Descrição de chapéu STF Folhajus internet

STF decide que Judiciário podem pedir dados de usuários diretamente a big techs no Brasil

Solicitações diretas aumentam capacidade das autoridades de obter os dados, já que cooperação internacional tem trâmite demorado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiram, por unanimidade de votos, que autoridades brasileiras podem requisitar dados sigilosos de usuários diretamente a representantes no país de grandes empresas de tecnologia, como Facebook e Google.

Em julgamento finalizado no final da tarde desta quinta-feira (23), os ministros analisaram se esses pedidos de informação deveriam ser feitos por meio de uma cooperação internacional chamada MLAT (sigla em inglês para tratado de assistência jurídica mútua) ou se poderiam ser endereçados diretamente às representantes das empresas no Brasil.

Os ministros entenderam que as duas opções são possíveis. Na prática, solicitações diretas às representantes das empresas aumentam a capacidade das autoridades de obter os dados desejados, uma vez que a cooperação internacional possui um trâmite mais demorado e as sedes das big techs no exterior possuem meios de protelar ou mesmo não atender às solicitações.

Ministros do STF em sessão no plenário - Carlos Moura - 8.fev.23/SCO/STF

O ministro Luís Roberto Barroso se declarou suspeito porque já advogou para uma empresa de tecnologia em processo sobre o acordo de cooperação, antes de virar ministro. O relator do caso foi o ministro Gilmar Mendes.

Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes defendeu que os dispositivos que disciplinam o cumprimento de cartas rogatórias e pedidos de cooperação internacional para requisitar informações às plataformas devem continuar existindo.

Porém disse que, para maior eficiência da Justiça brasileira, também deve ser "absolutamente possível" a obtenção direta da requisição direta pelas autoridades judiciais brasileiras, inclusive com aplicação de multa em casos de descumprimento.

Ele citou como justificativa a responsabilidade das plataformas sobre os ataques golpistas de 8 de janeiro, quando bolsonaristas invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o STF, e na divulgação de notícias.

O ministro disse que as redes colaboraram com a organização dos atos. Ele declarou que, no mínimo, as plataformas deveriam ter avisado às autoridades competentes e cessado a propagação. Já como exemplos de fake news, ele citou o caso de uma parlamentar que publicou que uma idosa teria morrido detida na Polícia Federal.

"Isso chegou ao top five das notícias no Twitter e, 24h depois, [a parlamentar] retirou, falando: Me enganei. Só que isso já contaminou e hoje, se fizermos uma pesquisa, várias pessoas ainda acreditam que uma uma senhora morreu na Polícia Federal. Ou seja, é uma indústria de desinformação, de crimes", disse.

Ele também falou do caso de um detido que, na audiência de custódia, disse que havia sido preso contra a sua vontade. O juiz, segundo o ministro, lhe respondeu que a prisão é exatamente para isso: a pessoa é trazida contra a vontade.

"E essa pessoa diz: não, eu sou um patriota que luta pela liberdade e eu não posso ser preso. É de uma alienação total, exatamente porque vivem nessas bolhas. Se não for possível a Justiça ter acesso a essas provas, se for esperar a carta rogatória, os Estados Unidos já demoram, imagina se for preciso para Dubai, que nem aceita alguns tipos de cartas rogatórias de determinados países", disse.

O ministro Gilmar Mendes também declarou que, inicialmente, houve uma cooperação ou uma complacência dos provedores ao fazer toda a transmissão dos atos golpistas, inclusive marcar a festa a "Festa da Selma", código usado num grupo no Telegram em referência à mobilização dos atos golpistas.

"E depois, no dia seguinte, eles apagam, o que significa apagar a própria prova do ilícito. Veja portanto as dificuldades que o Estado nacional tem de enfrentar essa questão. Imagine buscar essas provas no exterior", disse.

O processo foi apresentado ao STF pela Assespro (Federação das Associações das Empresas de Tecnologia de Informação), que à época contratou o escritório de advocacia do ministro aposentado Ayres Britto para defender a causa à corte da qual ele fez parte.

Para a associação, não se pode pedir a uma empresa afiliada no Brasil o cumprimento de ordens judiciais que deveriam ser feitas a firmas dos Estados Unidos ou de outros países, por meio de acordo de cooperação jurídica internacional.

Essas empresas, diz o pedido, "têm o seu próprio direito ao princípio do contraditório e da ampla defesa, no âmbito de um peculiar 'devido processo legal'".

Já a PGR (Procuradoria-Geral da República) defendeu que restrições à capacidade de autoridades brasileiras de obterem diretamente dados e comunicações coletados por empresas que prestam serviços no Brasil gerariam "imenso prejuízo a investigações em andamento e ações penais já transitadas em julgado".

O Ministério da Justiça já classificou os pedidos via MLAT de "insatisfatórios" para a obtenção desse tipo de informação com o objetivo de subsidiar inquéritos criminais. A ferramenta é usada em investigações criminais e instruções penais em curso no Brasil sobre pessoas, bens e haveres situados nos Estados Unidos.

Investigadores de casos que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores afirmaram que uma decisão do STF pelo uso da MLAT poderia impactar diretamente nos casos porque o uso da cooperação internacional facilita o descumprimento ou acarreta em demora no envio dos dados.

O inquérito dos atos antidemocráticos, por exemplo, conseguiu de forma inédita acessar dados do Facebook sem a necessidade de uso da cooperação internacional. A plataforma é parte no processo que será analisado pelo STF.

Nesse caso, a PF solicitava dados das mais de 80 contas de apoiadores do ex-presidente que haviam sido suspensas pela plataforma. Após negativa do Facebook em fornecer os dados sem a MLAT, o ministro estipulou multa para obrigar a plataforma a enviar as informações.

À época, a empresa disse que não iria cumprir a decisão. "Respeitamos as leis dos países em que atuamos", disse em nota divulgada após o episódio. Moraes, então, aumentou o valor da multa por descumprimento.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.