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Coronavírus CPI da Covid

Menos nacionais, atos trazem 'Bolsonaro corrupto' ao lado do 'genocida'

Protesto expressivo em SP tem DNA de esquerda e pró-Lula, apesar de alguns tucanos pingados

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São Paulo

Na edição mais fraca desde sua estreia em 29 de maio, em termos de mobilização nacional, os protestos contra o presidente Jair Bolsonaro deste sábado (3) trouxeram algumas nuances novas ao arco narrativo da crise político-sanitária em que o Brasil está imerso.

Olhando sob o prisma do copo meio vazio para quem quer ver Bolsonaro fora do cargo, apenas São Paulo registrou uma mobilização muito expressiva, centrada na avenida Paulista.

Manifestantes em frente ao Masp, na avenida Paulista, pedem o impeachment de Bolsonaro
Manifestantes em frente ao Masp, na avenida Paulista, pedem o impeachment de Bolsonaro - Bruno Santos/Folhapress

Rio, Brasília e outras capitais tiveram lá seus momentos, mas com uma adesão visivelmente menor do que nos dois atos anteriores.

Já quem vê um copo meio cheio do lado antibolsonarista apontará, além da multidão na artéria simbólica da capital paulista, o fato de que o tema da corrupção entrou com força na pauta dos atos.

Ao lado de "Bolsonaro genocida", responsável pela tragédia da gestão da pandemia da Covid-19, estava o "Bolsonaro corrupto", cortesia das descobertas acerca de traficâncias suspeitas justamente na área de compra de vacinas pelo Ministério da Saúde.

E isso não foi visto só em capitais, mas também em cidades que antes seriam vistas como bastiões do presidente, como Blumenau (SC) ou localidades no interior de Goiás.

Objetivamente, não é boa notícia para o Planalto, ainda mais quando atinge em cheio um dos pilares da imagem vendida por Bolsonaro em 2018.

Se é evidente que os atos continuam a ser dominados pelo tom de esquerda, isso mostra que Bolsonaro conseguiu ressuscitar o campo do coma em que caiu desde as jornadas do impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016.

Alguns observadores se animaram com meia dúzia de tucanos pingados na frente do Masp, um bolsonarista arrependido ali, uma Tabata Amaral acolá. É pouco para configurar a onda que os organizadores queriam inspirar.

Não havia uma presença de rua da classe média que completou sua parte na derrubada de Fernando Collor, em 1992, ou Dilma. Isso pode mudar, mas enfrenta algumas dificuldades práticas.

A mais pontual, o fato de que o pessoal estruturou os atos de forma apressada, sob o impacto das revelações da CPI da Covid e os rolos correlatos, como o bizarro episódio da suposta cobrança de propina por parte de integrantes da Saúde.

Com a notável exceção paulistana, houve uma sensação de algo meio desconjuntado.

Mais complexa é a questão política. Se uma campanha pelo hoje improvável impeachment do presidente tem imperativos morais que transcendem o partidarismo, temos uma eleição às portas. Tudo se contamina.

Até pelo seu DNA à esquerda, é impossível dissociar os atos da pré-campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ainda que o ex-presidente tenha sido sábio ao se afastar fisicamente dos protestos.

Com uma série de vitórias na Justiça para tentar chacoalhar a pecha de corrupto de seus ombros, Lula tem agido com calma, ciente de sua condição de barbada para estar no segundo turno. E tudo o que ele quer é ver Bolsonaro não impedido, mas o enfrentando.

Essa lógica também é alimentada pelo Planalto, bastando ver o tom das críticas do presidente em alguma de suas bizarras "motociatas" Brasil afora. Tudo o que Bolsonaro não precisa é de um concorrente viável correndo no seu campo —com a rejeição que amealha, ficar de fora da rodada final não é uma hipótese delirante.

Esse caráter politizado já marcava os protestos passados, indicando que a pressão na rua à esquerda é um fator inescapável daqui para frente. Sem um candidato da dita terceira via claro, é incógnito se o avanço da vacinação animará um movimento mais orgânico da centro-direita.

Os incidentes com violência ao final do ato em São Paulo pareceram limitados a pequenos grupos dos usuais black blocs que aparecem nessas horas, mas acendem um sinal de alerta para os organizadores: confusão só fará serviço a Bolsonaro.

De resto, há algumas curiosidades —e não se fala na ressurreição de faixas à la Estado Novo, com a efígie do ditador Getúlio Vargas sendo exibida como um ícone da justiça social. Mas sim o grupo diminuto de tucanos que aderiu ao mar de bandeiras vermelhas na Paulista.

Eles traziam bandeiras da comunidade LGBT+, e isso na semana em que o governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB) se declarou gay, uma raridade no "mainstream" político brasileiro que foi bombardeada por uma parte expressiva da esquerda, que se arroga monopólio sobre o chamado progressismo.

Não são poucos observadores que acreditam na necessidade de uma candidatura que encarne exatamente o oposto do que Bolsonaro representa.

Dois importantes atores do campo da tal terceira via comentavam, neste sábado, que ainda é muito cedo para considerar que o "outing" de Leite o transformará num presidenciável, como ele pretende ser na disputa com João Doria, Tasso Jereissati e Arhtur Virgílio no PSDB.

Mas consideram que a novidade, ainda gerando ondas secundários de impacto no mundo político, terá de ser analisada. Leite, 36, é visto como muito jovem e com bagagem leve demais para um voo nacional, mas ele saiu de um relativo obscurantismo para virar tema de conversas em todo o país da noite para o dia.

Nas conversas desses dirigentes, uma candidatura a vice-presidente numa chapa alternativa ao díptico Lula-Bolsonaro é algo que entrou no radar.

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