Norma do TSE dá agilidade contra fake news, mas liberdade de expressão preocupa

Resolução gera dúvidas sobre poder de polícia, e especialistas citam riscos de regra criada na reta final da eleição

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São Paulo

Especialistas em desinformação afirmam que a resolução do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) desta quinta-feira (20) deve gerar agilidade na remoção de fake news no segundo turno. A avaliação geral é que a norma, no entanto, tem uma redação ambígua, não deixa claro a extensão do poder de polícia da Justiça eleitoral e incorpora riscos à liberdade de expressão.

A resolução terá um impacto direto nas redes sociais, que deverão remover conteúdos inverídicos em até duas horas, sob pena de multa de R$ 100 mil por hora, o que é extraordinário na Justiça brasileira.

A resolução não foi bem recebida pelas empresas. Interlocutores das redes sociais entenderam que a cobrança sobre desinformação caiu apenas sobre elas, eximindo políticos.

Celular com logotipos de redes sociais; plataformas terão duas horas para remover conteúdos na reta final da eleição
Celular com logotipos de redes sociais; plataformas terão duas horas para remover conteúdos na reta final da eleição - Denis Charlet/AFP

O segundo turno tem sido marcado por um volume maior de ataques pessoais e conteúdos distorcidos ou descontextualizados, o que pressionou a corte eleitoral e as plataformas por uma atuação mais ostensiva.

A nova resolução é assinada pelo ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, que avaliou como desastroso o cenário de fake news.

Com a nova regra, a presidência do TSE poderá ordenar a remoção de conteúdos falsos ou descontextualizados que já foram julgados em outras ações pelo tribunal. Até agora, a corte precisava ordenar apenas a URL que continha fake news, e então novos vídeos, textos e áudios com conteúdo semelhante logo voltavam a ser difundidos.

"Fazer uma remoção sem precisar de uma nova decisão gera um ganho abissal de agilidade", diz Samara Castro, advogada coordenadora de comunicação da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político).

"O TSE costuma determinar que o réu não divulgue um conteúdo, aí o réu chama as pessoas para divulgarem, então as decisões estavam nascendo sem efetividade."

A Folha ouviu cinco advogados e especialistas de organizações da sociedade civil para discutir as novas medidas. A maioria citou ganho na agilidade na eliminação de mentiras reincidentes.

"Se já houve uma decisão num processo normal, é mais do que lógico que os conteúdos idênticos postados em condições sem mudança de contexto também tenham que ser removidos", diz Bia Barbosa, integrante da Coalizão Direitos na Rede. "Não precisava acontecer só agora, porque era muito óbvio que esse tipo de prática iria acontecer."

A discussão sobre remover apenas URLs ou conteúdos reincidentes não é nova na Justiça Eleitoral. Até agora, as plataformas conseguiram se blindar e ficaram restritas a derrubar apenas o endereço eletrônico indicado.

Um dos pontos sensíveis dessa regra é que caberá apenas ao TSE decidir o que é idêntico –a mesma mentira pode ser contada de várias maneiras—, e a punição em caso de descumprimento pode levar à suspensão de contas e até bloqueio de redes sociais, o que é encarado como temerário para a liberdade de expressão.

O texto diz que o descumprimento reiterado de ordens contra a produção sistemática de desinformação sobre o processo eleitoral pode levar à "suspensão do acesso aos serviços da plataforma implicada" por até 24 horas.

Para André Giacchetta, advogado do Pinheiro Neto que atua por plataformas no tema de propaganda eleitoral na internet, o TSE tem conseguido garantir remoções, mas não desestimular a produção de conteúdos danosos.

Ele pondera que o objetivo em combater a desinformação é justificável, mas diz que sua impressão é que as plataformas são vistas como único mecanismo de solução para a degradação das campanhas.

"Onde entra a participação das campanhas? Qual será a contribuição e eventual responsabilidade para se evitar a propagação de desinformação? Como serão responsabilizadas em eventual reiteração dessas condutas?"

Na sua leitura, o TSE terá poder de polícia –ou seja, agir sem representação de outro órgão– não apenas em casos nos quais já julgou um conteúdo, mas em qualquer desinformação relacionada à integridade do pleito.

Isso porque um artigo proíbe fatos inverídicos e descontextualizados sobre votação, apuração e totalização de votos, e o artigo seguinte diz que o tribunal determinará a imediata remoção de conteúdos do tipo.

A interpretação é consensual entre quatro especialistas, que afirmaram que a redação do texto é ambígua e pode dar poder de polícia mais amplo ao TSE, não apenas em casos de fake news reincidentes.

"Não está totalmente claro. Compreendo que o TSE pode agir de ofício, no âmbito do seu poder de polícia, para determinar a retirada de conteúdo que veicula desinformação. É preciso dizer, contudo, que esse agir de ofício não é muito usual", diz Ana Carolina Clève, presidente do Iprade (Instituto Paranaense de Direito Eleitoral).

A criação de uma nova regra na reta final da eleição também não foi encarada com bons olhos. "É como um juiz que na final da Libertadores sai dando cartão vermelho para todo mundo. Fica amarrado com espectro político e isso não é bom para decisões da Justiça. Se o tribunal tinha isso na manga, tinha de ter feito no início do pleito. Agora cabe entender o que é razoável e o que é absurdo", afirma Francisco Brito Cruz, diretor-executivo do InternetLab.

O TSE também vedou, a 48 horas da eleição e 24 horas depois, conteúdos pagos na internet. Como as plataformas não têm fiscalização sobre anúncios eleitorais, que são autodeclaratórios, a medida pode aumentar a transparência.

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