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Nem a ditadura foi tão ambiciosa quanto o STF ao decidir sobre entrevistas

Tese dos ministros do Supremo sobre punição à imprensa faz inversão absoluta de valores

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Luís Francisco Carvalho Filho

Colunista da Folha e advogado criminal, presidiu a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (2001-2004)

A decisão que permite a responsabilização civil de empresas jornalísticas pela fala de pessoa entrevistada é um desatino que pode nos remeter para tempos obscurantistas.

O Supremo Tribunal Federal protegia a liberdade de expressão, sempre ameaçada por governantes e agentes públicos, que adoram jornalismo subserviente, pelego. Mudou. Agora, o STF pretende estabelecer um regime político de intangibilidade da honra de personalidades e políticos, inclusive corruptos e pilantras.

Nem a ditadura foi tão ambiciosa.

Segundo o tribunal, a imprensa tem o dever de verificar a veracidade dos fatos antes e se há "indícios concretos" de falsidade na acusação proferida pelo entrevistado. É a inversão absoluta de valores. Quer fazer do jornalismo uma instância cartorial, burocrática.

Sede do Supremo Tribunal Federal, em Brasília - Pedro Ladeira - 31.jan.23/Folhapress

A decisão é também idiota: o princípio não tem aplicação viável quando se trata de entrevista ao vivo, a não ser que estabelecesse a obrigação de algum mecanismo preventivo ou simultâneo de censura.

De quebra, em mais uma escorregadela tirânica, aparentemente sugerida pelo ministro Cristiano Zanin, o STF salienta que a Justiça pode determinar a remoção de conteúdo com "informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas". É de causar inveja aos "juristas" do regime militar.

Vejamos um exemplo curioso. Se o ministro Gilmar Mendes repetir hoje para um repórter o que disse em 2015, que o PT instalou no país "um modelo de governança corrupta", algo que mereceria o nome de "cleptocracia", o órgão de imprensa poderia ser responsabilizado civilmente, muito embora o ministro tenha capacidade financeira e idoneidade moral para responder por seus atos e opiniões.

Diante da repercussão negativa, o novo presidente do STF, Luís Roberto Barroso, que inaugura seu mandato com esse monstrengo jurisprudencial, tenta acalmar o ambiente e defender o indefensável, afirmando que a decisão de quarta-feira só afeta casos de "negligência grosseira". Não é verdade.

A tese da repercussão geral formulada não menciona a tal "negligência grosseira". O portal do STF prevê a aplicação do novo princípio em pelo menos 119 casos que aguardam a manifestação preguiçosa e temerária do tribunal.

Além de incentivar a autocensura e de sugerir a existência de limites para o direito de crítica, contrariando entendimentos liberais anteriores do próprio tribunal, quando agia como guardião da liberdade de expressão, o STF de hoje, mais mesquinho, estimula o "juiz da esquina" a punir veículo de comunicação que não "verificar a veracidade dos fatos" antes da publicação da entrevista.

Os pequenos e médios veículos de comunicação serão vítimas da Justiça local, muitas vezes exercida por magistrados corporativistas e autoritários.

Se a tese da repercussão geral prevalecer mesmo, tal como está formulada em tira de julgamento (o acórdão ainda será redigido), este princípio bizarro da verificação da veracidade dos fatos pelo veículo de comunicação pode se consolidar e se estender para outras situações jornalísticas, criando embaraços para o jornalismo investigativo, que tanto incomoda governantes e pilantras.

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