Descrição de chapéu

Bolsonaro mobiliza reservas que sobraram e coloca centrão diante de impasse

Atos da bolha do presidente mostram alguma força no isolamento, deixando cenário para 2022 turvo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Jair Bolsonaro tinha, no mês passado, 24% de aprovação popular segundo o Datafolha. Muito menos que os 51% que o reprovavam, e, somado a uma curva de popularidade descendente, o presidente estava diante de um cenário bastante desconfortável.

A situação só piorou politicamente, levando à tentativa de entrada do centrão, na figura do agora ministro da Casa Civil Ciro Nogueira (PP-PI), no centro nervoso do governo.

Manifestantes em favor do presidente Jair Bolsonaro se reúnem na avenida Paulista, em SP
Manifestantes em favor do presidente Jair Bolsonaro se reúnem na avenida Paulista, em SP - Bruno Santos/Folhapress

Ato contínuo, Bolsonaro precisou emitir sinais externos de independência e protagonizou um dos momentos mais bizarros desde a redemocratização, usando a estrutura estatal para promover mentiras na forma de vídeos juvenis que lançam dúvidas sobre a lisura das urnas eletrônicas.

Atacar o sistema eleitoral é a nova defesa da cloroquina, com efeitos sistêmicos tão ou mais graves. É algo eficiente em termos de discurso: a política ou seus meandros estão longe de serem entes confiáveis na visão do brasileiro médio, não sem razão.

Daí a instrumentalizar isso em favor de sua defesa, foi um pulo para o presidente. Os milhares de pessoas que foram às ruas neste domingo (1º) para apoiar a tese acerca das urnas é um lembrete de que os 24% ainda são mobilizáveis, com uma vantagem sobre os participantes de atos contrários a Bolsonaro.

Ali, não estão os 51% que reprovam a gestão, e sim a franja à esquerda desse contingente. Apesar de um ou outro sinal, a classe média de corte conservador que foi à rua para ajudar a derrubar Dilma Rousseff (PT) em 2016 não deu as caras.

Ponto para Bolsonaro, que conseguiu as fotografias e imagens que quis para manter seu novo delírio de estimação vivo na gaiola com a qual ameaça as instituições que permitem sua existência política. Segue a ignorar seus aliados, cada vez mais agastados.

Significativo do tipo de aderência que o grupo inspira, ex-ministros rifados por Bolsonaro estiveram nos atos, como os párias do ambiente (Ricardo Salles) e da diplomacia (Ernesto Araújo). De desleais esse ditos ideológicos não poderão ser acusados.

Ainda assim, não era exatamente uma multidão, longe disso. O Rio de Janeiro, com sua particularidade demográfica, até forneceu um quórum maior. Na avenida Paulista, maior termômetro do país, contudo, os números visíveis foram bem mais modestos.

Claro que para as redes bolsonaristas, alheias à realidade, isso não importa, e fotografias mais fechadas em concentrações pontuais vão validar a hashtag qualificando de "gigante" a iniciativa deste domingo. É o que temos.

Mas a circunscrição do protestos na bolha bolsonarista leva a outras considerações. Quanto tempo o centrão, ao menos o PP que ora domina Casa Civil e Câmara, irá aceitar a coparticipação em um governo que parece ter adotado a tática unidimensional do confronto institucional?

É um impasse previsível.

Um presidente de partido do grupo, ora alijado do centro do poder, dizia no sábado que o desespero de Bolsonaro poderia acelerar algo impensável até há pouco, um movimento com apoio tácito do centrão para destituí-lo.

Uma coisa é dizer aqui e ali que urnas não são confiáveis, afirmou esse dirigente. Ruim, mas passa e será barrado pelo Congresso. Outra é acusar o chefe do Tribunal Superior Eleitoral de um crime, beneficiar o adversário Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e ameaçar diretamente o pleito de 2022.

Procurado neste domingo para comentar os atos, adotou um tom "blasé", se dizendo pouco impressionado. Mas ressaltou: achou que haveria menos gente nas ruas.

O xadrez é bastante complexo, e um Bolsonaro isolado tenta com os atos dizer que ainda "tem rua", aspas obrigatórias. Pode ter umas faixas, talvez calçadas, mas o asfalto sob seus pés parece estar em franca redução.

O presidente demonstrou força, mas a força que lhe é residual e que combina com o seu temor básico de ser preso ao fim de tudo isso, como explicitou na live de quinta-feira (29). Não é muito diferente do que ocorreu com Donald Trump nada por acaso o ídolo político de Bolsonaro e sua prole.

Quando o solo estreitou-se sob o então presidente americano, já derrotado por Joe Biden na tentativa de reeleição, o republicano promoveu a farsa da intentona de 6 de janeiro, quando o equivalente ao pessoal que foi às ruas neste domingo no Brasil tentou melar à força a sessão do Capitólio que confirmaria a vitória do democrata.

Fracassaram, com repercussões e danos institucionais sérios, a começar pela inaudita necessidade de os chefes militares americano se manifestarem contra qualquer golpismo.

Aqui, temos Walter Braga Netto (Defesa) indo na direção contrária, mas comandantes na ponta prometendo legalismo —embora discretamente, fora do olhar público.

Nesse sentido, Bolsonaro já venceu como ente político: o Brasil de 2021 é uma grande bagunça, e o das eleições de 2022, um campo minado de hipóteses explosivas.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.