Cid destoa de silêncio de Bolsonaro, chega antes à PF e estica depoimento sobre joias

Casal Bolsonaro e outros 2 aliados questionam atuação do STF e ficam calados; ex-ajudante de ordens decide falar

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Brasília

Jair Bolsonaro (PL), Michelle Bolsonaro e outros dois aliados do ex-presidente permaneceram em silêncio em depoimento nesta quinta-feira (31) à Polícia Federal sobre o caso das joias presenteadas por autoridades de países árabes.

O grupo usou a justificativa de que o STF (Supremo Tribunal Federal) não tem competência para atuar nessa fase da investigação e buscou driblar a decisão da PF de ouvir oito pessoas de forma simultânea para evitar combinação de versões.

A estratégia do casal Bolsonaro foi seguida também pelos seus assessores Fabio Wajngarten e Marcelo Câmara.

Outros quatro intimados pela PF a depor decidiram falar, a começar pelo ex-ajudante de ordens Mauro Cid, peça-chave na apuração em torno de desvio, venda, recompra e devolução de presentes de alto valor recebidos pelo ex-chefe do Executivo de autoridades estrangeiras.

O pai de Cid, General Lourena Cid, e o advogado Frederick Wassef também prestaram depoimento, e Osmar Crivelatti (tenente e ex-ajudante de ordens) falou por nove horas.

Jair Bolsonaro e os outros alvos da PF no caso das joias: Michelle, Mauro Cid, General Lourena Cid, Frederick Wassef, Fabio Wajngarten, Osmar Crivelatti e Marcelo Câmara - Montagem

Os que silenciaram ficaram por cerca de uma hora no local e depois seguiram para a sede do PL, partido de Bolsonaro. Na contramão, Mauro Cid, que chegou quase duas horas antes do horário combinado para sua oitiva, só deixou a sede da PF depois das 21h.

O ex-braço direito de Bolsonaro está preso desde 3 de maio no Batalhão do Exército de Brasília. Após mudar seu advogado de defesa, adotou postura de maior cooperação com autoridades policiais e tem tido longos depoimentos. Na segunda-feira (28), falou por 10 horas com investigadores sobre o caso do hacker Walter Delgatti Neto.

A justificativa de Bolsonaro e Michelle pelo silêncio é baseada em parecer da PGR (Procuradora-Geral da República), citando que o STF não poderia atuar na atual fase da investigação. Aliados do ex-presidente dizem que cabe à Justiça de São Paulo apurar o caso.

"Desta forma, considerando ser a PGR a destinatária final dos elementos de prova da fase inquisitorial para formação do juízo de convicção quanto a elementos suficientes ou não a lastrear eventual ação penal, os peticionários [Jair e Michelle], no pleno exercício de seus direitos e respeitando as garantias constitucionais que lhes são asseguradas, optam por adotar a prerrogativa do silêncio no tocante aos fatos ora apurados", disseram, em petição, os advogados Daniel Tesser e Paulo Bueno.

O ex-presidente, que costuma falar de improviso, desta vez silenciou também publicamente. Michelle, por sua vez, publicou uma nota nas suas redes sociais ressaltando, mais uma vez, o parecer da PGR.

"Não se trata de ficar em silêncio. Estou totalmente à disposição para falar na esfera competente e não posso me submeter a prestar depoimento em local impróprio, como já restou expressamente consignado pela dra. representante da Procuradoria-Geral da República (PGR), o STF não se mostra o órgão jurisdicional correto para cuidar da presente investigação", afirmou.

Já a defesa de Câmara, feita pelo advogado Eduardo Kuntz, disse "que o coronel Marcelo Câmara encontra-se absolutamente à disposição para prestar todo e qualquer esclarecimentos, todavia nos termos da petição apresentada existe manifestação da douta Procuradoria-Geral da República que não reconhece o presente local para tanto assim sendo, não se trata de permanecer em silêncio, mas sim prestar esclarecimentos nas esferas efetivamente competentes".

Wajngarten se queixa de não ter tido acesso à íntegra das mensagens sobre as joias trocadas entre ele e Cid. O conteúdo das mensagens levou a PF a chamá-lo para depor nesta quinta. O ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social afirma ainda que é advogado constituído por Bolsonaro nos autos.

Wasseff depôs por videoconferência da sede da PF em São Paulo. Ele falou com jornalistas na entrada e na saída do edifício da corporação, mas não deu detalhes sobre o que disse aos policiais. Afirmou ser vítima de fake news.

"O inquérito tramita em segredo de justiça. Eu respeito a PF, o Poder Judiciário. Eu sou vítima de vazamento sempre. Portanto não vazo nada", disse Wasseff, que advoga por Bolsonaro no caso da facada de 2018.

Como mostrou a Folha, a inclusão da investigação das joias no inquérito das milícias digitais no STF, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, gera questionamentos sobre a competência da corte na apuração.

Especialistas em direito penal destacam que, devido ao sigilo, não há conhecimento sobre quais são os eventuais elementos de conexão entre as condutas dos alvos ou provas, o que justificaria a condução dessa apuração no STF.

O ex-presidente Bolsonaro não tem mais foro perante a corte, e o caso das joias era investigado desde março de forma sigilosa pelo Ministério Público Federal em Guarulhos, a pedido da Receita Federal, e pela Polícia Federal em São Paulo. Há duas semanas, a Vara Federal local enviou o caso ao STF.

A apuração da PF a respeito das joias é, até o momento, a mais preocupante para o entorno do ex-presidente, por aproximá-lo de um suposto esquema de desvio de dinheiro público.

Também é o caso em que o ex-mandatário terá de elucidar contradições em declarações anteriores, uma vez que ele já mudou mais de uma vez sua linha de defesa.

Todos os convocados para depoimento nesta quinta são citados na investigação das joias que ocorre dentro do inquérito das milícias digitais no STF, sob relatoria de Moraes.

Entre os presentes recebidos, há joias e relógios negociados nos Estados Unidos, segundo a PF. Depois, os objetos teriam sido alvo de uma "operação resgate" orquestrada por Mauro Cid e pessoas próximas ao ex-presidente.

O uso de uma aeronave da Força Aérea Brasileira para levar as joias e presentes aos Estados Unidos e as mensagens indicando o retorno do dinheiro oriundo de vendas para o bolso do ex-mandatário são até agora as principais informações reveladas pelos investigadores.

A PF quer saber de Bolsonaro até que ponto ele participou da operação e quanto lucrou com a negociação das joias e presentes. A defesa tem negado as irregularidades e colocou o sigilo bancário do ex-mandatário à disposição do STF, após Moraes ter autorizado o levantamento dos dados.

Um dos argumentos utilizados por seus defensores é o de que os presentes eram itens personalíssimos quando recebidos e, portanto, não haveria irregularidade numa suposta venda.

Para a PF, Bolsonaro utilizou a estrutura do governo federal para desviar presentes de alto valor e isso resultou em enriquecimento ilícito.

O depoimento desta quinta-feira é o quinto de Bolsonaro aos policiais neste ano. O ex-presidente já foi chamado a prestar esclarecimento sobre o caso das joias em outro momento, dos ataques golpistas de 8 de janeiro, da suposta fraude em cartão de vacina e das acusações do senador Marcos do Val (Podemos-ES).

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