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Ações anticorrupção na Lava Jato não podem ser criminalizadas, diz presidente da Transparência Internacional

Chefe global afirma que alegações no CNJ configuram situação de assédio judicial contra a entidade

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Rio de Janeiro

Em visita ao Brasil, o presidente do conselho da Transparência Internacional (TI), François Valérian, defendeu a entidade de combate à corrupção das acusações feitas em processo no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que investiga o acordo feito pela Petrobras na operação Lava Jato, no qual a TI atuou como conselheira.

Em entrevista à Folha, Valérian disse que as alegações no CNJ configuram mais uma situação de assédio judicial contra a entidade e não se pode permitir a "perseguição e criminalização do trabalho daqueles que lutam contra a corrupção de indivíduos poderosos".

Sentado, o presidente do conselho da entidade Transparência Internacional, François Valérian, durante entrevista exclusiva à Folha em hotel no bairro de Copacabana no Rio de Janeiro
O presidente do conselho da entidade Transparência Internacional, François Valérian, durante entrevista à Folha no Rio de Janeiro - Flávio Ferreira/Folhapress

O chefe global da TI também falou sobre como a corrupção pode prejudicar a transição energética e alertou para o risco de a China estar exportando corrupção.

Em relatório para o CNJ, a Polícia Federal afirmou que a relação de proximidade da TI com os procuradores da Lava Jato no tema do acordo com a Petrobras a "beneficiou indiretamente e a beneficiaria diretamente", por meio de uma assessoria que seria dada para a constituição de uma fundação privada, inclusive com indicação de nomes para um comitê. Segundo o relatório, em última instância, os escolhidos teriam o poder de indicar quais projetos e entidades deveriam ser beneficiadas com os repasses. Qual a posição do sr. sobre essa acusação?
Primeiro, fomos alvo das notícias falsas de que a TI estava recebendo dinheiro das multas da Lava Jato e havia estabelecido sua presença no Brasil com esse propósito. Quando ficou claro que não havíamos recebido um centavo e as pessoas perceberam que estamos presentes em mais de cem países, as notícias falsas mudaram.

A última é que a TI não recebeu nem gerenciou fundos, mas tinha a intenção de fazê-lo. A desinformação é perenemente adaptativa, enquanto o assédio se torna cada vez mais sério. Isso só pode cessar quando os direitos de expressão e associação no Brasil, previstos pela sua Constituição democrática, forem plenamente garantidos.

No mesmo relatório, a Polícia Federal levanta uma hipótese criminal de que o então procurador da República Deltan Dallagnol revelou à Transparência Internacional Brasil "informações contidas em documento preparatório que deviam permanecer em segredo relativas a minuta do acordo de assunção de compromissos entre a força-tarefa da Lava Jato e a Petrobras". Como o sr. vê essa hipótese criminal?
A principal razão da minha visita [ao Brasil] foi expressar o apoio e a confiança do movimento global da TI no trabalho ético e corajoso realizado pelo nosso capítulo brasileiro, que tem sido alvo de campanhas difamatórias e assédio judicial há cinco anos. Além disso, vim em um esforço para envolver diferentes atores para que o Brasil possa recuperar sua liderança global na luta contra a corrupção, assim como tem feito na agenda climática e na luta contra a pobreza.

Como a TI Brasil afirmou muitas vezes, os erros e excessos que inegavelmente ocorreram na Lava Jato devem ser corrigidos, quaisquer responsabilidades devidamente atribuídas e, acima de tudo, melhorias legais e institucionais promovidas para preservar e fortalecer a luta contra a corrupção, evitando que seja cooptada por interesses políticos. O que não pode ser permitido é a perseguição e criminalização do trabalho daqueles que lutam contra a corrupção de indivíduos poderosos.

Como o sr. avalia o voto do corregedor do CNJ, Luis Felipe Salomão, no qual ele afirmou que os acordos da Lava Jato instituíram uma espécie de sistema "cash back" com autoridades estrangeiras?
Nunca ouvi falar de um sistema de reembolso em cooperação criminal internacional. O que sei é que, há décadas, o mundo vem discutindo o retorno dos recursos da corrupção aos seus países de origem. Hoje, convenções já determinam isso, assim como leis nacionais, como na França.

Portanto, parece peculiar para mim que um caso de cooperação penal internacional, que resultou na efetiva sanção do maior esquema de suborno transnacional da história e no retorno de recursos significativos ao país onde as vítimas estavam, possa se tornar, ou ser interpretado, como um sistema de "cash back" da corrupção, liderado por agentes da lei.

A Transparência Internacional assinou um memorando e foi a conselheira da força-tarefa da Lava Jato no acordo com a Petrobras. Isso não indica uma posição a favor de um dos lados nos processos, no caso a favor do Ministério Público Federal, da acusação?
Não estamos tomando partido. O que a TI tem defendido é a boa governança e transparência dos acordos, esse foi e tem sido o único propósito.

O vazamento de mensagens de procuradores da Lava Jato mostrou proximidade deles com representantes da TI no Brasil. Em uma das conversas, os procuradores pediram ajuda à TI para receber autoridades venezuelanas Essa proximidade não foi inadequada?
Nosso papel é constantemente apoiar os sistemas judiciários a fazerem o trabalho contra a corrupção. Então, eu não vejo como inadequado grupos anticorrupção trabalharem com promotores ou juízes anticorrupção. Cada um com seu papel, mas sim, deve haver uma cooperação.

A TI realizou um encontro no Brasil para discutir os temas de corrupção e meio ambiente. Em quais situações eles se entrelaçam?
Primeiro, o planeta foi levado à beira de uma catástrofe climática por causa da extração de carvão, petróleo e gás ao longo dos últimos dois séculos, e a corrupção dominou essas indústrias na maior parte dos últimos dois séculos. Então, a crise climática é amplamente causada pela corrupção.

Agora, precisamos garantir a transição energética. Mas para fazer isso, precisamos ter políticas que levem a esse objetivo, e não queremos que as políticas sejam capturadas pelos interesses privados que abusam do lobby oculto para capturar políticas.

Temos essa grande transição energética que está criando uma nova economia inteira. E essa economia é baseada em produzir eletricidade com mais vento e sol e produzir mais eletricidade como um todo. Mas para fazer tudo isso, precisamos de minerais e estamos de volta aos problemas que têm sido associados à mineração ao longo dos últimos dois séculos. Estamos vendo uma corrida mineradora com riscos de corrupção, riscos de colusão entre poderes públicos e interesses privados, riscos de comunidades locais que estão sendo desrespeitadas.

Portanto, a corrupção está realmente no coração da nossa luta contra a crise climática.

No índice de percepção de corrupção da TI, a China está em 76º lugar. Este índice pode estar distorcido pelo fato de não haver liberdade de expressão no país?
O que sabemos sobre a China é uma visão muito parcial. Vemos que o governo chinês está conduzindo campanhas contra a corrupção internamente, você tem líderes políticos que estão sendo presos. Mas o que a China está fazendo contra a corrupção que está sendo praticada por suas empresas no exterior? O que o governo chinês está fazendo contra a corrupção que o próprio governo está praticando no exterior? Não é suficiente se você age contra a corrupção internamente e não contra a corrupção que está sendo praticada por seus próprios agentes no exterior. Você está simplesmente exportando corrupção.

A Transparência Internacional tem alertado sobre o problema da impunidade. O sr. avalia que esse problema na América Latina está mais relacionado aos agentes de investigação, como a polícia ou o Ministério Público, ou acha que está mais ligado ao Judiciário?
O problema da impunidade está relacionado à falta de separação de Poderes e à falta de força do sistema Judiciário. Em muitos países há essa dificuldade em garantir uma aplicação eficiente da justiça. O que observamos em um certo número de países são retrocessos. Observamos no Brasil que evidências foram anuladas no caso Odebrecht e Lava Jato recentemente, que multas estão sendo suspensas. Isso é preocupante porque o Brasil deveria desempenhar um papel importante na luta mundial contra a economia global da corrupção, dado o tamanho econômico do Brasil, dada a importância geopolítica do Brasil. Então, o Brasil deveria desempenhar esse papel, e bem, não é exatamente o caso agora.

Os casos de irregularidades no sistema financeiro reveladas pela investigação jornalística conhecida como Panamá Papers de 2016 começaram a ser julgados neste mês. Depois dessas revelações ocorreram melhorias no sistema financeiro internacional?
Houve uma melhoria clara no sistema financeiro, mas não é suficiente. E não é apenas o sistema financeiro que está em jogo aqui. Também é a infraestrutura legal, porque os Panama Papers vieram de escritórios de advocacia. E em todos os países, os advogados também têm que lutar contra a lavagem de dinheiro e contra a economia global da corrupção. Portanto, ainda há muito espaço para melhorias no setor legal, e também no setor financeiro, e talvez ainda mais entre os gestores de fundos, as pequenas boutiques de investimento, que estão um pouco abaixo do radar.

O jornalista viajou a convite da Transparência Internacional


RAIO-X | FRANÇOIS VALÉRIAN, 59

Na Transparência Internacional há 16 anos, o francês tomou posse como presidente do conselho da entidade em 2023. Sua atuação na TI começou no secretariado em Berlim, na Alemanha, onde liderou programas de integridade corporativa e iniciou trabalho da entidade junto ao G20 para regulação financeira e anticorrupção. Desde 2019 é do conselho internacional da TI.

É engenheiro com PhD em história (graduações na Ecole Polytechnique e na Ecole des Mines de Paris).
Antes da Transparência Internacional, trabalhou no serviço público francês e na iniciativa privada (atuou no banco BNP Paribas e na empresa Accenture). Foi professor de regulação e controles financeiros na École des Mines de Paris.

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