Codevasf turbina entregas na Bahia em meio à disputa entre PT e líder do centrão

Estado sob embate político passa a receber mais máquinas; estatal diz fazer distribuição de acordo com demandas e emendas

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São Paulo e Salvador

A Codevasf privilegiou o estado da Bahia na destinação de máquinas, veículos e equipamentos nos três primeiros meses do governo Lula, em meio à disputa pelo controle da estatal federal entre o PT e um dos líderes do centrão, o deputado federal Elmar Nascimento (União Brasil-BA).

Nos primeiros três meses da gestão petista, a Bahia recebeu sozinha produtos que somam 39% do valor entregue em 2023 pela companhia: R$ 41,8 milhões dos R$ 106 milhões usados para este fim.

No mesmo período do ano passado, então sob o governo de Jair Bolsonaro (PL), o estado ocupava o quarto lugar no ranking dos montantes distribuídos, com doações que totalizavam cerca de R$ 10 milhões. Porém, ao fim de 2022, a Bahia dividia a liderança com Minas Gerais, com 17% do valor total de doações cada.

Além da Bahia, a área de atuação da Codevasf abrange outros 14 estados e o Distrito Federal. Em 2023, Minas Gerais aparece em segundo lugar, com 19% do total (R$ 19,2 milhões). Pernambuco e Goiás receberam até aqui 12% cada um.

Cisterna instalada em casa com adesivos do deputado federal Elmar Nascimento (União-BA) na véspera das eleições de 2022
Cisterna instalada em casa com adesivos do deputado federal Elmar Nascimento (União-BA) na véspera das eleições de 2022 - Flávio Ferreira - 30.set.22/Folhapress

A Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) foi entregue ao centrão por Bolsonaro em troca de apoio político, em arranjo mantido da mesma forma por Lula. Na prática, trata-se da abertura de cargos e verbas em troca de apoio no Congresso.

Questionada sobre as doações de 2023, a estatal diz fazer distribuição de acordo com demandas e emendas. A Folha analisou as doações feitas pela Codevasf a partir de documentos publicados pela reportagem na ferramenta Pinpoint.

O direcionamento preferencial de equipamentos na Bahia ocorre em meio à disputa política no estado pelas superintendências locais da companhia.

Deputados do PT e da União Brasil, de grupos que polarizam a política baiana desde os anos 1990, disputam o comando das chefias da Codevasf sediadas em Juazeiro e Bom Jesus da Lapa.

As duas superintendências seguem sendo comandadas por aliados dos deputados federais Elmar Nascimento e Arthur Maia, ambos da União Brasil, indicados ainda na gestão Bolsonaro. Mas o PT baiano reivindica o seu quinhão e quer ter ao menos uma das duas regionais.

Em entrevista na sexta-feira (19) em Salvador, o senador Jaques Wagner, líder do governo Lula no Senado, reafirmou o pleito e disse considerar razoável que as superintendências sejam divididas entre os aliados históricos e os novos aliados de Lula no Congresso.

"O governo [Lula] é de composição. São duas superintendências, eles ficaram com uma, evidente que a nossa base tradicional de sustentação, que não é só o PT, deseja ficar com a outra. É um governo novo, tem que ter alguma cara nova", afirmou o senador.

A batalha pelos cargos tem como pano de fundo as eleições municipais em 2024 na Bahia. A chefia regional da Codevasf é vista como um trunfo para liberar verbas e equipamentos para prefeitos ou líderes políticos aliados, aumentando o poder de influência dos deputados.

Para os deputados da União Brasil, que são oposição ao governador Jerônimo Rodrigues (PT), manter o comando das chefias locais da Codevasf serve como um contraponto à força da máquina pública estadual, sobretudo nas cidades pequenas e mais pobres.

O pleito do PT é pela superintendência de Bom Jesus da Lapa, hoje sob influência de Arthur Maia. O nome apresentado para o cargo é o do sociólogo Jonas Paulo, ex-presidente do PT na Bahia.

Mas a União Brasil tem um trunfo: Arthur Maia é cotado para assumir a presidência da CPI do 8 de janeiro, posição de influência que pode fazer o governo Lula evitar comprar uma briga paroquial.

No início do governo Lula, em janeiro, governadores petistas de Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte chegaram a fazer uma ofensiva conjunta para indicar a nova chefia nacional da Codevasf. O cargo, contudo, foi mantido com Marcelo Moreira, nomeado sob Bolsonaro e apadrinhado de Elmar Nascimento.

O deputado da União Brasil, que teve seu nome barrado da indicação para ser ministro do governo, é um dos obstáculos que Lula tem para garantir os votos do partido no Congresso.

Neste ano, a Codevasf fez pelo menos cinco doações milionárias, ou seja, mais de R$ 1 milhão em um único termo de doação (documento que oficializa as distribuições).

O município de Gandu, na Bahia, com população de cerca de 30 mil pessoas, foi um dos contemplados. Recebeu três retroescavadeiras e uma motoniveladora no valor total de R$ 1,7 milhão em 2023.

A cidade é governada por Leo de Neto (Avante), aliado do PT no estado. No mês passado, ele postou vídeo em suas redes comemorando a chegada dos equipamentos, com agradecimento ao deputado federal Neto Carletto (PP).

Outro município que está entre os mais beneficiados no estado é Campo Formoso, cujo prefeito é Elmo Nascimento (União Brasil), irmão de Elmar Nascimento. A cidade e entidades sediadas ali receberam motoniveladora, retroescavadeira, trator, caixas d’água e uma picape.

No ano passado, a Folha mostrou que a Codevasf doou e instalou cisternas às vésperas da eleição em residências marcadas com adesivos de propaganda de Elmar.

Apesar da intenção inicial, o governo Lula intensificou alguns problemas que existiam na estatal durante a gestão Bolsonaro.

Apesar de ceder gratuitamente equipamentos a prefeituras, na Bahia, ao menos 70% das doações feitas pela regional foram direcionadas para entidades privadas como associações de moradores, comunitárias e cooperativas, entre outras.

O repasse de bens para entes que não fazem parte da esfera pública dificulta a fiscalização. Auditoria da CGU (Controladoria-Geral da União) encontrou equipamentos em propriedades particulares, incluindo a de um vereador, além da constatação da cobrança de aluguel.

As doações incluem equipamentos de alto valor. Entre os itens mais caros doados estão 47 retroescavadeiras (cujo valor unitário ultrapassa os R$ 300 mil), 43 tratores (valor aproximado de R$ 180 mil cada) e 7 motoniveladoras (que custam mais de R$ 600 mil cada).

A cidade de Araci foi uma das que mais receberam equipamentos no estado, com R$ 2,4 milhões em doações. Ela é governada por Keinha (PDT), também aliada da gestão Lula.

No entanto, a maioria dos valores enviados à cidade foi para associações, um total de R$ 1,6 milhão. Quatro entidades receberam, inclusive, uma retroescavadeira cada –o equipamento está avaliado em R$ 370 mil.

Entre as entidades, a que recebeu mais itens em doações foi a Cooperativa Agrícola de Irrigação de Projeto de Ceraíma, em Guanambi (BA), no total de R$ 557 mil. A área de atuação dessa entidade coincide com a vocação original da Codevasf, que vem sendo gradualmente abandonada.

Conforme a Folha mostrou, com o aumento dessas entidades e com verba de emendas parlamentares, os equipamentos acabam com grupos que vão de religiosos a garimpeiros.

No ano passado, apenas em uma das superintendências baianas, a de Bom Jesus da Lapa, 510 instituições em 156 municípios receberam máquinas e equipamentos.

Questionada sobre o fato de privilegiar o estado da Bahia na destinação de bens, a Codevasf afirmou que as "doações ocorrem de acordo com demandas identificadas em cada estado e com o volume de recursos de emendas parlamentares alocado para esse fim".

"Observe-se que a Bahia possui o maior número de deputados federais, o maior número de habitantes e a maior extensão territorial entre os estados que integram a região Nordeste", completou a estatal.

Procurado pela reportagem para comentar o assunto, o deputado Elmar Nascimento não respondeu.

Colaboraram Cleiton Otavio e Nicholas Pretto

A reportagem foi produzida em parceria com o Google a partir de coleções de documentos publicadas na ferramenta Pinpoint, acesse aqui.

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