Descrição de chapéu forças armadas TSE

Hacker foi à Defesa a pedido de Bolsonaro, ficou 20 min e acabou rotulado como leigo

Segundo relatos de militares, Delgatti conversou com um técnico da equipe de fiscalização das Forças Armadas e foi dispensado

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Brasília

Militares que integraram a equipe de fiscalização do processo eleitoral em 2022 pelo Ministério da Defesa confirmam que Walter Delgatti esteve na pasta para tratar sobre a segurança das urnas eletrônicas.

Dois integrantes das Forças Armadas que participaram do processo informaram à Folha, sob reserva, que o conhecido hacker da Vaza Jato esteve uma única vez na sede ministerial. Eles negam influência dele na confecção do relatório final da fiscalização.

A versão dos militares contraria a apresentada por Delgatti à CPI do 8 de janeiro, na última quinta-feira (17). Na ocasião, ele disse ter participado de cinco reuniões no Ministério da Defesa sob o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), recentemente condenado pelo TSE por mentiras e ataques ao sistema eleitoral, ficando assim inelegível pelos próximos oito anos.

Hacker Walter Delgatti foi recebido por técnico militar em visita ao Ministério da Defesa, em 10 de agosto - Pedro Ladeira/Folhapress

Técnicos e integrantes do Ministério da Defesa confirmaram, sob reserva, que Delgatti foi ao prédio da pasta em 10 de agosto, uma quarta-feira. Estava acompanhado do assessor especial da Presidência Marcelo Câmara, que é coronel da reserva.

Sua ida à pasta foi intermediada pelo então presidente Bolsonaro.

"A conversa foi bem técnica, até que o presidente me disse, falou assim: ‘Olha, a parte técnica eu não entendo. Então, eu irei enviá-lo ao Ministério da Defesa, e lá, com os técnicos, você explica tudo isso’", disse Delgatti a deputados e senadores da CPI do 8 de janeiro.

À CPI ele disse que a campanha do ex-presidente planejou forjar a invasão de uma urna eletrônica durante as celebrações do 7 de Setembro de 2022, menos de um mês antes da eleição.

Como mostrou a Folha, ainda que fosse colocado em prática, o suposto plano relatado por ele à CPI não seria capaz de comprovar que as urnas eletrônicas e o processo eleitoral poderiam ser frágeis.

Especialistas em engenharia da computação consultados pela reportagem explicam que, caso concretizado, o plano teria no máximo um efeito para convencimento de um público leigo.

Segundo os relatos, o prédio da Defesa estava esvaziado quando ocorreu a visita do hacker.

Nove dos dez técnicos de informática da equipe das Forças Armadas estavam na sede do TSE para a análise do chamado código-fonte das urnas. Já o ministro da Defesa à época, Paulo Sérgio Nogueira, havia viajado a Belém (PA) após ter participado da Operação Formosa, no entorno de Brasília, pela manhã.

Delgatti chegou ao ministério com o coronel Câmara pelo subsolo do prédio, sem fazer registro na portaria. Na sequência, subiu ao oitavo andar e se encontrou com um dos técnicos que compunham a equipe de fiscalização.

A conversa demorou cerca de 20 minutos, segundo os relatos.

Na versão que circula entre os militares, o técnico da Força percebeu na conversa que Delgatti não conhecia o sistema eleitoral com profundidade e, por isso, não teria nada a acrescentar ao trabalho.

O ministro Paulo Sérgio Nogueira disse a interlocutores que não se encontrou com Delgatti em nenhum momento. O hacker, por outro lado, afirma tê-lo encontrado nesse período. O general avalia tomar medidas judiciais contra Delgatti, segundo relatos.

Os militares que participaram do processo de fiscalização ainda contestam a afirmação de Delgatti sobre a suposta influência do hacker na produção do relatório final dos trabalhos.

Eles contam, por exemplo, que a Defesa fez os primeiros questionamentos ao TSE em dezembro de 2021 e apresentou propostas de melhoria do processo eleitoral em março do ano seguinte.

A tese principal dos militares no relatório, a de que um código malicioso poderia inverter votos, foi apresentada publicamente em 14 de julho de 2022 —antes, portanto, da conversa com Delgatti.

Os oficiais das Forças ainda argumentam que os três principais apontamentos do relatório final só poderiam ter sido escritos por quem acompanhou o processo eleitoral completo.

São eles: possíveis riscos com o acesso dos computadores à rede do TSE durante a compilação do código-fonte, a baixa participação do teste de integridade com biometria e as restrições impostas à análise do código.

A última reclamação da Defesa, porém, não considerou o fato de os militares só terem pedido para checar o código-fonte às vésperas do término do prazo, sendo que o material ficou disponível para as entidades fiscalizadoras 12 meses antes da eleição.

A equipe das Forças Armadas que fiscalizou as urnas tinha dez integrantes: coronel Marcelo Nogueira de Souza (Exército); coronel Wagner Oliveira da Silva (Aeronáutica); coronel Ricardo Sant’ana (Exército); capitão Marcus Rogers Cavalcante Andrade (Marinha); capitão Helio Mendes Salmon (Marinha); capitão Vilc Queupe Rufino (Marinha); tenente-coronel Rafael Salema Marques (Aeronáutica); major Renato Vargas Monteiro (Exército); major Antônio Amite (Exército) e capitão Heitor Albuquerque Vieira (Aeronáutica).

Outros nove militares foram chamados para auxiliar na análise do código-fonte, mas não permaneceram no trabalho junto aos demais técnicos que produziram o relatório final da fiscalização.

O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, pediu ao diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, que informasse detalhes da visita de Walter Delgatti ao Ministério da Defesa. O objetivo, segundo o ministro, é punir quem manteve contato com o hacker.

Em resposta, o chefe da PF disse que a investigação ainda não havia identificado quando nem com quem o hacker se encontrou. "Vamos apurar", disse Múcio à Folha.

A atuação inédita das Forças Armadas na fiscalização das eleições foi utilizada por Bolsonaro para desacreditar o sistema eletrônico de votação e motivo para acirrar a crise entre o governo e o TSE.

Mesmo dizendo que agia de forma técnica e independente, o ex-ministro Paulo Sérgio repetiu as teses bolsonaristas para aumentar a desconfiança das urnas e encampou proposta rejeitada pelo Congresso para instituir a impressão do voto.

O relatório final da fiscalização dos militares não apontou fraude na eleição, apesar de reclamar de três partes do processo eleitoral. Os principais instrumentos para avaliar a confiabilidade do processo eleitoral foram utilizados pelos militares. A conclusão é que não foi identificada nenhuma divergência.

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