Governo diz ao Iphan que bandeiras gigantes no Planalto e Alvorada são por Bicentenário e feriado

Bolsonaro mandou estender símbolo nacional nos palácios e disse que "ninguém vai ter a coragem" de mandar retirá-las

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

O governo federal disse ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) que duas bandeiras gigantes do Brasil foram colocadas nas fachadas do Palácio do Planalto e do Palácio da Alvorada em comemoração ao Bicentenário da Independência e à Proclamação da República.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) mandou estender em 14 de outubro uma grande bandeira do Brasil no Palácio do Planalto, ocupando parte de sua fachada.

Uma bandeira semelhante foi posicionada no Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente. Bolsonaro desafiou numa transmissão nas redes sociais alguém a mandar retirá-las. Sem citar nomes, disse que "ninguém vai ter a coragem".

Bandeira do Brasil na fachada do Palácio do Planalto, em Brasília - Gabriela Biló-14.out.22/Folhapress

A iniciativa havia sido antecipada pelo próprio mandatário em transmissão ao vivo em redes sociais com um grupo de apoiadores de Minas Gerais.

Desde 1987, os dois palácios são considerados Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Por isso, não podem ter suas dinâmicas arquitetônicas desrespeitadas.

Segundo especialistas ouvidos pela Folha, deveria haver uma autorização prévia do Iphan antes que as bandeiras fossem afixadas. No entanto, o pedido ainda está sendo analisado pelo órgão federal.

"O Iphan recebeu solicitação da Secretaria Especial de Administração do Palácio do Planalto para colocação da Bandeira Nacional, até 19 de novembro do corrente ano, nos Palácios do Planalto e da Alvorada, em alusão às comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil, bem como do Dia da Proclamação da República (15 de novembro) e do dia da Bandeira Nacional (19 de novembro). A consulta está sendo analisada", disse o órgão, em nota.

José Leme Galvão Jr., ex-superintendente do Iphan e representante do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil) no Conselho de Patrimônio do Distrito Federal, afirma que a lei não permite a construção ou fixação de anúncio ou cartazes em bem tombado que reduza a sua visibilidade.

Por ser um símbolo nacional, a bandeira do Brasil pode não ser classificada como um anúncio ou cartaz. Entretanto, Galvão Jr. avalia que a colocação é no mínimo imoral por causa das eleições e da representatividade que tem na campanha.

Jurema Machado, arquiteta e urbanista especialista em patrimônio cultural, opina ser comum que prédios públicos tenham lugares de fixação de bandeiras em suas fachadas sem que seja necessária autorização especial de órgão responsável pelo patrimônio. Ela cita como exemplo o mastro monumental da Praça dos Três Poderes.

"O que ocorre no momento é diferente. A instalação [das bandeiras] foge a qualquer propósito cívico e adota outra escala: utiliza um aparato gigantesco, mal enjambrado, um tecido que recobre quase um terço das fachadas do Alvorada e do Planalto", diz.

"Ao interromper a leitura dos edifícios, desvaloriza o patrimônio que é de interesse de todos os brasileiros e reconhecido como Patrimônio da Humanidade. Sem falar que o Iphan deve estar preocupado, no mínimo, como terá sido feita a fixação nos prédios e nos jardins, para suportar a carga de vento sem danificar o bem público".

Romina Capparelli, arquiteta e urbanista do grupo Urbanistas de Brasília, diz ainda que existe uma portaria de 2016 que estabelece os critérios e procedimentos para instalações provisórias em edifícios públicos.

Entre o edifício do STF (Supremo Tribunal Federal) e o Palácio do Planalto, há a permissão de colocar somente tendas de apoio, palcos pequenos com permanência máxima de quatro dias incluindo o tempo para montagem e desmontagem.

"São várias irregularidades que têm em tudo isso. Eu não vejo por onde a assessoria técnica do Iphan possa autorizar essas instalações, sem contar que ela foi feita antes de ter sido solicitada", avalia.

Em 14 de outubro, o TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Pará negou um pedido da Federação Brasil da Esperança, formada por PT, PC do B e PV, para retirar a bandeira do prédio que abriga a chamada Igreja Mãe em Belém, que é a mais antiga Assembleia de Deus do país.

A decisão foi o pretexto usado por Bolsonaro para decidir estender a bandeira em Brasília.

"Hoje por exemplo, não vi o final da decisão de uma juíza. Mas o PT entrou na justiça para que uma igreja lá de Belém do Pará, que tem uma bandeira enorme do Brasil na entrada, fosse retirada, porque o PT diz que aquilo é propaganda eleitoral para o JB [Jair Bolsonaro]. Dessa vez, a juíza agiu corretamente. É um símbolo nacional, é um orgulho vermos uma bandeira do Brasil por aí, em local de destaque e logicamente temos que tratar de forma respeitosa. Mas o PT quis retirar a bandeira de lá", afirmou o presidente na transmissão, à época.

"Hoje pedi para aquele bandeirão que existe lá em Brasília, pegar uma usada, enorme, mandei botar lá no Alvorada, que é a minha casa. Acho que ninguém vai ter a coragem de falar 'retira daí se não vou te dar uma multa de não sei quanto por dia'. É a nossa bandeira do Brasil. A questão da censura vai devagar. Certas coisas você não perde de uma hora para outra. Você perde com o tempo", completou.

No momento em que antecipou sua ordem de colocação da bandeira nacional, Bolsonaro estava respondendo perguntas sobre censura e sobre "perseguição cristã".

As debatedoras na transmissão, todas apoiadoras do presidente, apontaram que suas redes sociais estavam sofrendo com quedas recentes e atribuíram isso ao apoio dado ao presidente.

Em um vídeo nas redes sociais, o filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), exaltou a colocação da bandeira do Brasil. As imagens mostram o exato momento em que o pavilhão está sendo estendido. "A nossa bandeira jamais será vermelha", escreveu o senador na ocasião.

O Palácio do Planalto, a Secretaria de Cultura do governo federal e a Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal foram procuradas, mas ainda não se manifestaram.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.