Trans escalam puxadoras de voto e miram Brasília com plano de bancada na Câmara

Pré-candidatas esperam resistência na política federal e devem discutir garantias à população LGBTQIA+

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São Paulo e Recife

Após quase três dezenas de pessoas transexuais chegarem à política municipal nas eleições de 2020, grupos articulam a formação de uma bancada trans pela primeira vez na Câmara dos Deputados.

Algumas dessas parlamentares acumularam capital político nos últimos anos em esfera local e são vistas pelos partidos como possíveis puxadoras de votos. A lista de pré-candidatas trans também conta com ativistas, celebridades e influenciadoras.

Elas pretendem chegar à política nacional com o objetivo de estabelecer ações para a população LGBTQIA+ e garantir conquistas deste grupo, mas já sabem que encontrarão forte reação de grupos conservadores a esta agenda e também a suas presenças.

As parlamentares trans vivem hoje uma rotina de ameaças de morte, perseguição política e boicote, conforme a Folha mostra em uma série de reportagens.

Paula Benet com o rosto de lado e ao fundo o Congresso Nacional. Atrás dela, uma bandeira trans
Paula Benett, pré-candidata a deputada federal pelo PSB do Distrito Federal - Gabriela Biló/Folhapress

Pré-candidata à Câmara pelo PSOL, Robeyoncé Lima hoje é integrante do mandato coletivo Juntas na Assembleia Legislativa de Pernambuco.

"Temos a perspectiva pela primeira vez de eleger parlamentares trans no Congresso Nacional. Em 2018, conseguimos nas Assembleias, mas no nível federal ainda não. Estamos querendo fazer uma bancada trans no Congresso Nacional pela primeira vez", afirma.

Para ela, esse grupo na Câmara será importante porque demandas da comunidade trans acabam sufocadas por grupos conservadores articulados e expressivos no Congresso, como a bancada evangélica.

"O que queremos é legislar sobre nós mesmas e sobre a nossa necessidade, e não que a bancada do boi, da Bíblia e da bala legisle sobre nós. E não retroceder e estar num espaço onde nunca estivemos", afirma Robeyoncé.

No ano passado, entidades e parlamentares trans ensaiaram a entrada na política nacional ao lançar a Frente Nacional Transpolítica, que visa estimular políticas voltadas à população LGBTQIA+.

"Em 2018, com a eleição de Jair Bolsonaro, as portas do fundamentalismo se abriram completamente em nosso país. Nesses quase três anos de desserviço bolsonarista, a população LGBTQIA+ vem sofrendo com perseguições e retrocessos institucionais e sociais", diz o manifesto, que estabelece uma série de objetivos.

No grupo, há alguns dos nomes que estarão nas urnas neste ano. Entre as signatárias estão pré-candidatas vistas no meio político como possíveis puxadoras de votos, caso da vereadora Erika Hilton e da deputada estadual Erica Malunguinho, ambas do PSOL.

De acordo com levantamento da Folha, ao menos 6 das 27 parlamentares trans já anunciaram pré-candidatura para uma vaga em Assembleias Legislativas, na Câmara dos Deputados ou no Senado.

Embora as listas ainda estejam em formação, partidos já vêm anunciando algumas de suas apostas para as casas –por enquanto, em sua maioria, elas estão em siglas de esquerda e centro-esquerda.

Nas eleições municipais de 2020, PT, PSOL e PDT foram os partidos que lideraram as candidaturas trans. As três siglas, somadas ao PSB, PV e PCB, alcançaram 125 das 275 candidaturas.

Embora muitos partidos de direita e centro-direita tenham pouca afinidade com as pautas trans, a maioria das candidaturas ainda ficou pulverizada entre essas siglas, dominantes em cidades do interior.

Thabatta Pimenta, eleita vereadora em Carnauba do Dantas (RN), estava entre elas. Ela foi eleita pelo Pros, mas mudou de partido e agora é aposta do PSB para a Câmara ou a Assembleia Legislativa.

"Temos que estar em partidos que nos enxerguem e vejam o que podemos fazer por todas essas pessoas. E partidos que saibam a importância de mulheres trans ocupando esses espaços", afirma.

O PSB ainda tem ao menos mais duas apostas para a bancada trans, a ex-BBB Ariadna Arantes, por São Paulo, e Paula Benett, pelo Distrito Federal.

Ex-gestora de políticas LGBTQIA+ no Distrito Federal, Paula diz ter já ter sido alvo de ataques logo ao lançar sua pré-candidatura.

"Eles confundem liberdade de expressão com liberdade de opressão. E querem nos intimidar para que a gente desista. Tudo aquilo que não se encaixar em padrões, esse sistema vai querer tratorar e nos excluir desse processo. Seremos desbravadoras", diz Paula.

Para ela, a presença da população trans entre os representantes eleitos é importante, entre outros pontos, por ajudar a desconstruir o preconceito. "O meu objetivo é ser uma ponte e dar voz a grupos vulnerabilizados, excluídos e silenciados", diz.

Embora nunca tenha havido nenhuma pessoa transexual na Casa, deputados federais mulheres e homossexuais acumulam ataques vindos de colegas e também de fora. O ex-deputado federal Jean Wyllys (PT e ex-PSOL), por exemplo, renunciou ao mandato após uma série de ameaças, antes mesmo de tomar posse para o terceiro mandato.

Se chegarem, essas candidatas não esperam uma situação diferente.

"Nós sabemos que não seremos bem-vindas", diz Erika Hilton, que já sofreu diversas ameaças ao longo do mandato. Uma das apostas do PSOL, a vereadora que se elegeu com 50 mil votos afirma que a expectativa é um momento de refundação do país e, para isso, a presença de mulheres e da população LGBTQIA+ é fundamental.

Para o CEO da consultoria Mais Diversidade, Ricardo Sales, a possibilidade da formação de uma bancada trans deve trazer, finalmente, discussões importantes relativas a esse público que não acontecem hoje no Congresso.

"Se olhar para o Brasil nos últimos dez anos houve uma série de conquistas para a população LGBT, mas tudo veio a partir de interpretações progressistas do STF [Supremo Tribunal Federal], que tem uma composição transitória, que muda", diz.

Sales cita o reconhecimento da união homoafetiva, facilitação para retificação do nome de pessoas trans, fim da proibição da doação de sangue por homossexuais e transexuais e a criminalização da LGBTfobia.

"São conquistas que devem ser celebradas, mas a gente tem que atentar para a fragilidade delas", diz, citando o exemplo sobre como a Suprema Corte dos Estados Unidos deve mudar o direito ao aborto.

A Folha procurou os principais partidos sobre o assunto.

Entre as apostas do PT, está Simmy Larrat, presidente da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos). No PDT, a vereadora Duda Salabert (PDT), de Belo Horizonte, é cotada para disputar uma vaga na Câmara ou no Senado —em 2018, ela foi candidata a senadora, mas não venceu.

"Prometi cumprir o meu mandato, no entanto, sofri três ameaças de morte de um grupo de ódio. Após isso, fiz reunião com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e representantes da ONU que ficaram preocupados com minha vida. E uma candidatura em esfera federal garantiria mais segurança para mim", diz. "Além disso, as bandeiras que a gente carrega são bandeiras cujo debate também acontece nas eleições deste ano", acrescenta.

Robeyoncé Lima, do PSOL, pré-candidata à Câmara dos Deputados por Pernambuco
Robeyoncé Lima, do PSOL, pré-candidata à Câmara dos Deputados por Pernambuco - Arquivo pessoal

O MDB deve ter a jornalista Léo Aquila como candidata à Câmara. A reportagem procurou outros partidos mais à direita, mas não obteve respostas.

Na esfera regional, as siglas também têm apostas para as Assembleias Legislativas —hoje, a única deputada estadual é Erica Malunguinho.

Benny Briolly (PSOL), vereadora de Niterói, deverá tentar uma vaga na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro). Do mesmo partido, Linda Brasil é cotada ao Legislativo estadual de Sergipe.

No PT, Lins Roballo , vereadora de São Borja (RS), Luísa Cruz (MG) e Dandara Felicia (DF) deverão ser candidatas aos Legislativos estaduais/distrital.

O MDB, em Alagoas, deverá lançar a influencer Bianca Nunes a deputada estadual.

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