Descrição de chapéu vale do javari

Bolsonaro diz que Dom era malvisto na Amazônia e deveria ter tido mais atenção

Presidente é criticado por desrespeito a jornalista, que tem trabalho defendido por indígenas

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Brasília

O presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou nesta quarta-feira (15) que o jornalista britânico Dom Phillips, 57, desaparecido na Amazônia, "era malvisto na região" porque fazia reportagens contra garimpeiros e que ele deveria ter tido mais atenção "consigo próprio".

Em entrevista à jornalista Leda Nagle, simpatizante do bolsonarismo, o chefe do Executivo disse que Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Pereira, 41, "resolveram entrar numa área completamente inóspita sozinhos, sem segurança".

As declarações de Bolsonaro foram criticadas por entidades, que apontaram o desrespeito do presidente pelo jornalista. Elas ocorreram diante de questionamentos à atuação do Executivo tanto na reação inicial para a busca do indigenista e do jornalista como devido à atuação do governo na região.

Na segunda (13), indígenas da região do Vale do Javari fizeram uma manifestação contra o governo Bolsonaro, contra as invasões à terra indígena e em defesa do trabalho feito pelo indigenista e pelo jornalista.

Caminhões com telas exibem imagem e mensagens sobre desaparecimento do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira
Caminhões com telas exibem imagem e mensagens sobre desaparecimento do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira pelas ruas de Los Angeles (EUA), onde ocorre a Cúpula das Américas - Divulgação

A Anistia Internacional disse que "os comentários cruéis e insensíveis do presidente Bolsonaro caracterizaram a insensibilidade do manejo das autoridades na busca pelos dois desaparecidos".

Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o pesquisador Aiala Couto disse que o posicionamento de Bolsonaro incentiva ainda mais a violência relacionada ao garimpo, ao desmatamento e à exploração ilegal de madeira na Amazônia.

"É um ato covarde de um presidente, que fundamenta o avanço da violência contra ambientalistas, lideranças indígenas e também contra jornalistas que denunciam os problemas na Amazônia."

Natalia Mazotte, presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), questionou a forma como Bolsonaro se refere a repórteres. "Não é a primeira vez que o presidente da República trata o jornalismo como, no mínimo, um incômodo. E sempre com muito desrespeito."

Para Maria José Braga, presidente da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), com a declaração, Bolsonaro tenta novamente "descredibilizar" o trabalho do profissional de imprensa.

À tarde, em evento no Palácio do Planalto, Bolsonaro afirmou que o episódio deveria chegar a um desfecho ainda nesta quarta. "A gente lamenta o desaparecimento. Inglês e um brasileiro, que sabiam dos perigos da região e, pelo que tudo indica, nas próximas horas, pelo que tudo indica, será desvendado esse desaparecimento."

Ele se queixou ainda de que estaria sendo culpado pelo desaparecimento dos dois. "Quando mataram a Dorothy Stang, ninguém culpou o governo. [O governo] Era de esquerda, mas tudo bem". A missionária foi assassinada em 2005, tentando proteger trabalhadores rurais em um conflito agrário no Pará.

Também nesta quarta, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, afirmou estar "profundamente preocupado" com o fato de seu conterrâneo ainda não ter sido encontrado na Amazônia.

Bolsonaro comentou o caso, mas não falou sobre a afirmação de Johnson. "Esse inglês [Phillips] era malvisto na região, porque fazia muita matéria contra garimpeiros, questão ambiental, então, naquela região lá, que é bastante isolada, muita gente não gostava dele", afirmou.

"Ele tinha que ter mais que redobrada atenção para consigo próprio e resolveu fazer uma excursão. A gente não sabe se alguém viu e foi atrás dele, lá tem pirata no rio, lá tem tudo que possa imaginar lá", disse.

O mandatário afirmou que os dois desaparecidos deveriam estar armados para se protegerem na região. "É muito temerário você andar naquela região sem estar devidamente preparado fisicamente e também com armamento devidamente autorizado pela Funai, que pelo que parece não estavam."

O presidente disse que, caso os dois tenham sido assassinados, podem não ter os corpos encontrados.

"Aquela região, você pode ver, pelo que tudo indica, se mataram os dois, se mataram, espero que não, eles estão dentro d’água e dentro d’água pouca coisa vai sobrar, peixe come, não sei se tem piranha lá no Javari. A gente lamenta tudo isso aí", afirmou.

O chefe do Executivo também voltou a criticar o ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), por ter dado uma decisão em que mandou o governo adotar todas as providências possíveis para encontrar Phillips e Pereira.

"Barroso podia dar cinco dias também para achar os 60 mil", disse, em relação ao número de desaparecidos no país. E prosseguiu: "Vem sentar na cadeira para dar dica de como achar os 60 mil desaparecidos e não só dois que estão lá porque todos merecem dedicação".

No começo da semana, cerca de 200 indígenas protestaram pelas ruas de Atalaia do Norte. A manifestação foi organizada pela Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), que representa sete etnias e defende os indígenas isolados que estão no território.

O protesto foi contra o governo Bolsonaro, contra a falta de fiscalização da atuação de invasores e uma forma de manifestação da indignação com o desaparecimento de Pereira e Phillips.

O indigenista é servidor licenciado da Funai (Fundação Nacional do Índio) e atuava, pela Univaja, em defesa da terra indígena.

Na terça (14), o Itamaraty disse que pediu desculpas à família de Phillips por ter repassado, na véspera, "informações que se mostraram incorretas." Na segunda (13), um funcionário da embaixada do Brasil em Londres comunicou familiares que os corpos do jornalista e do indigenista tinham sido encontrados —informação posteriormente negada pela Polícia Federal.

"O Itamaraty confirma o envio de comunicação do embaixador do Brasil em Londres [Fred Arruda] dirigida hoje [terça] a familiares do jornalista britânico Dom Phillips, na qual lamentou e pediu desculpas por terem sido repassadas, pela embaixada, informações que se mostraram incorretas", disse o Itamaraty, em nota. ​

Colaboraram Herculano Barreto Filho e Carlos Madeiro, do UOL em São Paulo e em Maceió

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