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Disque Direitos Humanos é para proteger vulneráveis, mas foi usado para perseguir, diz ouvidor

Advogado afirma que canal foi desvirtuado para perseguir professores e profissionais de saúde no governo Bolsonaro

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São Paulo

O Disque Direitos Humanos, principal canal de comunicação para proteger vulneráveis, teve sua função desvirtuada para perseguir professores e profissionais de saúde durante o governo Jair Bolsonaro, afirma Bruno Renato Teixeira, 45, novo ouvidor nacional dos direitos humanos.

Nomeado pelo ministro dos Direitos Humanos de Lula, Silvio Almeida, ele retornou ao cargo depois de exercer a função durante o governo Dilma Rousseff, de 2011 a 2015.

No período, a ouvidoria criou o Disque 100, uma central telefônica que funciona 24 horas por dia e sete dias da semana, para receber denúncias, em um primeiro momento, contra exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes.

Bruno Renato Teixeira, ouvidor nacional de direitos humanos, na sede do Ministério dos Direitos Humanos - Gabriela Biló/Folhapress

"O objetivo da ex-presidenta Dilma era criar uma central que atendesse todas as pessoas em situações de vulnerabilidade e violação de direitos humanos", afirma.

Segundo Teixeira, no governo Bolsonaro, houve um distanciamento da população com a real função do Disque Direitos Humanos.

"As pessoas estavam ligando, durante a pandemia, para perseguir estabelecimentos comerciais, profissionais da saúde e educadores que se insurgiram contra a ordem antivacina do governo", afirma.

Teixeira diz ainda que o desafio da nova gestão da ouvidoria é reconstruir a credibilidade com a população. O órgão quer motivar a sociedade a procurá-la como um espaço seguro e capaz de articular respostas às violações.

Na última terça (4), Silvio Almeida visitou a central do Disque 100 para acompanhar o lançamento de um novo canal exclusivo via WhatsApp (número 61 9610-0180) para registro de denúncias de violência contra a mulher.

Nesta quarta (5), ao lançar um guia de orientação do processo de escolha de conselheiros tutelares, o ministro comentou o assassinato de quatro de crianças em uma escola de Blumenau (SC) e disse que "um país que mata crianças é tudo, menos democrático; é tudo, menos decente".

"Estamos falhando miseravelmente com as crianças e adolescentes, com as pessoas que mais precisam de nós. Quero pedir desculpas em nome do Estado brasileiro a todos", declarou Silvio Almeida.

Em entrevista à Folha, o ouvidor Bruno Renato Teixeira falou sobre o papel da ouvidoria em oferecer dados para o planejamento de políticas públicas.

Qual o papel da Ouvidor Nacional de Direitos Humanos? A partir do decreto que institui o novo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, a ouvidoria tem o papel de receber denúncias de violação de direitos humanos e encaminhá-las aos órgãos competentes.

Essa é a mola mestra da atuação da ouvidoria, mas o decreto também estabelece outras atribuições, como mediar conflitos, atuar in loco e agir diante de graves situações de violações de direitos humanos que atingem as coletividades.

Mas esse trabalho só terá êxito se nós reconstruirmos a credibilidade com a população. Ela precisa olhar para a ouvidoria e entender que a informação está segura e será encaminhada para a rede competente que dará uma resposta para a denúncia.

Esse é o grande desafio da ouvidoria. O nosso objetivo primário é a vítima. É articular uma rede que possa dar proteção à vítima, sem prejuízo, óbvio, à responsabilização do suspeito.

Entre 2011 e 2015, durante o governo Dilma Rousseff, o sr. foi ouvidor. Como foi essa experiência? Foi uma experiência muito rica. Nós tínhamos, à época, um desafio muito grande que era instalar o Disque Direitos Humanos.

A central nasceu de uma política que uniu diversos atores da sociedade civil em parceria com o governo federal, com o objetivo de receber denúncias contra exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes. Era um 0800 pequeno.

O objetivo da ex-presidenta Dilma era criar uma central que atendesse todas as pessoas em situações de vulnerabilidade e violação de direitos humanos.

A partir daí, nós consolidamos a ferramenta como um espaço de participação social, mas também de indicadores de dados.

O Disque 100 foi disponibilizado para prestar assistência às vítimas das fortes chuvas no litoral de São Paulo no começo do ano. Como ele pode ser usado pela população? É muito importante que a população se aproprie desse número, que está disponível 24 horas por dia e sete dias da semana. O Disque 100 hoje atua com um canal telefônico. É só a pessoa ligar 100.

A população pode tanto denunciar uma violação dos direitos humanos quanto pedir socorro. Mas as pessoas também podem buscar informações. Ou seja, a partir da central é possível conseguir o contato do Conselho Tutelar, da Defensoria Pública, da rede Cras (Centro de Referência de Assistência Social), da rede Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) e do Ministério Público.

O Disque 100 é um canal que orienta a população sobre serviços de proteção dos direitos humanos.

A central atende pelo WhatsApp, pelo Instagram e também por cartas, que, inclusive, é o meio mais usado por pessoas privadas de liberdade.

O Disque Direitos Humanos é também uma potente ferramenta de indicadores de dados, porque ele baliza políticas públicas de proteção a grupos vulneráveis, como a população LGBTQIA+ e a em situação de rua.

Qual a avaliação que o sr. faz da atuação da ouvidoria no anterior governo? Que cenário vocês encontraram? Ainda que eu tenha participado do processo de transição, nós temos pouquíssimas informações. Nós já tínhamos uma expectativa de que o cenário não seria dos melhores.

O contrato de atendimento da central precisa ser revisto e há faturas em atraso. Nós encontramos um cenário bem complexo do ponto de vista administrativo.

Mas o que mais nos assustou foi a concepção dada à ouvidoria, que se fechou ao longo do governo Bolsonaro para a sociedade civil.

O Disque 100, por exemplo, foi desconfigurado da sua percepção original a ponto de se tornar instrumento de perseguição de professores e profissionais de saúde.

As pessoas estavam ligando, durante a pandemia, para perseguir estabelecimentos comerciais, profissionais da saúde e educadores que se insurgiram contra a ordem antivacina do governo.

Ou seja, se tivesse um estabelecimento que restringisse o acesso de quem não estava vacinado, as pessoas poderiam ligar para dizer que estavam controlando o seu direito de ir e vir. Veja o absurdo que chegou. Foi através de uma decisão do Supremo Tribunal Federal que isso foi cassado e a central parou de receber esse tipo de reclamação.

[Nesta gestão] a retomada da ouvidoria e a fala do ministro Silvio Almeida, quando ele diz que "as pessoas existem e são valiosas para nós", é o que norteia o nosso trabalho.

Queremos motivar a população a procurar a ouvidoria nacional como um espaço seguro, capaz de articular respostas às violações de direitos humanos.

Quais são as denúncias de violações de direitos humanos recebidas com mais frequência pela ouvidoria? Hoje as principais denúncias ainda são referentes a crianças e adolescentes. Agora, já há um movimento que nós percebemos da retomada desse diálogo com os povos indígenas e comunidades tradicionais. Eles têm procurado a ouvidoria com mais frequência para a construção e articulação de políticas públicas.

Quais são as ações que a ouvidoria pretende trabalhar ou já começou? O primeiro passo, como eu disse, é o de fortalecer as portas de entrada, ampliando a nossa capacidade de atendimento.

Queremos também qualificar o encaminhamento das denúncias. Esse é o nosso principal desafio. Quando eu falo qualificar é nós compreendermos qual é a rede que precisa ser acionada para responder a demanda que surge.

Este é o desafio que está posto. Precisamos ter celeridade nesse processo.

A ouvidoria pode ajudar no planejamento de políticas públicas de proteção aos direitos humanos. Poderia dar um exemplo de política que foi implementada? Nós tínhamos na época [do governo Dilma], agora, estamos nesse processo de reconstrução.

Os dados do Disque 100, por ser a principal porta de entrada para denúncias de violações de direitos humanos contra crianças e adolescentes, também é um indicador na hora da tomada de decisão de qual Conselho Tutelar precisa ser mais bem equipado para atender demandas que chegam de determinada região do Brasil.

Esse é um caso de sucesso, onde a ouvidoria aponta um indicador que incide em uma política pública municipal.

Há outras tantas, como o Ministério Público ser capaz de ampliar sua capacidade de atendimento a partir dos indicadores do Disque Direitos Humanos. Com isso, ele direciona suas equipes de defensoria pública para regiões onde há maior incidência de casos que chegam até a ouvidoria.

A nossa ideia é essa agora, retomar o diálogo com as instituições e ofertar dados.

O ministério vai criar uma plataforma com dados abertos e indicadores de direitos humanos. Qual o papel da ouvidoria na captação desses dados e como vai funcionar? A ouvidoria vai ser uma das portas de entrada. É importante frisar que a ouvidoria é uma parceira do programa de proteção e está qualificada para atuar não só no programa de proteção de crianças e adolescentes, mas como um programa de direitos humanos protegendo defensores, vítimas e testemunhas.

Vamos expor por meio da plataforma os dados, mas, como eu disse, é fundamental que com essas informações possamos fomentar políticas públicas.


Raio-X | Bruno Renato Teixeira, 45

Natural do Rio de Janeiro, é advogado e ativista. Formado em direito pela Universidade Católica de Brasília, tem pós-graduado em direito penal e processual penal pela UGF (Universidade Gama Filho). Foi ouvidor dos direitos humanos entre 2011 a 2015, durante o governo Dilma Rousseff.

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