Descrição de chapéu Independência, 200

Cortejo exalta caboclos e celebra caráter popular nos 200 anos da Independência na Bahia

Festa celebrará bicentenário da Independência no estado neste domingo (2) em Salvador

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Salvador

O caboclo e a cabocla são os donos da festa na Bahia e permanecem a distância segura dos rapapés e salamaleques que marcam as festas cívicas brasileiras. Cocar adornado na cabeça, lança afiada nas mãos, desferem o golpe mortal na figura de um dragão que representa Portugal.

O cortejo do 2 de Julho, que neste domingo (2) celebra os 200 anos da expulsão dos portugueses e consolidação da Independência, volta às ruas de Salvador como expressão máxima da participação popular nos conflitos que tomaram a Bahia entre fevereiro de 1822 e julho de 1823.

Imagem da cabocla em cortejo de 2 de Julho, que celebra a Independência do Brasil na Bahia - Camila Souza/GOVBA

A festa é o ápice de um calendário cívico que começa no dia 25 em junho, em Cachoeira, município do Recôncavo baiano que resistiu aos ataques de uma canhoneira liderada pelas tropas portuguesas. Conhecida como "cidade heroica", desde 2007 ela se torna capital da Bahia por um dia do ano.

Em 30 de junho, o Fogo Simbólico da Independência deixa Cachoeira e percorre cidades do recôncavo até chegar em 1º de julho no bairro de Pirajá, em Salvador. Neste ano, um segundo fogo simbólico percorreu cidades ao norte da capital baiana que tiveram reconhecida a participação na guerra.

Mas a festa popular ganha corpo nas primeiras horas de 2 de julho, quando uma multidão se aglomera no entorno do Largo da Lapinha, local do centro antigo de Salvador por onde o Exército Pacificador entrou na cidade após a fuga dos portugueses em 1823.

Depois da alvorada com fogos de artifício e hasteamento das bandeiras, o cortejo com dezenas de milhares de pessoas sai pelas ruas do centro antigo de Salvador até a Praça do Sé, acompanhado de fanfarras, entidades civis e grupos culturais como os Caboclos de Itaparica.

"É justamente esta participação popular massiva que garantiu o êxito das festividades. O Sete de Setembro não tem esse mesmo envolvimento porque foi um movimento das elites para as elites", explica o historiador Rafael Dantas, associado do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.

A data de 2 de julho é feriado estadual, efeméride nacional e se tornou Patrimônio Cultural Imaterial do estado em 2006. Ao longo dos últimos dois séculos, se constituiu como uma espécie de mito de origem da Bahia brasileira, no qual os caboclos representam os combatentes anônimos que lutaram na guerra.

A figura que remete aos povos indígenas ganhou força em meio a criação de um ideal de heroísmo que evitava contemplar os negros, já que a escravidão ainda permanecia como uma chaga na sociedade brasileira, nem com os brancos, que poderiam ser confundidos com a figura do colonizador.

A opção pela representação dos povos originários antecipa um indianismo romântico e legitima o discurso da época que buscava amenizar possíveis conflitos sociais e raciais.

"Os caboclos vêm da tradição dos cultos afro-ameríndios e já eram entidades veneradas no meio popular. Só depois que passaram a ser oficialmente ícones da vitória do povo baiano na guerra da Independência", explica o historiador Milton Moura, professor aposentado da Universidade Federal da Bahia.

A celebração da Independência começou já em 1824, quando o 2 de Julho foi comemorado com a participação de ex-combatentes. Na primeira festa, segundo escritos do jornalista e abolicionista negro Manoel Querino, desfilou no cortejo carroça que havia sido tomada das tropas portuguesas, trazendo em cima um homem como a representação de um caboclo.

Nos anos seguintes, a escultura do caboclo em forma de índio assumiu o lugar na carroça. A festa foi abraçada pelas camadas populares de Salvador, não só como uma celebração cívica, mas como uma questão de pertencimento.

Ao longo dos anos, a festa se transforma conforme o contexto histórico. Na primeira metade do século 19, parte da elite local criticou a figura do caboclo como representação da fúria contra os portugueses e tentou, sem sucesso, barrá-los no desfile.

Conseguiram no século 20, época em que ganhou protagonismo o debate sobre a construção do Brasil como nação, discurso que veio acompanhado de uma ideia civilizadora do país. Elites conservadoras pressionaram, e os caboclos ficaram de fora do cortejo entre 1919 e 1943, substituídos pela imagem do Senhor do Bonfim.

O caboclo e a cabocla retornaram após pressão popular. Com o passar do tempo, sua dimensão religiosa ganhou ainda mais força, incluindo a entrega de oferendas e bilhetes por devotos nos carros que carregam as imagens durante cortejo. Terreiros de Candomblé realizam festejos para celebrar os caboclos no dia da Independência.

As celebrações na Bahia não se limitam a Salvador e se espalham por cidades do Recôncavo, Baixo-sul, Sudoeste e Sertão, reforçando a ideia de unidade das vilas da província contra o jugo português.

Uma das principais festas acontece em Cachoeira e São Félix, cidades vizinhas separadas pelo rio Paraguaçu que suspendem as suas rivalidades locais para celebrar a Independência.

É o momento em que a imagem do caboclo, que fica guardada em Cachoeira, recebe a cabocla que fica em São Félix. O casal guerreiro se encontra em 24 de junho e participa até 2 de julho das festividades nas duas cidades, unidas por uma ponte histórica construída por dom Pedro 2º.

Outra importante festividade acontece em Itaparica, onde a principal celebração acontece em 7 de janeiro, dia da batalha na ilha que foi marcada pela forte participação popular e protagonismo de mulheres como Maria Felipa.

Cidades como Santo Amaro, Maragogipe, Salinas das Margaridas, Jaguaripe, e Saubara também celebram o 2 de Julho. Nesta última, o destaque são as Caretas do Mingau, mulheres que ganham aparência fantasmagórica após se vestirem de branco, cobrirem o rosto com véus e carregarem velas nas mãos.

Elas representam as mulheres que se disfarçavam para levar comida para os soldados que faziam sentinela no litoral e no rio Paraguaçu. Na madrugada entre 1º e 2 de julho, elas percorrem a cidade com cantos e sambas de roda e distribuem porções de mingau.

Neste ano, quando a Independência do Brasil na Bahia completa 200 anos, as celebrações em Salvador têm início às 6h com uma alvorada de fogos de artifício, seguido do hasteamento das bandeiras no Largo da Lapinha. De lá, uma multidão sairá em cortejo até a Praça da Sé.

De tarde, os caboclos seguem até o largo do Campo Grande, onde fica o Monumento ao 2 de Julho, e serão saudados em cerimônia que terá a presença do presidente Lula (PT). Os festejos só se encerram três dias depois, quando as imagens são levadas de volta ao Pavilhão da Independência, na Lapinha, de onde só sairão no próximo 2 de julho.

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