Doações da Codevasf vão parar em imóvel particular e entidade de político, diz CGU

Controladoria constata falta de fiscalização e de critério; OUTRO LADO: Estatal federal diz atender interesse social

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São Paulo

A CGU (Controladoria Geral da União) constatou que veículos e equipamentos doados pela Codevasf vão parar em imóveis particulares, são usados mediante cobranças de taxas e destinados até a entidades chefiadas por políticos.

A apuração aponta risco de desvios nas doações dos equipamentos a associações, que são feitas sem nenhum critério ou estudo técnico e sem acompanhamento da sua destinação.

A Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) é a estatal entregue na gestão de Jair Bolsonaro (PL) ao centrão. Agora, a empresa é cobiçada pelo mesmo grupo durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Veículos e máquinas agrícolas armazenados em terreno de campus de universidade federal em Mossoró (RN)
Veículos e máquinas agrícolas para doação armazenados em campus no Rio Grande do Norte, antes do período eleitoral em 2022 - Jair Molina Jr

Além de doar veículos a prefeituras, a estatal também beneficia entidades particulares com entregas que incluem kits de panificação e freezers, barcos de alumínio, furgões, caminhões basculantes, caminhões de lixo, tratores, implementos agrícolas, motoniveladoras e retroescavadeiras.

Para facilitar o escoamento dos valores, a Codevasf chegou a criar um catálogo de bens para políticos escolherem como agradar seus redutos e indicarem à estatal onde, quando e como gastar.

Para os auditores, esse tipo de prática sem fiscalização acarreta em risco de vantagens indevidas e desvios.

No ano passado, antes das eleições, a empresa chegou a fazer até R$ 100 mil por hora em doações, com distribuição de equipamentos entre aliados políticos do governo e de parlamentares.

Apuração divulgada na última semana verifica doações que somam quase R$ 100 milhões, feitas pela unidade da Bahia da Codevasf sediada em Bom Jesus da Lapa, área de influência do deputado federal Elmar Nascimento (União Brasil).

Uma das tarefas da auditoria envolveu o rastreamento do destino dos equipamentos, por amostragem. De nove veículos e máquinas doados verificados, em dois casos os equipamentos foram encontrados em propriedades particulares.

"O equipamento doado à Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Cubículo, com sede no município de Cocos, foi localizado em propriedade privada pertencente ao presidente da associação, que também é vereador do referido município", diz a apuração.

Segundo os agentes, outras doações também foram achadas no local.

O nome do político não aparece na publicação. Porém o presidente da entidade em questão, conforme contrato de doação feito no ano passado, é Gregson Luz, vereador pelo partido União Brasil na cidade.

Ele é aliado de Elmar Nascimento, conforme mostra publicação em suas redes sociais.

"Elmar já tem uma história em nossa cidade, já votamos, já trabalhamos para Elmar Nascimento e já fomos agraciados por suas emendas parlamentares. Elmar Nascimento já beneficiou o nosso povo com tratores, implementos agrícolas, pá mecânica, tubos", disse o vereador durante evento com o deputado federal, como mostra publicação dele em agosto do ano passado.

Como a Folha revelou, a Codevasf fez a instalação de cisternas pela estatal em casas marcadas com adesivos de campanha de Elmar, na zona rural de Juazeiro (BA), no fim de setembro.

O deputado federal indicou o atual presidente nacional da Codevasf e o superintendente regional da estatal na Bahia.

A reportagem localizou mais de R$ 700 mil em doações à Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Cubículo em 2022, que incluem caminhão basculante de R$ 441 mil, tubos, kits de irrigação, entre outros.

Questionado pela Folha, o vereador afirmou que o veículo não foi encontrado "exatamente" na propriedade dele. "É na propriedade de um dos associados e por ser um lugar seguro, com câmeras e caseiro 24 horas no local, uma vez que a região vinha sofrendo com pequenos furtos nas propriedades vizinhas".

A reportagem pediu mais detalhes sobre o local, mas o vereador afirmou apenas que se trata do local "onde será construída a sede da associação" e que seria importante a reportagem ir ao local para obter mais esclarecimentos.

A CGU também afirmou que um representante da entidade ouvido teria dito "que o equipamento será individualmente cedido para seis comunidades da região, mediante cobrança de aluguel e taxas para uso".

À Folha Gregson Luz afirmou que está havendo mal-entendido sobre a cobrança e que toda associação precisa que associados paguem taxa mensal e "além disso as despesas com abastecimento e diária de motorista e por conta de quem precisa do bem".

Os auditores também encontraram máquina doada à Associação da Comunidade de São João, com sede no município de Santa Maria da Vitória, em propriedade privada em outra cidade, em São Félix do Coribe. Segundo a pessoa ouvida pelos auditores, o uso também seria compartilhado com terceiros.

A reportagem não localizou nenhum responsável por essa entidade.

"Diante das situações expostas, considera-se que a ausência de elementos de controle pela Codevasf leva a existência de condições para que sejam materializados os riscos de uso ineficiente dos recursos do programa, de desvio de finalidade e até mesmos de que particulares eventualmente se apropriem dos objetos das doações", dizem os auditores.

Além disso, segundo a CGU, a Codevasf também não faz estudos sobre os casos e "tem sua atuação restrita à realização das aquisições e dos repasses aos beneficiários indicados pelos parlamentares".

Doações atendem ao interesse social, diz estatal federal

Questionada, a Codevasf afirmou que as doações "servem ao interesse social e são empreendidas no âmbito de projetos e ações de desenvolvimento".

Segundo a estatal, a doação de máquinas e equipamentos a associações e cooperativas acontece quando há parecer técnico favorável.

Questionada sobre a localização das doações em propriedades particulares, a empresa afirmou que "o uso de equipamentos doados nas propriedades de associados e cooperados é característica inerente ao objetivo social da doação".

"Além disso, muitas das entidades não possuem sede própria; nesses casos, suas reuniões ocorrem em locais como escolas, igrejas e quadras esportivas. Assim, a guarda do bem por associados tem por objetivos a segurança do equipamento e a redução de custos de vigilância", diz a Codevasf.

Sobre a cobrança de taxas, a empresa afirmou que a deliberação é "exclusiva da entidade beneficiada, para pagamento de insumos, impostos, mão de obra, reparos e custos relacionados".

A empresa afirmou ainda que realiza análise de resultados alcançados pelas doações por meio de amostragem.

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