Descrição de chapéu
Vinicius Torres Freire

Pouco animada, gente da Paulista parecia mais tio de zap do que batalhão fascista, apesar do discurso

Além das palavras dos cartazes, clima era muito pacífico, um domingo no parque fascistoide

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No carro de som, Jair Bolsonaro cometia mais alguns crimes de responsabilidade em um discurso não muito diferente daquele que temos ouvido faz bem mais de ano e meio.

Sim, chamou ministros do Supremo de canalhas e disse que vai ignorar decisões deles, motivo fácil de processo de impeachment já amanhã. No chão da avenida Paulista, a animação não era muito lá muito grande.

De mais notável era a quantidade de cartazes e faixas escritos em um arremedo de inglês, talvez metade deles, afora alguns em italiano e espanhol. De mais novo, pediam a destituição dos ministros do Supremo, diziam “Fora Xandão”, “F. o Supremo”, “Votei no presidente, não no STF” ou reivindicavam um “tribunal constitucional militar”.

Diziam “Queremos um STF que cumpra a nossa Constituição. SOS Forças Armadas” (em inglês), “Supremo Talibã Federal”, “11 communist judges”, “Bolsonaro, chame as Forças Armadas para erradicar o comunismo do Brasil” (em inglês) etc.

Era possível comprar cartazes prontos por R$ 10, bandeiras por R$ 5, camisetas “7 de Setembro com Bolsonaro” por R$ 30 e faixinhas por R$ 2, no cartão ou no Pix. Gente que veio em comitivas do interior usava camisetas: “Itupeva”, “Boituva”, “Atibaia”, “Botucatu” etc.

O público não parecia militante, como não costuma parecer nas manifestações bolsonaristas em São Paulo. Havia muitas famílias com um ar um tanto cansado, gente sem pinta de engajado político, no máximo com jeito de “tios do zap”, em geral na casa dos 40 anos ou mais.

Fisicamente, não pareciam as falanges de uma Marcha sobre São Paulo mussoliana, nem de longe, embora as motociatas pareçam. Além das palavras dos cartazes, o clima era muito pacífico, um domingo no parque fascistoide, cheio de polícia, como era o caso da cidade quase inteira.

O pessoal dos carros de som era de meter medo, sim, mas seus slogans, assim como o discurso de Bolsonaro, não suscitavam mais do que uns gritos coletivos de “mito”, “eu autorizo” e “supremo é o povo”, que duravam pouco.

A mais ou menos 60 metros do carro de Bolsonaro, já não se ouvia direito o discurso, aquela barafunda assintática iletrada, para piorar. Em pelo menos dois carros, havia mulheres com cocares. Ao lado delas, pessoas desconhecidas diziam que tinha ficado presas por um ano, por serem “conservadoras”. O ataque do STF à “liberdade” dava o tom de muita falação.

A gente que estava na Paulista reagia um tanto como o povo de programas de auditório em dia ou momento de atrações fracas, apesar da animação no momento da chegada do “mito”. O dia foi parecido com outros “protestos” dos bolsonaristas na Paulista, em resumo —a diferença era o estágio do programa golpista de Bolsonaro.

Foi uma tarde bem menos animada e muitíssimo menos lotada do que as manifestações que pediam a cabeça de Dilma Rousseff. Neste 7 de Setembro, pedia-se a “cabeça de ovo” de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo, objeto central dos protestos.

As pessoas não pareciam pobres, nem de longe, até porque os pobres de São Paulo moram longe —a maioria foi expulsa para a periferia faz décadas e mal tem dinheiro da condução para vir à região central para trabalhar, que dirá para perder o dia de folga.

O público parecia a gente habitual que anda pela Paulista, por seus metrôs, pelo Parque Ibirapuera de domingos lotados ou que enchia saguões do embarque nacional do aeroporto de Guarulhos nos anos petistas melhores.

Menos ainda tinha cara de ricos, que não perderiam um feriado na praia, no sítio ou no clube para pegar Covid em um Paulista com muita sujeira pelo chão, ainda mais com a dificuldade de estacionar, um impeditivo sério.

Sim, a maioria dos manifestantes não usava máscaras. Ainda que o olhômetro faça más estatísticas, por várias vezes contei 100 pessoas que cruzavam o meu caminho. Pelo menos duas de três não usavam máscara, no mínimo.​

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