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Mudanças no ambiente de trabalho afetam saúde mental de advogados

Profissionais afirmam que a digitalização teve impactos psicológicos negativos

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Renato Brocchi
São Paulo

As mudanças trazidas pela pandemia e o teletrabalho desregulado têm contribuído para agravar questões de saúde mental em uma profissão já conhecida pela pressão e competitividade.

Problemas que se tornaram comuns entre advogados, como depressão, ansiedade, estresse e abuso de substâncias, motivaram a elaboração de iniciativas como a "Cartilha da Saúde Mental da Advocacia", publicada pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), e serviços de atendimento psicossocial.

"A advocacia é uma profissão bastante vulnerável ao estresse pela própria natureza da atividade", diz a psicóloga Ana Carolina Peuker, coordenadora técnica da cartilha. "É uma atividade que lida no seu cotidiano com questões de litígio, existe uma alta competitividade."

Sala de reunião na sede da OAB paulista - Rubens Cavallari-14.ago.23/Folhapress

Ana Carolina é CEO da Bee Touch, uma startup especializada no rastreamento digital de saúde mental. A empresa fez levantamentos durante a pandemia de Covid-19 com foco na advocacia.

A psicóloga diz que os dados revelaram transtornos por uso de substâncias psicoativas (o álcool em especial), dificuldades relacionadas ao sono e impactos do teletrabalho e da "hiperconectividade" —que dá aos profissionais a impressão de estarem ligados ao trabalho o tempo inteiro.

A isso somam-se todos os velhos problemas da profissão, como as longas jornadas e o abuso de remédios para aumentar a produtividade.

"Todo esse contingente de pessoas tentando se adaptar a esse mundo virtual, a um mundo muito mais interativo que exige uma agilidade muito grande" é um dos principais problemas para as gerações mais velhas de advogados, na avaliação de Adriana Galvão, advogada presidente da Caasp (Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo).

Assim como Ana Carolina, ela também vê a digitalização como uma fonte de aflição para advogados não tão afeitos às novidades tecnológicas —a necessidade de adaptação, nesses casos, pode ser um baque com o qual é difícil lidar.

Enquanto isso, ainda na avaliação de Adriana, aos mais novos lhes aflige a inserção no mercado advocatício. "O advogado jovem fica ansioso para conseguir já se estabelecer no mercado de trabalho em razão do contingente enorme de profissionais que temos", explica.

A "Cartilha da Saúde Mental" da OAB foi idealizada quando sua autora, Sandra Krieger, presidia a então Comissão Especial do Direito Médico e da Saúde, em 2018.

Advogada e ex-conselheira federal da OAB por Santa Catarina, ela levanta ainda outra questão ligada ao mundo digital: a pressão para se promover como advogado de sucesso nas redes sociais, que, em sua visão, estaria ligada à piora nos quadros de saúde mental.

Já Marisa Gaudio, presidente da Caarj (Caixa de Assistência dos Advogados do Rio de Janeiro), concorda que a dinâmica do trabalho na advocacia não ajuda quando se trata de saúde mental.

"A demora dos processos, de sair um mandado de pagamento" e "ser, às vezes, maltratado por um juiz, por um delegado" são, como conta Marisa, acontecimentos comuns que apenas fazem aumentar as angústias.

Assistência e prevenção

Ana Carolina e Sandra concordam que a pandemia de Covid-19 ao menos promoveu uma abertura maior ao tema: mais profissionais estão confortáveis em falar sobre suas fragilidades.

Sandra avalia que a própria preocupação da classe advocatícia contribuiu para um avanço "de se enxergar na profissão como um profissional que tem muitos desafios, muitas frustrações, mas que tem que prestar atenção em si".

A cartilha de Sandra começou a ser publicada em 2018. Sua edição mais recente, sob coordenação de Ana Carolina e com informações sobre os impactos da Covid, é de 2021.

As Caixas de Assistência dos Advogados, instituições que objetivam dar assistência social aos inscritos na OAB, se organizam, com campanhas e programas, para remediar a situação. Elas costumam subsidiar consultas com psicólogos, além de promoverem projetos temáticos sobre saúde mental.

A Caixa de Assistência do Rio de Janeiro, por exemplo, mantém programas com enfoques específicos.

Um é voltado a oferecer atendimento psicossocial para mulheres advogadas vítimas de violência; um outro, ainda sendo implementado, visa a oferecer apoio a advogados negros, com profissionais de saúde também negros.

Adriana afirma que a Caasp mantém programas voltados a esportes e atividades físicas como forma de combater problemas de saúde mental. A presidente da caixa cita modalidades tanto modalidades presenciais quanto aquelas com possibilidade de participação remota, como a ioga.

Há uma caixa de assistência por estado e no Distrito Federal, e todas operam sob a Concad (Coordenação Nacional das Caixas de Assistência dos Advogados).

Maurício Leahy, coordenador nacional da Concad Saúde e presidente da Caixa de Assistência da Bahia, afirma que ações relacionadas à saúde mental, como as ações do Setembro Amarelo (voltadas à prevenção de suicídios) e os atendimentos psicológicos e psiquiátricos, devem ser replicadas nas 27 caixas pelo país.

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