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Patrícia Valim

Mulheres participaram da Guerra pela Independência na Bahia para conquistar direitos

Urânia Vanério aproveitou a instabilidade política para reivindicar igualdade civil entre homens e mulheres

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Patrícia Valim

Professora do departamento de história da Universidade Federal da Bahia (UFBA), é idealizadora e uma das coordenadoras do projeto Mátria Brasil

Da janela do seu quarto, em uma casa nos arredores da praça da Piedade, em Salvador, muito indignada e assustada com os mortos e feridos nas lutas entre portugueses e baianos, a menina de 10 anos Urânia Vanério, nascida em Salvador, relatou em versos sua revolta pelo assassinato da sóror Joana Angélica em um dos mais importantes panfletos escritos no calor da guerra pela Independência do Brasil na Bahia.

A preocupação com o destino da própria da família naquela conjuntura (seus pais eram portugueses) não impediu que Urânia se engajasse politicamente na guerra por meio da escrita, denunciando em verso e prosa a tirania da colonização e a violência das tropas portuguesas sob o comando de Madeira de Melo contra os habitantes de Salvador.

Urânia Vanério encerrou o panfleto "Lamentos de uma Baiana" pedindo o fim da guerra: "Justos Céus, jamais se viu/ Entre irmãos, tão crua guerra/ Nunca os Déspotas obraram/ Tão negra ação sobre a Terra [...] Justos Céus, se as nossas Cortes/ Não punem tanta maldade/ Ou não haverá Baianos/ Ou nunca mais tal Cidade".

Mulher representa a heroína Maria Quitéria na festa da Independência da Bahia
Represenatação da heroína Maria Quitéria na festa da Independência da Bahia - Camila Souza/Divulgação Governo da Bahia

Meses depois, no início de 1823, um periódico publicado em Portugal, "O Brasileiro em Coimbra", escrito em primeira pessoa por um homem anônimo, publicou uma carta de uma suposta "prima baiana" sobre a violência da guerra pela Independência do Brasil na Bahia, terminando com um desabafo: "Eu antes quero morrer do que ver a Bahia escrava do Madeira; sim, meu primo, eu sou mulher, porém ainda assim sou a primeira que, sendo preciso, tocarei fogo à cidade, ainda que eu seja a primeira que arda com ela".

Até há pouco tempo, a autoria desse periódico foi equivocadamente atribuída a um político e amigo de dom Pedro 1º, Cândido Ladislau Japiassú de Figueiredo e Melo, mas hoje sabemos que ao menos parte dele foi escrito por Urânia Vanério.

Isso foi possível pelo teor do manifesto que encerra o periódico e pela maneira como ele foi escrito: a narrativa em primeira pessoa volta para o homem anônimo, o primo da moça baiana, que escreve "Brasileiras!": "Por acaso eu preciso dizer-vos que tomei o exemplo desta heroína baiana? Desta espartana? Mostrai que não sois tão somente fontes de prazeres e delícias! Mostrai que sois igualmente fontes de virtudes domésticas, de virtudes civis e de patriotismo! Assim excedereis os homens que injustos vos chamam de entes passivos. Sedes livres se quiseres ser mais bela! [...] Sem liberdade, não só o homem, o belo sexo e seus encantos nada valem".

Urânia Vanério aproveitou a instabilidade política do período para reivindicar publicamente a igualdade civil entre homens e mulheres e questionar o homem como sujeito universal de direito, travestindo-se de um primo e valendo-se do anonimato, exatamente como ela fez no panfleto "Lamentos de uma Baiana".

Exatamente a estratégia política de Maria Quitéria de Jesus ao emprestar a identidade do cunhado para ingressar no Batalhão dos Periquitos como soldado Medeiros. Ao ter a identidade revelada, Maria Quitéria escolheu permanecer no comando da tropa e lutando como mulher e pelas mulheres poderem estar na guerra, vestindo um saiote.

Assim como Maria Felipa de Oliveira, mulher negra, livre, pobre, marisqueira, capoeirista, moradora da ilha de Itaparica e profunda conhecedora das águas e curvas do rio Paraguaçu, principal via de comunicação entre Salvador e o Recôncavo baiano, que rapidamente se engajou nas lutas pela independência na Bahia como voluntária.

Primeiro, levando informações para a resistência baiana no Recôncavo. Depois, organizando outras mulheres, o batalhão das vedetas, para lutar contra os portugueses que tentaram invadir a ilha de Itaparica, inclusive ateando fogo nas embarcações.

Como Urânia Vanério e Maria Quitéria de Jesus, Maria Felipa de Oliveira continuou desafiando moral e politicamente os padrões da época ao liderar a luta por direitos da população insulana, especialmente o direito de as mulheres se organizarem politicamente, até a sua morte, em 1873.

Recordar as diferentes estratégias utilizadas por cada uma dessas mulheres do tempo ido para lutar por direitos e igualdade civil durante a guerra pela Independência do Brasil na Bahia significa convocar a força que as fez protagonistas de suas vidas para nos livrar da tirania dos que nos querem fora da esfera pública e longe da política. Foram derrotados em 1823 e continuarão sendo.

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