Barroso defende enquadrar big techs por conteúdo ilegal em medida que flexibilizaria Marco Civil

Em fala na Unesco, ministro defendeu a flexibilização para casos de incitação a crimes, terrorismo e pornografia infantil

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Paris

Em fala em conferência da Unesco, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), defendeu responsabilização das plataformas da internet antes de ordem judicial em casos de conteúdo que sejam incitação a crimes, terrorismo e pornografia infantil. Isso, na prática, seria uma flexibilização do Marco Civil da Internet.

O Marco Civil, de 2014, é a principal lei que regula a internet no Brasil e determina que as plataformas só podem ser responsabilizadas civilmente por conteúdos de terceiros se não cumprirem ordens judiciais de remoção.

Para Barroso, as empresas deveriam ter o dever de agir mesmo antes de ordem judicial em casos de postagens ilegais, inclusive conteúdo que viole a lei do Estado democrático de Direito, que proíbe pedidos de abolição do Estado de Direito, estímulo à violência para deposição do governo ou incitação de animosidade entre as Forças Armadas e os Poderes.

"No caso de comportamento criminoso claro, como pornografia infantil, terrorismo e incitação a crimes, as plataformas deveriam ter o dever de cuidado de usar todos os meios possíveis para identificar e remover esse tipo de conteúdo, independentemente de provocação (judicial)", disse Barroso em plenário da conferência "Internet for Trust", que debate diretrizes globais para regulação da internet.

Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal - Evaristo Sa - 22.nov.21/AFP

A responsabilização das plataformas antes de ordem judicial está no cerne da controvérsia sobre a nova regulação da internet em discussão pelo governo. O Ministério da Justiça quer incluir no projeto de lei 2630, conhecido como o PL das Fake News, punição às plataformas de internet que não agirem contra conteúdo que viole a lei.

Para uma ala do governo, caso a proposta não incorpore esse ponto, a regulação será inócua, porque manterá a imunidade das redes. Parte da sociedade civil, do Congresso e todas as plataformas, por outro lado, afirmam que a responsabilização levaria empresas a se censurarem ao remover conteúdos legítimos para evitar sanções.

Na Unesco, Barroso afirmou que a responsabilidade das plataformas por conteúdos de terceiros deve ser "razoável e proporcional". Para isso, haveria o dever de remoção pró-ativa de conteúdo ilegal.

Já em casos de clara violação de direitos de terceiros, como compartilhamento de fotos íntimas (algo já previsto no MCI, o revenge porn) e violação de direitos autorais, as empresas deveriam remover o conteúdo após notificação das partes interessadas, afirmou Barroso.

Em todos os outros casos, "em áreas de penumbra onde há um grau razoável de dúvida", a remoção só será obrigatória após uma primeira ordem judicial.

"A minha posição não mudou, foram os tempos que mudaram e temos hoje uma série de ameaças novas na esfera digital, como ataques à democracia e ao sistema eleitoral e extremismo", disse Barroso à Folha.

O STF pode julgar este ano uma ação que debate a legalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet.

Em palestra na Sciences Po na quarta (22), Barroso já havia antecipado sua mudança de posicionamento em relação à responsabilização das plataformas. E afirmou: "Precisamos fortemente de regulação para chegar a um equilíbrio entre evitar o perigo do chamado ‘chilling effect’(auto-censura) e também ataques contra a democracia".

Segundo ele, "quando há interesses constitucionais que se chocam, tenta-se fazer concessões para harmonizar os interesses. Se isso não é possível, é preciso escolher um deles. E eu escolho a preservação da democracia."

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