Descrição de chapéu Os segredos do 8/1

Discussão de Lula sobre GLO no 8/1 teve batida na mesa para rechaçar ação de militares

Presidente descartou recorrer às Forças Armadas para conter golpistas

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Brasília

O presidente Lula (PT) assistia às cenas de vandalismo nos prédios dos Três Poderes e debatia com ministros a solução para dar fim aos ataques golpistas em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, quando reagiu com veemência à hipótese de decretar uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) —que consistiria em chamar as Forças Armadas para conter os atos.

Segundo relatos, o presidente bateu na mesa e afirmou indignado que, se os militares quisessem o poder, que disputassem as eleições. Lula estava em Araraquara, no interior de São Paulo, para onde tinha viajado para ver estragos causados por chuvas no final de 2022.

"Nas conversas que eu tive com o ministro Flávio Dino [da Justiça], e foram muitas conversas, dentre várias coisas que ele me falou, ele aventou que uma das possibilidades era fazer GLO. E eu disse que não teria GLO. Eu não faria GLO porque quem quiser o poder que dispute as eleições e ganhe, como eu ganhei as eleições", contou Lula, em declaração enviada à Folha sobre os acontecimentos daquele dia.

"Por que eu, com oito dias de governo, iria dar para outras pessoas o poder de resolver uma crise que eu achava que tinha que resolver na política? E foi resolvida na política", continuou o presidente.

Lula, com Edinho ao lado, fala com o dedo em riste
Em gabinete de crise improvisado em Araraquara, Lula fala sobre ataques golpistas em Brasília; ao seu lado, Edinho, prefeito da cidade no interior paulista - Joel Silva/Folhapress - 8.jan.2023

A decisão de rejeitar a GLO e optar por uma intervenção no Distrito Federal foi tomada em meio a um clima de desconfiança a respeito do que os militares fariam com o poder na mão, diante da pressão de apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) por um golpe.

Naquele dia, autoridades envolvidas na resposta aos ataques chegaram a avaliar que os próprios manifestantes queriam a GLO, na esperança de que os militares convocados a atuar aderissem ao movimento golpista.

Quando conversou com Lula, Dino estava no Ministério da Justiça, de onde podia assistir às cenas de vandalismo. O ministro disse ao presidente que era necessário tomar o controle da situação porque a polícia do Distrito Federal não continha os apoiadores de Bolsonaro.

Em uma das conversas citadas por Lula, Dino apresentou um cardápio de opções para reassumir o controle: GLO, intervenção no Distrito Federal, estado de sítio ou de defesa.

As duas últimas opções foram consideradas extremas e Lula as rechaçou. A primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja, também se manifestou contra a GLO. De acordo com relatos, ela se levantou da cadeira e afirmou que isso significaria entregar o poder civil aos militares.

Lula ainda conversou com o ministro José Múcio (Defesa), que teria dito que os comandantes militares estavam à disposição para agir. Depois disso, o presidente rejeitou de vez a hipótese de GLO.

O clima no gabinete de crise montado na prefeitura de Araraquara era de pura tensão, de acordo com quem estava lá.

Lula conversava com seus ministros e autoridades do Congresso a todo momento. Exaltado, procurava por informações.

Segundo relatos, ele gritou ao telefone com o general Gonçalves Dias, então ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), e perguntou se algo seria feito. Do outro lado da linha, o ministro respondeu que guardas já tinham chegado ao local.

Lula conversou com Rosa Weber, à época presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), e com o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também foi acionado e falou com o presidente.

Moraes culpou pela situação o governador Ibaneis Rocha (MDB-DF) e o então secretário de Segurança do Distrito Federal, Anderson Torres, e apontou a necessidade de haver resposta.

Lula rejeitou a possibilidade de GLO em ligações com os ministros Rui Costa (Casa Civil), Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Jorge Messias (Advocacia-Geral da União). Em chamada, o presidente foi informado sobre as ações que a AGU preparava contra autoridades do DF.

Com a GLO descartada, foi tomada a decisão pela intervenção no DF. Dino redigiu um decreto que previa inicialmente o afastamento do governador Ibaneis e a intervenção federal em toda capital.

Depois, porém, Lula pediu ao ministro uma intervenção específica na área de segurança, sem tirar o governador do cargo. Ibaneis acabaria afastado naquela mesma noite, por decisão de Moraes.

Lula queria Dino como interventor, mas o ministro constatou que não poderia por ter sido eleito senador. Ventilou-se como segunda opção Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais), mas também havia objeções.

Dino então sugeriu seu secretário-executivo, Ricardo Cappelli. Lula não o conhecia, mas ouviu referências e concordou em destacá-lo para a função.

O decreto de intervenção foi enviado a Lula pelo WhatsApp para que ele o assinasse. Em seguida, o presidente convocou uma entrevista coletiva em Araraquara. Leu o ato e afirmou que os manifestantes eram verdadeiros vândalos.

Disse na ocasião: "É preciso que essa gente seja punida de forma exemplar, que ninguém nunca mais ouse, com a bandeira nacional nas costas ou camiseta da seleção, se fingirem de nacionalistas, se fingirem de brasileiros e façam o que eles fizeram hoje".

De acordo com quem estava com o presidente, ele quis retornar a Brasília o quanto antes, mas houve ponderações a respeito de sua segurança.

"Tinha gente que não queria que eu viesse para Brasília, [mas] voltasse para São Paulo. Que ao invés de eu vir de Araraquara para cá, que eu ficasse lá e eu disse: não. Eu vou para Brasília, vou para o hotel e vou para o Palácio. Eu ganhei as eleições, eu tomei posse. O povo me deu o direito de ser presidente durante quatro anos. Eu não vou fugir à minha responsabilidade. E foi resolvido na política", respondeu o presidente à Folha.

De volta a Brasília, à noite, Lula vistoriou o Palácio do Planalto e foi ao STF para um encontro com Rosa Weber e outros ministros.

Àquela altura, o presidente já articulava a reação do dia seguinte. Em 9 de janeiro, ele reuniu governadores no Planalto, além dos presidentes dos três Poderes, e depois saiu em caminhada rumo à corte.

O 8 de janeiro só terminou na madrugada. Lula havia determinado que fosse feita a prisão de todos os manifestantes que tinham retornado para o acampamento em frente ao Quartel-General do Exército.

Quando Cappelli chegou ao local, porém, militares não queriam que as prisões fossem efetuadas, sob a alegação de que haveria conflito com a Polícia Militar.

Lula então recebeu uma ligação do acampamento por volta das 21h. Era o general Gustavo Henrique Dutra, então comandante militar do Planalto, que fez um apelo ao presidente para que deixasse as prisões para o dia seguinte.

Lula assentiu, mas, após o diálogo, mandou os ministros Múcio, Dino e Rui negociarem uma solução.

Ao final das conversas, na madrugada, ministros foram ao hotel onde Lula estava hospedado em Brasília para conversar sobre a operação do dia seguinte, quando o acampamento enfim foi desocupado. Conversaram também sobre um ato que envolveria diversas autoridades em defesa da democracia.

"O gesto de todo mundo se encontrar aqui no Palácio do Planalto e depois visitar a Suprema Corte foi um gesto muito forte, que eu acho que é a fotografia que o povo brasileiro vai se lembrar para sempre e nunca mais a gente vai querer dar ouvidos a pessoas que não gostam de democracia", disse o presidente à Folha.

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