, oito prefeituras, PSDB, com sete, seguido de PSD e Podemos. O PT governa apenas duas: Diadema e Mauá.

No ABC, houve carreata em São Bernardo do Campo e, em Diadema, a ação ocorreu no Terminal Municipal. Ônibus saíram das duas cidades para a avenida Paulista. Em Mairiporã, cruzes foram colocadas no chão para simbolizar as 500 mil mortes.

“Reivindicamos a vacinação, o auxílio emergencial e o fim do da violência de Estado contra a população negra e periférica”, diz Mateus Lima, 45, um dos organizadores em Cotia, onde a ação foi realizada no centro antes de ir para a Paulista.

Manifestantes seguram faixa dizendo Fora, Bolsonaro
Manifestantes da favela de Heliópolis na avenida Paulista, neste sábado (19), em ato contra Bolsonaro - Ana Beatriz Felicio/Agência Mural

Em Osasco, houve caminhada pela região da rua Antônio Agu, principal via comercial da cidade. "Neste momento quanto mais pessoas participarem é melhor porque a situação chegou num limite que está insuportável. Temos que parar com essa tendência de normalizar tudo", diz o geofísico Felipe dos Anjos Neves, 37, que soube do ato pelas redes sociais.

"É um governo negacionista e que teria que ter uma atuação no combate à pandemia e não ser um aliado do vírus. O governo distorce informações, atrasou a compra das vacinas", afirma Marcio Bento, um dos organizadores da concentração e participante do Frente Povo sem Medo e Frente Popular do Brasil.

Em Poá, o ato contra o governo Bolsonaro aconteceu na praça Santo Antônio, no Centro. Com cerca de 20 manifestantes, o protesto foi convocado pelos partidos de esquerda e por movimentos de juventude. Também no Alto Tietê, houve mobilização na região central de Mogi das Cruzes, no Largo do Rosário.

“Embora as grandes manifestações sempre ocorram nas capitais, acho que é importante fazer atos nas outras cidades”, comentou o técnico em segurança do trabalho Fábio Souza da Silva, 30.

Em 2018, 70% dos eleitores do município votaram em Bolsonaro. “Temos mais que o dever de mostrar a parte da população que ainda o apoia [o atual governo] que eles estão sendo enganados”, diz.

“Tenho esperança que esses movimentos possam, sim, fazer a diferença”, afirma a educadora Thais D'Ávila Hungria, 38, também de Mogi.

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