Postagem anti-Israel provoca demissão de presidente da EBC do governo Lula

Palácio do Planalto avaliou que a permanência de Doyle se tornou insustentável

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Brasília

O presidente da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), Hélio Doyle, foi demitido nesta quarta-feira (18) após compartilhar em redes sociais publicações críticas a apoiadores de Israel.

O Palácio do Planalto avaliou que a permanência de Doyle se tornou insustentável pelas suas postagens, em meio ao conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas.

O presidente da EBC Hélio Doyle - Pedro Ladeira - 31 jan. 2023/Folhapress

A demissão foi confirmada nos bastidores por assessores palacianos. No entanto, o governo federal articulou uma saída para que o próprio Doyle anunciasse que ele pediu para deixar o cargo.

Um dos cotados para assumir o cargo é o secretário-executivo da Secom (Secretaria de Comunicação Social), Ricardo Zamora.

"O ministro Paulo Pimenta [da Secretaria de Comunicação Social] me manifestou hoje seu descontentamento por eu ter repostado, no X, postagem de terceiro acerca do conflito no Oriente Médio. Disse-me que a referida repostagem e sua repercussão na imprensa criaram constrangimentos ao governo, que mantém posição de neutralidade no conflito, em busca da paz e da proteção aos cidadãos brasileiros", escreveu o próprio Doyle, em sua rede social.

"Diante disso, pedi desculpas e comuniquei que deixo a presidência da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), agradecendo ao ministro Pimenta e ao presidente Lula pela confiança em mim depositada por todos esses meses", completou.

A demissão acontece horas após Doyle usar sua rede social para repostar publicação em que chama os apoiadores de Israel de "idiota". "Não precisa ser sionista para apoiar Israel. Ser um idiota é o bastante", diz a postagem, noticiada inicialmente pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Essa não foi a única. O ex-presidente da EBC publicou em suas redes sociais uma série de críticas a Israel ao longo dos últimos dias, sejam por postagens próprias ou republicando terceiros.

Em uma de sua autoria, ele critica veículos de mídia por sua cobertura no conflito.

"Para validar a mentira de Israel, tem emissora pró-EUA contando o que é a Jihad Islâmica. E frisando sua aliança com o Irã… chamam de 'guerra de versões", escreveu. "Eu juro que ouvi agora um comentarista de TV dizer que não se sabe quem atacou o hospital em Gaza", afirmou em outra postagem.

As publicações de Doyle acontecem em um momento em que a oposição busca desgastar o governo, explorando a sua posição e a do PT em defesa do povo palestino. Bolsonaristas tentam explorar a resistência do governo em considerar o Hamas um grupo terrorista, buscando associar o partido de Lula ao grupo.

O Brasil não considera o Hamas uma organização terrorista, pois tem uma posição histórica de seguir a classificação do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.

Na terça (17), o PT elevou o tom numa troca de críticas públicas com a Embaixada de Israel em Brasília e ampliou a pressão sobre o governo no embate político sobre a guerra contra o Hamas.

As declarações do partido —que disse que o representante de Israel no país "não tem autoridade moral para falar em direitos humanos"— levou aliados de Lula a tentar nos bastidores descolar o governo da troca de acusações.

Na segunda-feira (16), o PT divulgou uma resolução sobre o conflito entre Israel e Hamas dizendo que rechaça "todo e qualquer ato de violência contra civis, venham de onde vierem".

"Por isso, condenamos os ataques inaceitáveis, assassinatos e sequestro de civis, cometidos tanto pelo Hamas quanto pelo Estado de Israel, que realiza, neste exato momento, um genocídio contra a população de Gaza, por meio de um conjunto de crimes de guerra".

A acusação de que Israel comete crimes de guerra e genocídio provocou uma resposta da missão diplomática. Numa rede social, a embaixada comandada por Daniel Zonshine falou em "extrema falta de compreensão da atual situação".

Por outro lado, o governo Lula vem tomando um cuidado em suas notas e posições, tentando mostrar neutralidade, para conseguir seguir negociando com os dois lados.

O próprio ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou durante audiência no Senado, nesta quarta-feira, que foi essa posição brasileira que permitiu negociar a repatriação dos cidadãos nacionais.

"A nossa preocupação não foi em tomar uma posição política, porque inclusive o Brasil se dá e se dá bem com os dois lados, com Israel e Palestina. E graças a isso, inclusive, conseguimos ter diálogo com os dois lados, diálogo muito fluente, muito fluido, para conseguir retirar os brasileiros", afirmou.

Assessores palacianos avaliam que as postagens em si já justificavam a demissão de Hélio Doyle, mas acrescentam que o presidente da EBC já estaria desgastado com o Palácio de Planalto, em decorrência de uma série de escolhas e episódios.

Um dos atritos se deu por declarar em uma entrevista que sofreu pressão do ministro da Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República), Paulo Pimenta, para demitir o jornalista Luiz Carlos Braga.

O então editor-chefe da EBC negou em um podcast a existência de ditadura militar no Brasil. Afirmou que foi um "governo militar". Ele também criticou a eleição de Lula e elogiou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Ao expor a pressão, Doyle entrou em uma rota de colisão não apenas com Pimenta, mas com outros importantes personagens no Palácio do Planalto.

Havia também diversas críticas à programação da emissora. A EBC não divulgou de imediato a notícia de que a ex-presidente Dilma Rousseff tinha sido inocentada do caso das pedaladas fiscais. A reclamação de aliados era que essa notícia era pública, sendo divulgada por todos os veículos de imprensa, então não haveria uma acusação de uso da máquina pública para beneficiar uma aliada.

A EBC, uma emissora pública, também estaria demorando para divulgar ações do governo, que ganhavam destaque em outros veículos. Um dos exemplos foi a proposta do Ministério da Fazenda para taxar os fundos exclusivos e as chamadas offshores, que foi divulgada com atraso pela emissora, apenas no dia seguinte.

Doyle também teria desagradado o Palácio do Planalto ao não contratar o jornalista José Trajano, alegando que seria um custo muito alto. Enquanto isso, mantinha na grade um programa de culinária, com grau elevado de investimento.

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