Entenda os ataques golpistas de 8 de janeiro e seus desdobramentos

STF já aceitou a denúncia contra mais de 1.200 acusados, que se tornaram réus

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São Paulo

Uma semana após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no dia 8 de janeiro, um grupo de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadiu e depredou as sedes dos três Poderes, em Brasília.

Milhares desses manifestantes vestidos de verde e amarelo estavam acampados diante do quartel-general do Exército e rumaram naquele dia para a Esplanada dos Ministérios.

Em poucas horas, destruíram o patrimônio público vandalizando áreas internas dos prédios —o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o STF (Supremo Tribunal Federal).

Depois do ocorrido, uma intervenção federal foi instaurada pelo presidente Lula, centenas foram presos, incluindo autoridades, e outros estão sendo investigados. O STF já aceitou a denúncia contra mais de 1.200 acusados, o que os levou à condição de réus.

Entenda os ataques golpistas de 8 de janeiro e seus desdobramentos.

Bolsonaristas radicais invadem Palácio do Planalto e depredam estruturas - Ueslei Marcelino - 8.jan.2023/Reuters

O que aconteceu no dia 8 de janeiro?

Por volta das 15h daquele domingo, manifestantes golpistas entraram na Esplanada dos Ministérios, invadiram o Palácio do Planalto, o Congresso e o STF e espalharam atos de vandalismo em Brasília.

A expressão "festa da Selma" foi usada nas redes sociais e grupos de conversa para convocação dos atos antidemocráticos. Um levantamento feito pela Palver, que monitora 17 mil grupos públicos no WhatsApp, mostrou que ela começou a ser usada em 27 de dezembro e teve seu pico em 2 de janeiro.

De onde vieram os vândalos?

Eles saíram, em grande parte, do acampamento diante do quartel-general do Exército em Brasília.

A grande maioria dos manifestantes chegou à capital federal de ônibus. No dia do ataque, a Polícia Rodoviária Federal apreendeu 30 ônibus de vândalos que invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes.

Que locais foram invadidos?

Os manifestantes chegaram à Esplanada e se concentraram inicialmente em frente ao Ministério da Justiça. Uma parte invadiu a área externa superior do Congresso e, depois, a área interna do prédio. Em seguida, chegaram até o plenário do Senado Federal.

Eles avançaram para a praça dos três Poderes, onde houve confronto. Depois, se dirigiram ao Palácio do Planalto e ao STF, onde conseguiram acessar e destruir diferentes andares e ambientes.

O que foi destruído?

Imagens do Palácio do Planalto mostram vidros quebrados, móveis atirados para fora do prédio, computadores e monitores no chão e obras de arte avariadas.

Nas imagens é possível ver os manifestantes circulando livremente pelo interior dos prédios em diferentes andares. Além de armas de choque, do tipo taser, também teriam sido levados HDs e documentos.

Imagens do circuito interno do STF mostram a depredação dos assentos dos ministros, do público e do local onde acontecem os julgamentos.

Um levantamento do Supremo aponta um ritmo alucinante de destruição do patrimônio público. Durante pouco mais de uma hora de invasão, os vândalos atingiram ao menos 1 item do prédio a cada 8 segundos, foram elencados 576 objetos danificados ou destruídos, entre obras de arte, móveis e equipamentos de informática.

Os vândalos chegaram ainda a pichar nas janelas a frase "perdeu, mané" e também vandalizaram com a frase a escultura "A Justiça", feita em 1961 pelo artista plástico Alfredo Ceschiatti e que fica em frente à corte. A frase faz alusão a uma resposta dada pelo ministro da corte Luís Roberto Barroso a um bolsonarista após sofrer hostilidades dos militantes durante viagem a Nova York.

Importantes obras de arte da cultura brasileira e prédios tombados foram danificados. Um painel de Di Cavalcanti foi rasgado em ao menos três lugares. A obra "Bailarina", de Victor Brecheret, foi descolada da base, e o "Muro Escultórico", de Athos Bulcão, perfurado na base. A restauração das obras destruídas na Câmara dos Deputados pode levar até um ano.

Um relógio trazido ao Brasil por dom João 6º em 1808 foi destruído por um golpista. No final de janeiro, o suspeito foi preso em Minas Gerais.

No Congresso, o gabinete parlamentar do senador José Serra (PSDB-SP) foi invadido, e os golpistas também depredaram a liderança do PT na Câmara.

Prejuízo

O valor total de dinheiro público desembolsado ou estimado para cobrir os prejuízos dos ataques golpistas de 8 de janeiro já supera R$ 20 milhões, informam STF (Supremo Tribunal Federal), Palácio do Planalto e Congresso Nacional.

Os dados mais atualizados foram obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação e também com a CPI do 8 de janeiro.

Segundo as informações fornecidas pela cúpula dos três Poderes, o STF teve o maior prejuízo, com um valor de R$ 11,4 milhões até agora entre dinheiro já desembolsado e estimado.

Em seguida, vêm o Congresso, com R$ 4,9 milhões (R$ 2,7 milhões na Câmara e R$ 2,2 milhões no Senado), e o Planalto, com R$ 4,3 milhões.

Polícia local e desocupação

As forças de segurança começaram a desocupar os prédios invadidos por volta das 16h daquele domingo, usando bombas de efeito moral e spray de pimenta. Helicópteros da Polícia Militar e da Polícia Federal também agiram, sobrevoando a praça e atirando bombas de gás. A tropa de cavalaria também foi acionada, além de carros blindados.

Pouco antes das 18h, os prédios do Palácio do Planalto e do STF já estavam totalmente liberados.

Durante os atos de vandalismo em Brasília, vídeos mostram que a Polícia Militar do Distrito Federal aparece filmando a depredação e conversando com os manifestantes.

O ex-comandante da Polícia Militar do Distrito Federal Fabio Augusto Vieira chegou a ser preso por determinação do ministro Alexandre de Moraes. O militar era o responsável pelo comando da corporação no dia do ataque.

Como a Folha revelou, imagens inéditas do circuito de câmeras de segurança do Congresso mostram Vieira atuando para conter os manifestantes golpistas. Em fevereiro, Moraes concedeu liberdade provisória ao ex-comandante.

A Polícia do Senado Federal afirmou que policiais "aparecem em fotos e vídeos ao lado dos manifestantes golpistas" porque adotaram técnicas de negociação baseadas nos conceitos de "aproximação, espelhamento e diálogo".

Acampamentos golpistas

Após os atos de vandalismo e a ordem do STF para que acampamentos golpistas fossem desmantelados, bases bolsonaristas no entorno de quartéis foram desmobilizadas.

Acampamentos em Brasília, Rio, São Paulo, Manaus, Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre foram aos poucos sendo esvaziados pelas forças de segurança.

O ministro Alexandre de Moraes também mandou apreender "todos os ônibus identificados pela Polícia Federal que trouxeram os terroristas para o Distrito Federal" e listou a placa de 87 veículos.

O que disse o presidente Lula sobre os ataques?

Na data, o presidente estava em Araraquara, no interior de São Paulo, para acompanhar as vítimas das chuvas. Ainda naquela noite, o petista anunciou também a intervenção federal na área de segurança do Distrito Federal, que durou até o fim de janeiro.

Lula culpou Bolsonaro e disse que ele também foi responsável pelos atos de vandalismo, porque durante seu governo estimulou a invasão às sedes do STF e do Congresso.

Em reunião com governadores, Lula disse que os militantes golpistas não tinham uma pauta de reivindicações e que apenas queriam um "golpe e golpe não vai ter".

Em um outro discurso, o petista atribuiu os atos golpistas ao inconformismo da elite com a derrota do ex-presidente Bolsonaro nas eleições.

Crise com militares

O episódio do 8 de janeiro também gerou uma crise de desconfiança de Lula com os militares. Ele chegou a fazer críticas ao ministro da Defesa e expôs desconfiança com a segurança do Palácio do Planalto.

Além de ter dispensando dezenas de militares que atuavam na Coordenação de Administração do Palácio do Alvorada e do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), o presidente demitiu o comandante do Exército, general Júlio Cesar de Arruda.

Segundo auxiliares do presidente, a decisão foi tomada porque Arruda não demonstrou disposição de tomar providências imediatas para reduzir as desconfianças de Lula em relação a militares do Exército após ataques aos três Poderes.

Além disso, também pesou contra Arruda sua recusa em exonerar o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que tinha sido escolhido para comandar um batalhão do Exército em Goiânia.

O governo não previu que o ataque aconteceria?

Uma das linhas de investigação da PF é sobre a possível omissão de autoridades quanto aos ataques.

Após o 8 de janeiro, integrantes do governo Lula, da PF e do STF creditaram ao governo do Distrito Federal, em especial à Secretaria de Segurança local, a responsabilidade pela invasão e pela depredação promovida pelos golpistas.

No dia do ataque, a Polícia Militar tentou conter a invasão, mas, com baixo número de efetivo no local, não conseguiram evitar o avanço dos golpistas.

A Abin (Agência Brasileira de Inteligência) afirmou que produziu diversos alertas acerca do risco iminente de ataques a prédios públicos em Brasília. Mesmo diante do risco, o Gabinete de Segurança Institucional decidiu não reforçar a segurança do Palácio do Planalto e deixou somente a guarda comum de fim de semana para resguardar a sede do Executivo.

O general Gonçalves Dias, escolhido pelo presidente Lula para chefiar o GSI, informou a interlocutores do Exército na sexta (6) e no sábado (7) que o cenário era de tranquilidade. GDias, como é conhecido, pediu demissão em abril, após vídeos colocarem em xeque a atuação do então ministro no 8 de janeiro.

O que disse o governador do DF?

O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), gravou um vídeo para pedir desculpas ao presidente Lula pelos atos ocorridos em Brasília. O ex-chefe do Executivo da capital federal disse que estava monitorando a situação e que nunca esperou que ela chegasse a esse ponto.

O ministro Alexandre de Moraes determinou o afastamento temporário de Ibaneis do cargo. Ele retornou ao Palácio do Buriti em março.

O que aconteceu com o Secretário de Segurança do DF?

O secretário de Segurança Pública, Anderson Torres, foi exonerado do cargo pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), no mesmo dia do ataque. Torres era ministro da Justiça na gestão de Bolsonaro e assumiu a pasta do governo local no início deste ano.

Dois dias depois, o ministro Alexandre de Moraes determinou a prisão de Torres, que ocorreu assim que ele retornou dos Estados Unidos, onde tinha ido passar férias. Durante depoimento marcado pela Polícia Federal em janeiro, o ex-ministro da Justiça permaneceu em silêncio.

Torres ficou preso de janeiro a maio por suposta omissão nos ataques golpistas do dia 8 daquele mês.

Em entrevista em janeiro, Anderson Torres disse que o governo local fez devidamente o "planejamento" para receber a manifestação de bolsonaristas. Afirmou ainda que não houve leniência e que mentiras foram contadas, pois, segundo ele, não teria ido aos EUA para encontrar com Bolsonaro.

Minuta golpista

Em busca e apreensão, a Polícia Federal encontrou uma minuta (proposta) golpista na casa de Torres. O texto se tratava de um decreto para o então presidente Bolsonaro instaurar estado de defesa na sede do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

O objetivo, segundo o texto, era reverter o resultado da eleição, em que Lula saiu vencedor. Tal medida seria inconstitucional. Em depoimento à PF, Torres afirmou considerar a minuta do decreto "totalmente descartável" e que se tratava de um documento "sem viabilidade jurídica".

O que Bolsonaro disse após os ataques?

O ex-presidente escreveu nas redes sociais que depredações e invasões de prédios públicos "fogem à regra" da democracia. O ex-mandatário repudiou também as acusações feitas por Lula, que atribuiu a ele a responsabilidade de incitar os manifestantes.

Em uma fala a seus correligionários na Flórida, Bolsonaro procurou se desvincular dos ataques.

Após pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República), o ex-presidente foi incluído em inquérito que apura a instigação e autoria intelectual dos ataques golpistas. Dois dias após os ataques, ele postou um vídeo questionando a regularidade das eleições em ser perfil, e apagou horas depois.

Senador Marcos do Val e plano de golpe

Um outro episódio colocou Bolsonaro próximo do radar das articulações golpistas. O senador Marcos do Val (Podemos-ES) apresentou em fevereiro uma série de relatos que ligam o ex-presidente Jair Bolsonaro a um plano golpista que seria executado em dezembro passado e consistiria em gravar sem autorização o ministro Alexandre de Moraes e depois impedir a posse do hoje presidente Lula.

O caso foi revelado, ainda que com vaivém de versões, pelo senador, que relatou ter feito uma reunião com Bolsonaro e o ex-deputado Daniel Silveira (PTB-RJ). Porém, o parlamentar disse que se recusou a seguir o plano e denunciou o caso para Alexandre de Moraes.

O ministro afirmou que o complô envolvendo Bolsonaro relatado pelo senador foi uma "tentativa Tabajara" de golpe. O termo alude às Organizações Tabajara, empresa fictícia clássica do humor do grupo Casseta & Planeta, que virou sinônimo de qualquer ação farsesca.

Em depoimento à PF em julho, Do Val reafirmou no depoimento desta quarta que o plano foi ideia de Silveira e que Bolsonaro ficou calado. Preso, o ex-deputado rebateu o senador.

Identificação dos golpistas

Os edifícios-sede dos três Poderes em Brasília ainda estavam tomados pelos manifestantes golpistas quando surgiram perfis em redes sociais com ações colaborativas para identificar quem participava das invasões.

Canais de denúncia de pessoas envolvidas nos atos antidemocráticos foram criados. No final de janeiro, o Ministério da Justiça e Segurança Pública já havia recebido mais de 100 mil denúncias.

Alguém já foi responsabilizado?

A Procuradoria-Geral da República já denunciou 1.390 pessoas pelo quebra-quebra na praça dos Três Poderes.

Dessas, o STF já aceitou a denúncia contra 1.290, o que os levou à condição de réus.

Os responsáveis podem responder por quais crimes?

Os manifestantes golpistas que invadiram a Esplanada dos Ministérios podem responder por crime contra o Estado democrático de Direito. Se identificada omissão, autoridades também poderão ser responsabilizadas, avaliam especialistas ouvidos pela Folha.

Alguém já foi preso?

Diversas pessoas já foram presas após as invasões de 8 de janeiro. Ainda na noite do ataque, o ministro da Justiça, Flávio Dino, disse que cerca de 200 pessoas tinham sido presas em flagrante nos atos de vandalismo e 40 ônibus, apreendidos. No dia seguinte, centenas de bolsonaristas foram presos no acampamento do quartel-general e levadas para a superintendência da Polícia Federal.

O presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou no dia seguinte aos ataques que 44 pessoas foram presas em flagrante pela Polícia Legislativa.

No final de janeiro, o ministro Alexandre de Moraes concluiu a análise da situação dos presos. Dos 1.406 detidos, 942 tiveram a prisão em flagrante convertida em preventiva (sem prazo determinado) e 464 obtiveram liberdade provisória, mediante medidas cautelares.

Desde então, a Polícia Federal tem efetuado a prisão de diversos envolvidos nos atos. Na quinta etapa da operação Lesa Pátria, a PF prendeu o ex-chefe de setor da PM e mais três policiais do DF.

CPI do 8 de janeiro

O Congresso instalou em 25 de maio a CPI do 8 de janeiro, formada por deputados federais e senadores, e elegeu o deputado federal Arthur Maia (União Brasil-BA) como presidente e a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) como relatora.

O foco de investigação da CPI deve ser os bolsonaristas, responsáveis pelos ataques golpistas aos prédios principais dos três Poderes. Entram nisso os vândalos em si, os organizadores dos atos, os financiadores dos acampamentos e caravanas e os autores intelectuais, como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Mauro Cid

Em julho, a CPI do 8 de janeiro quebrou o sigilo telemático do tenente-coronel Mauro Cid entre janeiro do ano passado e o "presente momento". O militar, principal ajudante de ordens de Bolsonaro, foi à comissão, mas ficou calado diante das perguntas.

A comissão aprovou ainda pedidos de informação sobre Cid ao Coaf (Conselho de Controles de Atividades Financeiras). A PF (Polícia Federal) identificou depósitos fracionados e em dinheiro vivo do ajudante de ordens à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.

A CPI também autorizou quebra dos sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático do ex-diretor-geral da PRF (Polícia Rodoviária Federal) Silvinei Vasques entre 1º de janeiro do ano passado e 30 de abril deste ano. Ele foi convocado a depor por causa das fiscalizações em rodovias federais no segundo turno das eleições. A suspeita é de que, sob comando dele, a PRF tenha tentado dificultar a chegada de eleitores de Lula às urnas.

O que está sendo feito para evitar um novo ataque?

O ministro Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública) apresentou ao presidente Lula um pacote de ações jurídicas como resposta aos ataques golpistas.

Em 21 de julho, o governo Lula (PT) anunciou que enviará dois projetos de lei ao Congresso Nacional para endurecer punições em resposta aos ataques golpistas de 8 de janeiro, quase seis meses depois de anunciar um "pacote da democracia".

Entre as penas previstas estão 20 a 40 anos de prisão para crimes que atentem contra a vida dos presidentes dos três Poderes, do vice-presidente da República, de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e do procurador-geral da República, com fim de alterar a ordem constitucional democrática.

O texto prevê ainda pena de 6 a 12 anos para quem atente contra a integridade física e liberdade dessas autoridades, também apontando a finalidade de alterar a ordem constitucional democrática.

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