Ciro Nogueira usa empresa para alugar mansão de amigo de Flávio Bolsonaro blindado pela CPI

Valor do aluguel, feito em nome de filial de empresa de moto, está abaixo do mercado, segundo corretores; advogado diz que negócio envolvendo casa de R$ 4,55 mi é regular

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Brasília

O ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), usou a filial de sua empresa de venda de motos no Piauí para alugar neste ano uma mansão no Lago Sul em Brasília comprada meses antes por um advogado amigo do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) e blindado na CPI da Covid no Senado.

Willer Tomaz de Souza, 40, comprou a mansão por R$ 4,55 milhões em outubro de 2020. Em janeiro, pegou as chaves do imóvel.

Um dos líderes do centrão, Ciro se mudou para a casa em abril, quando ainda exercia o mandato de senador pelo PP do Piauí. Desde 28 de julho, é ministro do governo Jair Bolsonaro (sem partido) e despacha no Palácio do Planalto.

A casa tem 632 metros quadrados construídos. Possui quatro suítes, hidromassagem, piscina, sauna, churrasqueira e elevador.

Para comprar a mansão, Willer fez uso de sua empresa de administração de imóveis, a WT Administração de Imóveis e Bens.

Mansão de Ciro Nogueira
Fachada da casa do ministro chefe da Casa Civil Ciro Nogueira, no lago sul, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

A casa é alugada, para fins residenciais, pela Ciro Nogueira Comércio de Motocicletas Ltda, mais especificamente pela filial que fica em Teresina. O contrato de locação foi assinado por um procurador da empresa, o advogado Emannuel Nogueira Lima.

O uso de um CNPJ no aluguel de um imóvel de luxo com fim residencial não é a praxe nesse tipo de negócio, segundo corretores que atuam no Lago Sul, uma das áreas mais nobres de Brasília.

A filial usada no contrato de aluguel não foi declarada pelo então candidato à Justiça Eleitoral em 2018, ano em que se reelegeu senador. Ciro declarou a matriz, sediada em Caxias (MA), que tem capital social de R$ 20 milhões. Segundo procuradores da República que atuam na área eleitoral, filiais também precisam ser declaradas pelos candidatos.

O valor do aluguel é de R$ 15 mil. Estaria abaixo do preço de mercado na região da mansão, conforme corretores e profissionais que atuaram diretamente no negócio de venda da casa. O aluguel do imóvel vale entre R$ 25 mil e R$ 30 mil, de acordo com esses profissionais.

Willer apresentou à reportagem uma cópia do contrato de aluguel e um extrato bancário com cinco pagamentos pela empresa de motos de Ciro, no valor de R$ 75 mil. Em nota, o ministro afirmou que “paga religiosamente o valor do aluguel determinado em contrato”.

Ciro atuou para tentar esvaziar a CPI da Covid. Quando era titular, fez intervenções na comissão em defesa de barrar testemunhas e quebras de sigilos. Com a ida dele para o Planalto, Flávio Bolsonaro passou a ser suplente na CPI.

O relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), colocou Willer na mira das investigações a partir de junho, quando ganharam força as investigações sobre suspeitas de corrupção na negociação de vacinas.

Em 5 de julho, apresentou requerimento com pedido de informações à Receita Federal sobre dez pessoas, Willer entre elas. O relator queria participações societárias nos últimos dez anos, gráficos de relacionamentos e documentos.

Renan alterou o requerimento em 2 de agosto e retirou o nome de Willer. A CPI aprovou o pedido de informações à Receita no dia seguinte, e os documentos já foram entregues.

São relacionados, por exemplo, ao dono da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiano, responsável pela intermediação do negócio de R$ 1,6 bilhão da vacina Covaxin, e ao advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef.

Segundo pessoas próximas ao relator, a retirada de Willer foi necessária diante da constatação de que não haveria votos na comissão para aprovar a quebra do sigilo fiscal do advogado.

Willer já foi preso pela PF, em 2017, na operação relacionada à JBS. A suspeita era de que teria atuado como intermediário em vazamento de informações do Ministério Público Federal. “Fui denunciado. Os delatores se retrataram. A denúncia foi rejeitada. Foi um erro do Judiciário e recebo indenizações”, afirmou.

No “quadro de sócios e administradores” da WT, disponível para consulta pública na Receita Federal, aparecem apenas os nomes das duas diretoras, que são funcionárias do escritório de advocacia de Willer em Brasília.

O escritório funciona em uma ampla casa no Lago Sul. O endereço da WT, por sua vez, é em Taguatinga Sul, uma região na periferia de Brasília. No lugar fica uma casa, em reforma, da família do advogado.

A compra da casa foi intermediada por corretores, em nome da WT. Willer financiou R$ 3,64 milhões no banco, a serem pagos em 35 anos.

O contrato de aluguel não tem testemunhas nem previsão de garantias. Foi assinado em 12 de abril, retroagindo a 1º de abril.

De julho de 2019 a abril de 2021, Ciro ocupou um imóvel funcional do Senado. Antes disso, entre 2013 e junho de 2019, o senador recebeu auxílio-moradia, que tem o valor atual de R$ 5,5 mil.

Para que o benefício seja pago, é necessário apresentar ao Senado nota fiscal da locação. O parlamentar não requereu o auxílio quando se mudou para a mansão no Lago Sul.

Outro lado

Procurado pela Folha, Ciro Nogueira não se manifestou, até a publicação deste texto, sobre o uso da empresa para o contrato do aluguel. Anteriormente, afirmou que “paga religiosamente" o valor previsto.

Willer afirmou que todo o negócio foi regular, que não foi de fachada e que “a relação não é promíscua”. No primeiro contato feito pela reportagem, em 18 de agosto, o advogado disse ter 43 casas no Lago Sul. “Estou comprando hoje a 44ª casa”, afirmou.

“Eu alugo casas a ministros do STJ [Superior Tribunal de Justiça]. Meu escritório faturou R$ 100 milhões em 2020”, disse o advogado. No segundo contato, no último dia 16, ele afirmou que a WT tem mais de 50 imóveis alugados.

Willer disse que seu escritório tem como clientes 40 senadores e 200 deputados –o que corresponde a quase metade do Congresso.

As consultas nos sistemas do STF (Supremo Tribunal Federal) e do STJ mostram que ele advogou diretamente para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deputado Hiran Gonçalves (PP-RR), deputado Sergio Vidigal (PDT-ES) e senador Weverton Rocha (PDT-MA).

Além do escritório em Brasília, Willer é sócio de um escritório em Vitória, em parceria com o advogado Eugênio Aragão. Este escritório defendeu Carlos Alberto de Sá, dono da VTCLog, em mandado de segurança no STF. A VTCLog tem contratos com o Ministério da Saúde e é investigada pela CPI.

Willer entrou em junho no alvo da CPI. No dia do depoimento dos irmãos Miranda, que denunciaram pressão atípica para compra da Covaxin, Renan perguntou a Luís Ricardo Miranda, chefe de importação do Ministério da Saúde, responsável pela denúncia, se ele conhecia Willer e Wassef. O servidor disse que não.

Willer é amigo de Flávio e se coloca como uma espécie de conselheiro jurídico do senador. No dia dessa sessão, 25 de junho, Flávio reagiu a Renan. E confirmou que ambos os advogados estão em “seu entorno” e são seus amigos.

Ciro estava na sessão, e saiu em defesa de Flávio no episódio em que o filho do presidente levou ao presidente do BNDES, Gustavo Montezano, o dono da Precisa.

Willer conseguiu blindagem na CPI. Não há provas e documentos que tenham sido colhidos em relação a ele.

Sobre a amizade com Ciro, o advogado afirmou: “O ministro é um senador da República muito conhecido em Brasília e desconheço métrica objetiva para medir níveis de amizade”.

Willer afirmou que a mansão foi colocada em um site de locação de imóveis e que havia uma placa de “aluga-se” na frente, vista pelo senador.

Segundo ele, o aluguel de R$ 15 mil está dentro dos valores de mercado, e houve um desconto de R$ 3 mil –o valor inicial era R$ 18 mil. Não há ilegalidade no uso de uma empresa pelo ministro para alugar o imóvel, segundo o dono da casa.

Willer disse ser amigo de políticos, como o presidente da Câmara, da mesma maneira que é amigo de mecânicos, por exemplo.

Quando o repórter pediu para o advogado enumerar seus amigos na política, ele se exaltou. Levantou-se, começou a gritar e a chamar o repórter de “moleque”. Aos berros, pediu para o repórter deixar o escritório, onde apresentou o contrato de aluguel no último dia 17. “Publica e eu te coloco na cadeia”, disse.

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