Diretor da ANS diz que soube do caso Prevent pela CPI, e senadores apontam omissão da agência

Rebello Filho anuncia medida para acompanhar ações internas da operadora após denúncias

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Brasília

O diretor-presidente da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), Paulo Roberto Rebello Filho, afirmou que a agência iniciou uma série de medidas contra a Prevent Senior, mas reconheceu que a ofensiva se deu apenas após a divulgação dos fatos pela CPI da Covid. Os membros do colegiado então apontaram uma grave omissão da agência.

Rebello Filho prestou depoimento nesta quarta-feira (6), após ter sido convocado para explicar as ações e eventuais omissões da ANS em face das denúncias contra a Prevent.

A operadora entrou no radar da CPI após a elaboração de um dossiê por médicos que apontam que os hospitais da rede eram usados como laboratórios para o tratamento precoce contra a Covid-19, com medicamentos sem eficácia comprovada para combater a doença.

Os profissionais apontam que eram obrigados a receitar remédios como a hidroxicloroquina e não deviam avisar os pacientes e familiares. Em depoimento à comissão, o diretor-executivo da Prevent, Pedro Benedito Batista Júnior, reconheceu que havia um protocolo para alterar o código da doença dos pacientes, para retirar a Covid dos prontuários após determinados dias de internação.

O diretor-presidente da ANS, Paulo Roberto Rebello Filho, durante depoimento à CPI da Covid
O diretor-presidente da ANS, Paulo Roberto Rebello Filho, durante depoimento à CPI da Covid - Edilson Rodrigues/Agência Senado

O diretor-presidente da ANS anunciou a instauração de uma “direção técnica” na Prevent Senior, após a apuração indicar “pontos sensíveis” e “indícios de falhas operacionais”. A medida consiste em designar um diretor para acompanhar de dentro da operadora as ações e medidas colocadas em prática.

Rebello Filho buscou transmitir a mensagem de que a agência agiu rápido, determinando diligência no dia após tomar conhecimento das denúncias.

"No curso das apurações, foram verificados elementos que contradizem a versão inicial apresentada pela operadora. Desta forma, foram constatados indícios de infração para conduta de deixar de comunicar os beneficiários as informações estabelecidas em lei ou pela ANS tipificadas no artigo 74 da resolução 124, em virtude do que a ANS lavrou um auto de infração estando a operadora na figura de investigada perante a agência", afirmou.

O passo seguinte foi uma medida administrativa, chamada de visita técnica-assistencial.

"E após a avaliação dos fatos, há pontos sensíveis e indícios de falhas operacionais, então dessa feita a operadora será notificada acerca da instauração de regime especial de direção técnica, a qual possui um rito específico que será devidamente observado pelos técnicos da ANS. Tal regime especial tem o propósito um acompanhamento mais próximo da ANS, não sendo seu objetivo final a retirada da operadora do mercado, mas garantir a manutenção da qualidade assistencial aos beneficiários", disse no depoimento.

"Sim [a medida entrará em vigor imediatamente], vamos só concluir, tem um relatório preliminar, um rito interno dentro da agência e vamos dar início à direção técnica, enviando um diretor-técnico para estar acompanhando diariamente os fluxos e os processos dentro da operadora em questão", completou.

Segundo resolução normativa da agência, cabe ao diretor-técnico nomeado pode propor à ANS o afastamento de diretores da operadora de saúde, pedir que a agência vete ações da empresa, pedir informações e pode mesmo pedir a retirada "ordenada" da operadora do mercado.

"Ele não tem poder de gestão, mas pode sugerir ações para a ANS", afirmou o diretor.

Pelas regras da ANS, o diretor-técnico deve preferencialmente ter "experiência em saúde ou regulação de saúde" e atuar na área de saúde suplementar ou em instituições financeiras. O salário desse fiscal, cerca de R$ 14 mil, é pago pela operadora.

Os membros da comissão elogiaram a medida, mas foram praticamente unânimes ao apontar que ela foi tomada de maneira tardia, deixando assim de evitar mortes nos hospitais da operadora.

Rebello Filho anunciou que apenas tomou conhecimento das denúncias contra a Prevent Senior através da CPI da Covid e que nenhum relato de irregularidades chegou diretamente à agência.

“Desde março deste ano já se denunciava, por jornais, blogs”, afirmou o senador Otto Alencar (PSD-BA).

“Sinceramente, não me convence que só depois da CPI é que vossa excelência tomou conhecimento disso”, completou.

Humberto Costa (PT-PE), por sua vez, disse que a agência “falhou”.

“A própria ANS recebeu termos de consentimento para as pessoas se submeterem àquela pesquisa escabrosa que foi feita lá, cheios de imperfeições, incompletos, e a ANS não tomou uma atitude. Então, ela falhou sim, e não é crime reconhecer que ela falhou”, afirmou.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentou um dossiê com denúncias contra a Prevent, que teria sido encaminhado à ANS. A documentação contraria versão dada por Paulo Roberto Rebello Filho, que disse em seu depoimento que apenas tomou conhecimento das denúncias contra a operadora através da CPI.

Randolfe mostrou uma série de mensagens que foram encaminhadas para a operadora em abril deste ano. "Nós temos esse documento aqui, que é da Agência Nacional de Saúde Suplementar, em resposta a uma denunciante, a uma profissional de saúde que fazia denúncia contra a operadora."

O documento indica uma série de mensagens de gestores da Prevent Senior determinando que os profissionais deveriam obrigatoriamente receitar hidroxicloroquina. Em uma das mensagens, a diretora da operadora afirma "espirrou, toma [cloroquina]", escreveu. "Os resultados estão ótimos."

Rebello Filho disse que apenas tomou conhecimento dessas denúncias nesta segunda-feira (4) e pediu para a CPI que repasse a documentação, sem saber explicar por que o caso não avançou.

Em outro momento, o diretor afirmou que a agência não seria responsável por apurar denúncias relativas à administração de medicamentos sem eficácia, como a hidroxicloroquina. Disse que essas acusações devem ser encaminhadas aos conselhos de medicina.

O diretor disse que a ANS recebeu 38 reclamações relativas ao "kit Covid".

"Nós levantamos essas informações, em que encontram-se 38 reclamações específicas relacionadas ao 'kit Covid'", afirmou.

"E as nossas respostas são nesse sentido de que não compete à agência qualquer tipo de interferência na prescrição do médico em razão da sua autonomia, cabendo, sim, ao Conselho Federal de Medicina e aos Conselhos Regionais de Medicina", completou.

Rebello Filho reconheceu que foi chefe de gabinete do atual líder do governo Bolsonaro na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR). O vínculo se deu quando Barros foi ministro da Saúde, entre 2016 e 2018, no governo Michel Temer (MDB).

O depoente, no entanto, negou que o deputado tenha influenciado na sua indicação para o cargo na ANS. Disse que o responsável pela indicação foi Gilberto Occhi, que sucedeu Barros no Ministério da Saúde.

"Sendo chefe de gabinete do Ricardo Barros, ele não teve participação na sua indicação? Está faltando com a verdade", disse Otto Alencar, que presidiu a sessão nesta quarta-feira.

Antes da sessão, o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou que seu texto final deve recomendar o indiciamento de até 50 pessoas.

"Continuamos estudando, ainda não temos um número fechado. Mas com certeza devemos passar de 40, poderemos chegar a 50. Mas ainda não temos essa definição", disse o emedebista.

Ele não deu detalhes, mas já havia afirmado que o presidente Jair Bolsonaro "com certeza" estará na lista de autoridades que o documento vai propor o indiciamento. Renan disse ainda que muitos dos que podem ter o indiciamento recomendado são os que figuram atualmente na lista de investigados formais.

O blogueiro bolsonarista Allan dos Santos foi incluído no rol nesta quarta-feira.

"Ele está sendo investigado em função das fake news e na participação nas fake news no enfrentamento à pandemia. Está sendo investigado pelo Supremo Tribunal Federal e a partir de agora está sendo levado à condição de investigado por essa comissão parlamentar de inquérito", afirmou Renan.

O relator acrescentou à lista o empresário bolsonarista Otávio Fakhoury, o diretor da Precisa Medicamentos Danilo Trento e o empresário Marcos Tolentino, acusado de ser sócio oculto da empresa que deu garantia para a compra da vacina indiana Covaxin. Também foi tornado investigado o presidente do CFM (Conselho Federal de Medicina), Mauro Luiz de Britto Ribeiro.

Renan declarou que seu texto deve propor algumas medidas para auxiliar famílias que foram afetadas pela pandemia com a perda de parentes. Disse que vai "responsabilizar o Estado".

"Vamos propor criar uma pensão especial de um salário mínimo para órfãos cuja renda familiar não permita sobrevivência até completar 21 anos. E incluir a Covid entre as doenças que podem ensejar, com perícia, a aposentadoria por invalidez. Vamos trazer essa proposta para discussão desse colegiado."

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