Abin afirma à CPI que influenciadores digitais incitaram e lucraram com 8/1

Agência também aponta que grupos extremistas do Telegram foram usados para troca de informações

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Brasília

Relatórios produzidos pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência) indicam que influenciadores digitais tiveram papel central na radicalização que levou à invasão das sedes dos três Poderes, além de terem faturado com os ataques golpistas de 8 de janeiro.

Os documentos foram entregues à CPI do 8 de janeiro e obtidos pela Folha. A agência afirma que os influenciadores fortalecem narrativas; canalizam queixas e ressentimentos pessoais e coletivos em críticas políticas contra governos e instituições; estimulam a polarização; e incitam outras pessoas à violência.

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Golpistas na Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro; no canto direito, homem com celular na mão exibe cenas do ataque - Pedro Ladeira - 8.jan.23/Folhapress

"[Eles] auxiliam na criação de uma visão polarizada, que a partir dela a hostilidade é direcionada a um alvo cuja existência é considerada uma ameaça. Ainda que indivíduos com esse perfil geralmente não participem de ações com maior grau de violência, sua função é essencial para incitar outras pessoas a realizarem atos de extremismo violento", diz.

Um dos citados pela Abin é Adriano Luiz Ramos de Castro, participante da primeira edição do BBB (Big Brother Brasil). A agência afirma que ele esteve no acampamento golpista em frente ao Comando Militar de Salvador, invadiu a sede dos três Poderes e transmitiu ao vivo pelo YouTube.

Durante a live, ele parabenizou os invasores e justificou a violência como "resposta legítima" da sociedade contra os "desmandos" do STF (Supremo Tribunal Federal). O vídeo foi deletado, mas o canal dele não só continuou ativo como ganhou mais de mil inscritos após os atos golpistas.

Adriano Castro, conhecido como Didi Red Pill, aparece em imagem durante protesto bolsonarista. Ao fundo, bolsonaristas seguram faixa pedindo intervenção das Forças Armadas
O ex-BBB Adriano Castro, conhecido como Didi Red Pill - @didiredpill no Twitter

O vereador de Planaltina de Goiás Genival Fagundes (PL) também transmitiu ao vivo e in loco via YouTube a invasão, de acordo com a agência. O canal foi desativado por ele, mas, segundo estimativas da Abin, faturou no mínimo R$ 135 mil.

"A transmissão rendeu dividendos pagos pela plataforma ao canal de Genival Fagundes, Política sem Curva. Enquanto transmitia, Fagundes narrava atos e exaltava os invasores, defendia a ação e orientava os participantes", descreve o relatório.

Já Elaine Helena Roque retransmitiu e comentou ao vivo em seu canal no YouTube os ataques de 8 de janeiro. O vídeo —já apagado— teve mais de 42 mil visualizações e recebeu dividendos pagos pelo YouTube, segundo a Abin.

"Enquanto comentava, defendeu a ruptura da ordem democrática e os atos de violência. Justificava as invasões e a alternativa violenta para política. Torcia para que a Polícia Militar e as Forças Armadas aderissem aos protestos", diz o documento.

"Além disso, celebrava sua constatação de que o Exército Brasileiro não evitaria as invasões e as manifestações de apoio por parte das forças policiais."

A invasão aos prédios do Supremo, do Congresso e do Palácio do Planalto foi transmitida em tempo real e organizada pelas redes sociais. Em outro documento entregue à CPI, a agência aponta para a participação de extremistas em grupos do Telegram.

Em um dos grupos, mensagens de apoio aos atos do 8 de janeiro foram trocadas desde o dia 4 anterior. Um dos homens identificados participa de 119 grupos do Telegram, entre eles o de um movimento extremista inspirado na Revolução Ucraniana de 2014, que levou à queda do governo eleito após manifestações violentas.

A Abin afirma que o movimento brasileiro "atualmente está inativo, mas seu grupo de Telegram tem servido de reduto para indivíduos extremistas violentos, que frequentemente tentam formar grupos paramilitares".

O homem também é membro de um grupo dedicado "à troca de informações sobre materiais bélicos, política e teorias da conspiração". O relatório traz ainda o perfil do responsável pelo grupo bélico.

O extremista "publica mensagens de incentivo à violência com armas produzidas pelos próprios extremistas ou pela aquisição de armamento tradicional". Ele apresenta "perfil radicalizado e indícios de mobilização para violência".


Procurado, Genival Fagundes disse que acompanha manifestações em Brasília desde 2019 e que "em nenhum momento" passou pela cabeça dele "que haveria aqueles atos de vandalismo". Ele afirmou que pretende produzir um documentário com as pessoas que estão sendo processadas.

O vereador disse ainda que seu canal foi removido permanentemente no dia 9 de janeiro porque, segundo o YouTube, ele descumpriu as diretrizes da plataforma.

O YouTube afirmou em nota que, em 8 de janeiro, as "equipes estiveram atentas" para aplicar as regras "de maneira consistente, incluindo em transmissões ao vivo e vídeos que incitassem outras pessoas a cometer atos violentos".

Segundo a empresa, o canal de Adriano Castro perdeu direito à monetização de conteúdo em setembro do ano passado.

"O YouTube possui Políticas de Comunidade que definem o que pode ou não ser postado na plataforma e usamos uma combinação de sistemas automáticos e revisores humanos para avaliar e remover conteúdo em escala", afirma.

A defesa do Telegram disse que não tinha autorização para dar entrevistas. O ex-BBB Adriano Castro e Elaine Roque não foram localizados pela reportagem.

No mês passado, o Conselho de Supervisão da Meta (Oversight Board), afirmou que a plataforma errou ao não remover vídeos que incitavam a invasão a Brasília e descumpriu suas próprias regras de proibição de incitação à violência.

O órgão é independente, mas financiado pela Meta —empresa dona do Facebook e do Instagram. A decisão foi motivada por um vídeo do dia 3 de janeiro em que um general convidava as pessoas a "sitiar" os três Poderes contra a eleição de Lula (PT).

Depois que o conselho selecionou esse caso para análise, a Meta afirmou que suas várias decisões de manter online o conteúdo golpista tinham sido um erro. A Meta removeu o vídeo em 20 de janeiro, mais de duas semanas após a publicação.

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