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Senado aprova projeto que revoga Lei de Segurança Nacional, resquício da ditadura

Texto que vai para sanção do presidente da República define novos crimes contra democracia

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Brasília

O Senado aprovou nesta terça-feira (10) projeto que revoga a Lei de Segurança Nacional, editada em 1983, durante a ditadura militar. O texto, que também acrescenta uma série de crimes contra a democracia no Código Penal, passou em votação simbólica e segue para sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Para evitar que o projeto voltasse à Câmara, o relator, Rogério Carvalho (PT-SE), não fez mudanças na versão aprovada pelos deputados em maio e rejeitou todas as emendas.

“É urgente a aprovação deste projeto de lei, uma matéria de extrema importância para a defesa do estado democrático de direito, que iniciou a tramitação na Câmara dos Deputados em 1991. É nossa responsabilidade aprovar o texto e enviá-lo para sanção hoje e não devolvê-lo à Câmara. Adequações poderão ser feitas em novos projetos autônomos, mas não é possível adiar mais a revogação da Lei de Segurança Nacional”, disse.

Embora o projeto estivesse pautado desde a semana passada, senadores defenderam a aprovação do texto nesta terça como uma resposta ao desfile militar que ocorreu nesta manhã em Brasília.

“Eu prefiro valorizar a democracia a valorizar o que é inoportuno, a valorizar um desfile sem consequência. O que é consequente é o que nós estamos votando hoje aqui, no Senado. O que é consequente é a democracia brasileira, que pode ter seus defeitos, mas não há regime melhor que a democracia”, disse Eduardo Braga (MDB-AM).

Mesmo tendo mantido o texto dos deputados, Carvalho reconheceu, em entrevista à Folha, que parte da matéria corre o risco de ser vetada pelo presidente Bolsonaro.

“Vai ter muitos vetos. Não sei quais, mas alguns vetos vamos ter. Por exemplo, essa questão da comunicação, ele [Bolsonaro] vai vetar, a questão sobre agressão à democracia ele vai vetar”, afirmou o senador.

Resquício da ditadura militar, a Lei de Segurança Nacional vem sendo usada com mais frequência nos últimos anos.

Reportagem publicada pela Folha mostrou que a Polícia Federal disse ter aberto 77 inquéritos com base na lei em 2019 e 2020, número que supera o registrado nos quatro anos anteriores, quando a corporação diz ter instaurado 44 inquéritos.

Foi por meio dela que o ex-ministro da Justiça André Mendonça, hoje indicado por Bolsonaro para uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal), pediu que a PF investigasse jornalistas e opositores do governo Bolsonaro, como o youtuber Felipe Neto.

A mesma lei foi usado pelo STF para prender o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) e organizadores de manifestações antidemocráticas.

O texto aprovado pelos parlamentares teve como base projeto apresentado em 2002 por Miguel Reale Júnior, então ministro da Justiça do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1995-2002).

Pelo projeto, o Código Penal passará a ter uma parte destinada aos crimes contra o Estado democrático de Direito. Entre os crimes incluídos, estão o de atentado à soberania; atentado à integridade nacional; espionagem; abolição violenta do Estado democrático de Direito; golpe de Estado; interrupção do processo eleitoral; comunicação enganosa em eleições; violência política; sabotagem e atentado ao direito de manifestação.

O crime de golpe de Estado é definido como a tentativa de depor, por meio de violência ou grave ameaça, governo legitimamente constituído. A pena proposta é de 4 a 12 anos de reclusão.

Um dos principais pontos do projeto em relação às eleições é o que prevê pena de 3 a 6 anos e multa para quem tentar impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado por meio de violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação.

Para tentar barrar a propagação de fake news durante as eleições, o texto cria pena de 1 a 5 anos para quem “promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral”.

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Também fica caracterizado como crime impedir, mediante violência ou grave ameaça, a manifestação de partidos políticos, de movimentos sociais e sindicatos. A pena prevista é de 1 a 4 anos de reclusão e multa.

Senadores governistas tentaram retirar esse trecho da proposta. Uma emenda apresentada por Telmário Mota (Pros-PR) e apoiada por parlamentares como Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) e Marcos Rogério (DEM-RO) argumentava que a medida dificultaria definir o que é manifestação pacífica e geraria “grave insegurança jurídica para os órgãos responsáveis pela manutenção da ordem”.

Os mesmos senadores pediram para suprimir o aumento da pena pela metade e a perda do posto e da patente para os militares que cometessem os crimes previstos no projeto. “Não haverá força pública capaz de cumprir sua missão de restabelecer a ordem pública em manifestações ou protestos em que haja o bloqueio de estradas, o fechamento de ruas e o impedimento de acesso em prédios públicos.”

"Estamos diante de uma situação absolutamente exagerada na punição de agentes militares. Se aprovado esse dispositivo, estaremos inibindo toda e qualquer ação desses agentes por temerem uma pena de prisão ou regime inicialmente fechado, além da perda do seu posto e de patente militar quando, na verdade, eles podem, simplesmente, ter agido com o cumprimento da lei para a manutenção da ordem, tendo em vista a subjetividade da classificação de uma manifestação livre e pacífica", afirmou Mota.

A mudança foi rejeitada pela maioria do plenário.

O projeto ainda pune quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas ou delas contra os Poderes, as instituições civis ou a sociedade.

O texto ressalva não ser crime a manifestação crítica aos Poderes constituídos nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, reuniões, greves, aglomerações ou qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais.

Juristas afirmam que a aprovação da lei sem um acordo prévio com Bolsonaro pode gerar o fenômeno jurídico conhecido como "abolitio criminis" (abolição de delitos).

Isso ocorre quando um tipo penal deixa de existir no ordenamento jurídico e tem como consequência automática a descriminalização daquela conduta para fatos passados.

Um eventual veto do presidente ao projeto pode levar ao esvaziamento de inquéritos em curso no STF contra aliados do chefe do Executivo.

Há divergências entre advogados sobre quando isso ocorreria. Para alguns, um possível veto de Bolsonaro causaria a descriminalização das condutas de maneira imediata. De outro, porém, existe o entendimento de que a derrubada do veto pelo Congresso evitaria a abolição dos delitos.

Entenda projeto que substitui LSN

Por que a LSN é alvo de críticas? Aprovada em 1983, ainda na ditadura, a lei é vista por muitos como um entulho autoritário. Um dos argumentos é o de que ela foi feita baseada na lógica de um inimig interno, sendo destinada a
silenciar críticos. Assim, ela feriria preceitos fundamentais da Constituição de 1988, como do pluralismo político e da liberdade de expressão.

Um dos pontos mais criticados da atual LSN foi retirado da nova proposta. Trata-se do artigo que determina pena de até quatro anos de prisão para quem caluniar ou imputar fato ofensivo à reputação dos presidentes da República, do Supremo, da Câmara e do Senado.

A LSN tem sido usada tanto contra críticos do governo de Jair Bolsonaro quanto em investigações que miram bolsonaristas em ataques ao STF e ao Congresso, como os inquéritos dos atos antidemocráticos e das fake news em tramitação no STF.

Como foi a tramitação da proposta? O projeto foi aprovado na Câmara em maio e teve como relatora a deputada Margarete Coelho (PP-PI). No Senado, a relatoria coube ao senador Rogério Carvalho (PT-SE) que fez apenas mudanças pontuais de redação. Com isso, o texto vai direto à sanção presidencial. Se houvesse mudanças significativas, o texto voltaria à Câmara

O que estabelece o projeto aprovado? Os crimes políticos deixam de constar em uma lei específica, como é o caso da LSN, e passando a compor o Código Penal, sob o título de crimes contra o Estado democrático de Direito.

O projeto dividiu os crimes em cinco capítulos, sendo eles os crimes contra a soberania nacional, contra as instituições democráticas, contra o funcionamento dessas instituições nas eleições, contra o funcionamento dos serviços essenciais e, por fim, os crimes contra a cidadania

Quais trechos do projeto governistas tentavam excluir? Na última semana, senadores governistas apresentaram diversas propostas de emenda ao texto. Uma das principais teve apoio, entre outros, de Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), mas foi rejeitada.

A emenda pretendia retirar dois itens do projeto: aquele que criminaliza o atentado a direito de manifestação e também aquele que prevê aumento de pena para militares, com a perda do posto e da patente ou graduação.A justificativa dos autores da emenda é de que o dispositivo dificulta a caracterização do que seria uma manifestação pacífica, "gerando grave insegurança jurídica para os órgãos responsáveis pela manutenção da ordem''. E, no caso da pena aumentada para militares, argumentam que a previsão "cria verdadeira ameaça para inibir a atuação das forças de segurança na preservação da ordem pública''

Tipos penais a serem incluídos no Código Penal

Crimes contra a soberania nacional O capítulo dos crimes contra a soberania nacional inclui os crimes de atentado à soberania, espionagem e atentado à integridade nacional. Tais crimes buscam proteger o país em relação a atores externos assim como de ações que visem, por exemplo, separar parte do território nacional. No crime de espionagem, há uma ressalva de que não constitui crime a comunicação de
informações ou documentos quando o objetivo é expor a prática de crime ou a violação de direitos humanos

Crimes contra as instituições democráticas Estão previstos neste capítulo os crimes de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado democrático de Direito. Este último prevê pena de 4 a 8 anos para aquele que "tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais". Já no caso de golpe de Estado, a pena é de 4 a 12 anos

Crimes contra o funcionamento das instituições democráticas no processo eleitoral A princípio, estão
previstos três crimes neste capítulo: interrupção do processo eleitoral, comunicação enganosa em massa e violência política. Especialistas criticaram a inclusão de tema eleitoral no Código Penal.

Com pena de 1 a 5 anos, o projeto criminaliza a ação de promover ou financiar campanha ou iniciativa "para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral".

O enquadramento só ocorre quando a disseminação ocorre mediante uso de "expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada".Também criminaliza a ação de "impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação". A pena é de 3 a 6 anos.

A mesma pena se aplica ao crime de violência política, que consiste em restringir, impedir ou dificultar "o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional", com emprego de violência física, sexual ou psicológica

Crimes contra o funcionamento dos serviços essenciais Este capítulo, que em versões anteriores do projeto continha outros itens, prevê apenas o crime de sabotagem, com pena de 2 a 8 anos para aquele que, com o fim de abolir o Estado democrático de Direito, destruir ou inutilizar "meios de comunicação ao público, estabelecimentos, instalações ou serviços destinados à defesa nacional"

Crimes contra a cidadania
Criminaliza o atentado a direito de manifestação, que seria o ato de "impedir, mediante
violência ou grave ameaça, o livre e pacífico exercício de manifestação de partidos políticos, de movimentos sociais, de sindicatos, de órgãos de classe ou de demais grupos políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos"

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do que afirmou versão anterior deste texto, o senador Eduardo Braga é do MDB do Amazonas, e não do Amapá. O texto já foi corrigido.

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