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Ministros do STF formam maioria para mudar regra e beneficiá-los sobre escritórios de parentes

Tribunal libera magistrados a atuar em processos desde que sem participação direta nas causas

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Brasília

O STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria neste sábado (19) para permitir que juízes atuem em processos de clientes de escritórios de advocacia que tenham parentes dos próprios magistrados em seus quadros. Segue valendo o impedimento quando há atuação direta dos familiares nos casos.

A controvérsia foi suscitada junto ao Supremo em 2018 pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), autora de ADI (ação direta de inconstitucionalidade) que questiona trecho do Código de Processo Civil com regras para o exercício da magistratura.

Para a entidade, a regra fere o princípio da proporcionalidade.

Votaram pela inconstitucionalidade do dispositivo até o momento, ou seja, pela mudança da regra atual, os ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Kássio Nunes Marques e Alexandre de Moraes.

A regra examinada no Supremo afeta Zanin, que era sócio da esposa, a advogada Valeska Teixeira Zanin Martins, e outros ministros que têm esposas e filhos na advocacia, casos de Gilmar, Toffoli, Moraes, Fux, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin.

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Fachada do prédio principal do Supremo Tribunal Federal, em Brasília - Gabriela Biló - 3.mai.2022/ Folhapress

A AMB alegou em seu pedido que a vedação estabelecida pelo CPC "peca" por falta de razoabilidade ou de proporcionalidade ao exigir dos magistrados "uma conduta impossível de ser observada".

A associação ponderou que a regra de impedimento não tem como ser aplicada por ato unilateral dos juízes, a partir do exame do processo no qual haveria de se declarar impedido.

"[A regra] Deve estar sendo descumprida pela maioria quase absoluta dos magistrados, sem que saibam que estão incorrendo nesse descumprimento", afirmou a entidade.

O Senado, origem do projeto que resultou no novo CPC, prestou informações nos autos e frisou que a hipótese do impedimento visou combater o tráfico de influência no âmbito processual.

A PGR (Procuradoria-Geral da República) defendeu a constitucionalidade do dispositivo. Mesma posição tomou a AGU (Advocacia-Geral da União), que destacou a contribuição da regra para a proteção da imparcialidade do magistrado, "evitando sua fragilização por eventual relação profissional mantida entre seu cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau".

As instituições defensoras de um cenário mais restritivo afirmaram ainda que eventual dificuldade em se detectar a situação de impedimento pelo próprio magistrado não pode servir de argumento suficiente para afastar a constitucionalidade da norma.

Relator da ação, Fachin refutou a tese da AMB e votou em 2020 pela constitucionalidade. "É justa e razoável a presunção legalmente estabelecida de ganho, econômico ou não, nas causas em que o cliente do escritório de advocacia de parente do magistrado atue", defendeu.

"Por isso, em casos tais, cabe ao magistrado e às partes cooperarem para a prestação da justiça íntegra, imparcial e independente. Reitero que o dispositivo distribui cargas de deveres não apenas ao juiz, mas a todos os sujeitos processuais".

Fachin foi acompanhado por Rosa Weber, Luís Roberto Barroso, esse com ressalvas, e Cármen Lúcia.

Barroso disse entender que deveria haver exceções, como as ações destinadas a avaliar a compatibilidade de leis e atos normativos com a Constituição, em que "não há propriamente partes nem interesses subjetivos envolvidos, mas apenas legitimados à propositura da ação constitucional".

Gilmar, por sua vez, apresentou voto divergente e foi acompanhado por cinco colegas. A esposa do ministro, a advogada Guiomar Feitosa Mendes, é sócia do Sergio Bermudes Advogados, que tem centenas de processos na corte.

Para ele, as regras de impedimento previstas na legislação já são suficientes. Ao manifestar posição contrária ao dispositivo, ele afirmou que o dispositivo do Código de Processo Civil possibilita a criação de estratégias para evitar que o processo seja julgado por um determinado magistrado.

"Ressalte-se que não se desconhece que há, em nossa história, relatos de episódios de julgamentos em que o magistrado, a pretexto de favorecer a parte patrocinada por seu cônjuge ou parente, tenha deixado de observar a regra de impedimento do art. 144 do CPC [Código do Processo Civil]", disse.

"Contudo, tenho para mim que uma cláusula aberta, excessivamente abrangente, como a do inciso VIII, segundo a qual basta que a parte seja cliente do escritório para afastar o magistrado, não seja o melhor remédio para o combate desse problema."

Zanin, por sua vez, afirmou que a regra combatida é desproporcional, "em grave prejuízo ao serviço público e à segurança jurídica".

"Impedir o parente do magistrado de atuar como advogado, além de ser juridicamente impossível, restringe as oportunidades de terceiro, em afronta à liberdade de iniciativa e ao direito ao trabalho e à subsistência", afirmou o ministro indicado pelo presidente Lula (PT), de quem é amigo e foi advogado.

O processo começou a tramitar no STF em 2018 e o julgamento chegou a ser iniciado em 2020, mas um pedido de vista (mais tempo para estudar) apresentado por Gilmar o interrompeu. Retomada neste ano, a análise é feita em plenário virtual (votos por escrito) e será concluída nesta segunda-feira (21). Ainda não votou André Mendonça.

As regras de impedimento e suspeição a magistrados estão previstas no Código de Processo Civil e no Código de Processo Penal.

No caso do impedimento, os vetos são objetivos. Um juiz não pode, por exemplo, julgar casos em que tenha atuado antes, seja como advogado, defensor ou pelo Ministério Público, ou em ações que tenham participação do cônjuge ou parentes ou em que esses forem sócios ou herdeiros.

As limitações buscam garantir a imparcialidade dos julgamentos e também valem para ministros do STF.

Na prática, porém, o impedimento tem sido aplicado por declaração dos próprios integrantes da corte quando questionados sobre as regras, como mostra uma pesquisa feita pelo grupo Supremo em Pauta, da FGV Direito SP.

O mesmo grupo de estudos mostrou também que o STF arquivou todos os pedidos de impedimento ou suspeição feitos e já analisados contra seus ministros em mais de três décadas, além de ter violado seu regimento em ações sobre imparcialidade.

Os pedidos de suspeição de integrantes do STF podem ser feitos por alguma das partes envolvidas nos processos. Há situações em que o ministro se declara impedido antes do questionamento das partes.

SUSPEIÇÃO E IMPEDIMENTO NO STF

Rito
Está previsto nos artigos 277 e 287 do regimento interno do STF:

  • Admissibilidade da arguição: seguimento da ação ou arquivamento
  • Se seguir, pede-se manifestação do ministro
  • Recebida manifestação, encaminha-se para plenário e julgamento

Nova fase, após manifestação do ministro, leva processo ao arquivo

Exemplos de casos de atenção
As causas de suspeições estão nos artigos 254, do CPP (Código de Processo Penal) e 145, do CPC (Código de Processo Civil); as de impedimento estão nos 252, do CPP, e 144 e 147, do CPC

Suspeição:

  • Amizade ou inimizade
  • Receber presentes
  • Parte credora ou devedora sua ou de cônjuge
  • Dar conselhos a qualquer das partes

Impedimento:

  • Atuação de cônjuge como defensor
  • Ter sido como promotor no caso
  • Quando figurar como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente

Fontes: Código de Processo Penal e Código de Processo Civil

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