'Recuperei as fotos feitas nos ataques de 8 de janeiro exatamente um mês depois'

Fotógrafo da Folha foi agredido e teve equipamento roubado no dia dos atos antidemocráticos; conseguiu recuperar câmera com fotos feitas naquele dia

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Brasília

Exatamente um mês após o domingo dos ataques antidemocráticos em Brasília, vi pela primeira vez parte das fotos que eu havia feito naquele 8 de janeiro para a Folha. As imagens que eu imaginava perdidas são registro histórico de grande importância: mostram o Palácio do Planalto invadido e o confronto entre a polícia e os golpistas, em meio a uma espessa nuvem de gás lacrimogêneo.

As fotos tinham se perdido junto com o equipamento fotográfico que me foi roubado por bolsonaristas que participaram do protesto.

A sensação é que havia algum tipo de orientação para evitar que a imprensa cumprisse o seu papel e cobrisse o que acontecia nas sedes dos Três Poderes, o STF (Supremo Tribunal Federal), o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. Vários jornalistas foram agredidos e impedidos de trabalhar. Fotógrafos tiveram cartões de memória e baterias arrancados das câmeras, outros perderam todo o equipamento em meio a agressões e ofensas.

Vândalos que invadiram as sedes dos três Poderes em Brasília entram em confronto com agentes de segurança - Pedro Ladeira- 8.jan.23/Folhapress

Eu havia sido chamado às pressas pelo meu editor para tentar fotografar a invasão e depredação dos prédios públicos. Estava de folga naquele domingo e terminava um almoço de comemoração do aniversário do meu filho.

Ao chegar à praça dos Três Poderes, vi um assustador campo de batalha. Golpistas que ocupavam a rampa do Palácio do Planalto usavam objetos retirados de dentro da própria sede do Executivo como escudo contra bombas de gás e balas de borracha disparadas pela tropa de choque da Polícia Militar.

Na praça dos Três Poderes, pessoas improvisavam picaretas para arrancar as pedras portuguesas do chão e atirá-las na polícia. Centenas de pedras eram atiradas enquanto os policiais revidavam com armamento não letal.

Fui tentando posicionar-me de forma segura em meio a esse caos, para fotografar tudo que podia. Aproximei-me do Palácio do Planalto para tentar entrar, mas era exatamente onde o confronto com a polícia estava mais forte —não dava para chegar perto naquele momento.

Estava fotografando esse confronto dos golpistas com a tropa de choque quando um bolsonarista começou a apontar para mim e chamar outros vândalos, gritando que eu era jornalista e que estava lá para prejudicá-los. Tentei conversar, argumentar que estava apenas registrando os fatos, mas não havia conversa possível.

Logo fui cercado e começaram as agressões verbais e físicas. Entre empurrões, tapas e chutes, eles avançaram para pegar minhas câmeras. Tentei resistir, mas eram muitos; eu estava sozinho e totalmente cercado. Um deles quebrou a lente grande angular que estava em uma das minhas câmeras e logo na sequência uma mulher conseguiu arrancar a outra câmera que estava com uma teleobjetiva das minhas mãos e saiu correndo.

Apenas 15 minutos depois que eu havia chegado, a minha cobertura estava encerrada e as fotos perdidas, além do prejuízo material do equipamento da Folha.

Passado um mês de tudo isso, no final da manhã do dia 8 de fevereiro, fui avisado por um colega fotógrafo que havia um anúncio na internet de uma câmera semelhante a que me foi roubada por um preço muito mais baixo do que o valor de mercado, o que geralmente acontece com equipamentos roubados. Ao ver as fotos do anúncio, tive certeza tratar-se da minha câmera, pois havia uma marca de uso —um arranhão bem característico— que aparecia de forma nítida nas imagens publicadas.

Ao longo do dia, dois amigos ficaram conversando com o vendedor, por meio de mensagens na plataforma de vendas, manifestando interesse em comprar o equipamento. Eles negociaram como e onde poderia ser a entrega e o pagamento. Enquanto isso, eu fui até a Polícia Civil para ver o que poderia ser feito. Quando consegui falar com os agentes do Decor (Departamento de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado), órgão à frente da investigação dos roubos e agressões aos jornalistas em 8 de janeiro, o delegado prontamente armou uma operação de tocaia para pegar o vendedor em flagrante no ato da venda.

Precisamente um mês depois dos ataques antidemocráticos, mais ou menos na mesma hora em que eu havia sido agredido e roubado, a polícia prendeu o rapaz que estava com minha câmera. Surpresa maior, os policiais recuperaram também o cartão de memória intacto com todas as fotos feitas naquele dia. Fui tomado por uma felicidade incrível. Muito mais do que a perda dos equipamentos e a agressão sofrida, ter perdido as fotos históricas feitas naquele dia era o que mais me entristecia.

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