Exército registrou em diário do QG provocação de bolsonaristas e arma branca com invasores

Documentos sobre ocorrências na sede do comando apontaram crescimento de acampamento e 'desordem' antes do 8/1

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Brasília

Em uma espécie de diário do quartel-general do Exército, em Brasília, militares registraram o crescimento do protesto bolsonarista após as eleições de 2022, brigas e a presença de canivete e arma de choque nas mãos dos golpistas.

Dois meses antes dos atos golpistas de 8 de janeiro, os documentos já apontavam que carros, barracas e comércios causavam "desordem" em frente à sede do comando da força terrestre. Os papéis também registraram problemas menores, como vaso sanitário usado por militares entupido e falta de porta nos boxes de banheiros.

Bolsonaristas expulsam agentes do governo do Distrito Federal que tentavam desmontar o acampamento golpista em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília - Gabriela Biló - 29.dez.2022/Folhapress

Os registros do DIEx [Documento Interno do Exército] sobre ocorrências no QG foram obtidos pela Folha em pedido baseado na Lei de Acesso à Informação.

"Em decorrência da manifestação na Praça dos Cristais [em frente ao quartel], foram observadas diversas barracas, tendas, banheiros químicos e demais estruturas de apoio por toda área adjacente. Observou-se, ainda, comércio de gêneros alimentícios e vestuários no local. Por fim, existiam diversos veículos estacionados por toda a área verde da região, gerando desordem", afirma o documento sobre a passagem do dia 7 para 8 de novembro.

Os relatórios ainda apontaram o avanço da violência entre os acampados. Durante a madrugada de 31 de dezembro de 2022, militares precisaram pedir reforço para conter manifestantes que tentaram parar um carro e faziam "provocações".

A equipe chegou tarde ao local, quando os bolsonaristas já haviam voltado ao acampamento, segundo as anotações feitas pelos militares.

Já na madrugada de 9 de janeiro, horas após os ataques golpistas, 13 pessoas entraram no parque desportivo do Comando Militar do Planalto. Eles foram rendidos por um soldado e revistados por um pelotão de reforço, que encontrou "arma elétrica de baixa potência" e um canivete.

O documento registra que "todos os civis foram identificados, fotografados, filmados e depois liberados", sem detalhar se os invasores integravam ou não o acampamento golpista.

Em nota, o Exército disse que a área invadida é "erma e afastada" da sede da Força, ainda que esteja cerca de 1 km distante de uma das entradas do QG. A força terrestre ainda afirma que o acesso ao local se deu por "desorientação dos envolvidos, não tendo sido identificada a caracterização de dolo de invadir e/ou permanecer no local de forma irregular".

A entrada dos civis na área de controle militar foi revelada pelo site Metrópoles, que afirma que 2 dos 13 integrantes do grupo depois acabariam presos por participação nos ataques golpistas.

O Exército ressaltou ainda que "agiu conforme as normas operacionais de controle de distúrbios civis" no dia 8 de janeiro para retomada do Palácio do Planalto. "Todos os fatos daquele dia foram apurados em processos administrativos, inclusive os narrados na demanda, e permanece acompanhando as diligências realizadas por determinação da Justiça e colaborando com as investigações em curso".

"Por fim, cabe destacar que o Exército Brasileiro pauta suas ações pela legalidade e respeito às Instituições da República e, particularmente, aos Órgãos de Segurança Pública", diz ainda a Força.

As ações dos militares no 8 de janeiro foram questionadas dentro do governo. Em 21 de janeiro, o presidente Lula (PT) mudou o comando do Exército em meio à crise de confiança aberta com os atos golpistas.

Uma das razões da desconfiança do governo sobre os militares foi a resistência para desmontar o acampamento bolsonarista. Na noite de 8 de janeiro, o Exército montou uma linha de tanques e militares para impedir a entrada de agentes da Polícia Militar que tinham ordens para acabar com a concentração golpista em frente ao QG.

A corporação ainda omite de quem partiu a ordem para montar essa barreira. Após pedido da Folha via LAI (Lei de Acesso à Informação), a CGU (Controladoria-Geral da União) determinou que a Força deve mostrar esses dados, e solicitou acesso a documentos como o Livro de Partes do QG.

Trata-se de documento que, para a CGU, deveria registrar ocorrências na unidade militar, como a saída e entrada de tanques de combate. O Exército, porém, não liberou esses documentos.

A reportagem, então, pediu o Livro de Partes em novo processo baseado na LAI. O Exército, neste caso, liberou nove edições do documento identificado como "DIEx do Serviço de Superior de Dia à Guarnição de Brasília", elaborados entre 31 de outubro de 2022 e 9 de janeiro de 2023.

Parte dos papéis foi tarjada pelo Exército, mas o texto censurado ainda poderia ser facilmente copiado no arquivo fornecido pela Força.

No papel com ocorrências registradas na madrugada de 8 de janeiro, por exemplo, havia tarjas nas anotações sobre "instalações" militares, mas basta selecionar, copiar e colar este trecho do arquivo para verificar a seguinte anotação: "os boxes do banheiro masculino e do banheiro feminino estão sem portas"; "o vaso sanitário do banheiro masculino está entupido" e "algumas identificações do quadro branco estão soltas".

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