Militares da ativa escreveram carta para pressionar Exército a participar de golpe, diz PF

Nome de coronéis aparecem em metadados de documento apócrifo pró-Bolsonaro publicado em 2022

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Brasília

A Polícia Federal identificou o nome de dois militares que teriam ajudado na redação de uma carta de oficiais da ativa que pressionava o comandante do Exército em 2022, general Marco Antônio Freire Gomes, a adotar postura radical diante de pedidos por golpe para manter Jair Bolsonaro (PL) na Presidência.

A identificação desses militares foi feita a partir da análise de metadados do documento, que foi recebido pelo tenente-coronel Mauro Cid na noite de 28 de novembro de 2022 —véspera da publicação do texto.

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Jair Bolsonaro comparece a treinamento militar em Formosa (GO), em 2021 - Pedro Ladeira - 16.ago.21/Folhapress

O autor foi identificado pela Polícia Federal como o coronel Giovani Pasini. Alexandre Bitencourt teria sido o último a modificar o documento —os investigadores afirmam que trata-se do coronel Alexandre Castilho Bitencourt da Silva.

As informações estão no relatório da Polícia Federal que embasou os pedidos de prisão e buscas, em 8 de fevereiro, contra ex-ministros e militares suspeitos de tramarem um golpe de Estado para manter o ex-presidente no poder após a derrota para Lula (PT). Os documentos foram obtidos pela Folha.

Procurado pela Folha, Pasini não comentou sobre a autoria do manifesto. "Não quero falar sobre esse assunto", disse antes de desligar o telefone.

Pasini é oficial de artilharia da turma formada na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) em 1997. Colegas do coronel afirmam, sob reserva, que ele passou a se dedicar ao ensino da língua portuguesa e, aos poucos, foi deixando o rumo tradicional da artilharia para se tornar professor de colégios militares e autor de livros.

Em 2018, ele pediu licença do Exército para se candidatar a deputado estadual do Rio Grande do Sul pelo partido Patriota. Não foi eleito. Posteriormente, decidiu pedir para ir à reserva, ato concretizado em fevereiro de 2023, após a divulgação da carta.

Alexandre Bitencourt também é oficial formado em 1997, da arma de infantaria. Em fevereiro de 2023, ele chegou a ser condecorado com a medalha militar de ouro com passador de ouro —láurea entregue aos oficiais que completam 30 anos de bons serviços prestados.

O coronel morou no Chile durante cerca de seis meses em 2022, para fazer pós-graduação em condução de políticas estratégicas de defesa. De volta ao Brasil, foi realocado para função no Departamento-Geral de Pessoal.

A reportagem não conseguiu contato com Bitencourt. Em nota, o Exército disse que não poderia se manifestar sobre o assunto porque o inquérito está em "segredo de Justiça". "Cabe ressaltar que as informações acerca do tema serão prestadas, quando solicitadas, às autoridades competentes", completou.

Militares são proibidos por leis e regulamentos de se manifestar coletivamente, seja sobre atos de superiores ou em caráter reivindicatório ou político. À época da circulação da carta entre oficiais, o Alto Comando do Exército decidiu comunicar aos militares que haveria consequências àqueles que aderissem ao manifesto.

"Srs bom dia Alertem aos seus subordinados que a adesão a esse tipo de iniciativa é inconcebível. Eventuais adesões de militares da ativa serão tratadas, no âmbito do CMS (Comando Militar do Sul), na forma da lei, sem contemporizações", escreveu o general Fernando Soares para chefes de organizações militares.

A carta de oficiais superiores da ativa foi escrita quando bolsonaristas de posições radicais permaneciam, por quase um mês, acampados em frente a quartéis do Exército pedindo intervenção das Forças Armadas contra a eleição de Lula.

A Polícia Federal aponta ainda que Bolsonaro e aliados discutiam planos para um golpe de Estado naquela época. Bolsonaristas e militares incitavam o comando do Exército a assumir postura golpista, com ataques nas redes sociais contra generais contrários à ruptura democrática.

"Consideramos importante, portanto, que os Poderes e Instituições da União assumam os seus papéis constitucionais previstos em lei e em prol da pacificação política, econômica e social, especialmente para a manutenção da Garantia da Lei e da Ordem e da preservação dos poderes constitucionais, respeitando o pacto federativo previsto na regra basilar de fundação da República", dizia trecho da carta dos oficiais.

O texto ainda afirmava que os militares estão "sempre prontos para cumprir suas missões constitucionais" e que os soldados "colocam os objetivos nacionais sempre em primeiro plano, desprezando quaisquer interesses pessoais".

"Covardia, injustiça e fraqueza são os atributos mais abominados para um Soldado. Nossa nação, aquela que entrega os maiores índices de confiança às Forças Armadas, sabe que seus militares não a abandonarão."

A carta circulou sem o nome do autor, e o método de coleta de assinaturas não permite saber quantos oficiais da ativa subscreveram o texto. A participação em manifestações conjuntas é considerada infração e pode resultar em punição no Exército.

Em novembro de 2022, coronéis contaram à Folha terem sido abordados por colegas de farda para pedir apoio à carta.

A divulgação do texto foi uma iniciativa de militares após oficiais da reserva publicarem, no fim de semana anterior, uma carta aberta aos comandantes das Forças Armadas dizendo que havia desconfiança com o resultado das eleições.

"É natural e justificável que o povo brasileiro esteja se sentindo indefeso, intimidado, de mãos atadas e busque nas FFAA [Forças Armadas], os ‘reais guardiões’ de nossa Constituição, o amparo para suas preocupações e solução para suas angústias", diz trecho.

O texto ainda pede que os comandantes apoiassem ações para o "imediato restabelecimento da lei e da ordem, preservando qualquer cidadão brasileiro a liberdade individual de expressar ideias e opiniões".

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