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Datafolha São Paulo

Bolsonarismo 2.0 de Marçal encurrala Bolsonaro

Bólido exógeno em SP atinge mais Nunes, mas obriga recálculo a todos na disputa

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São Paulo

Bólido exógeno que impactou os rumos de uma campanha até então marcada por morosa polarização entre Guilherme Boulos (PSOL) e Ricardo Nunes (MDB) em São Paulo, Pablo Marçal obriga mais que o recálculo de rota aos principais candidatos a prefeito da maior cidade do Brasil.

Sua ascensão vertiginosa, crescendo sete pontos em duas semanas segundo a nova pesquisa do Datafolha, o coloca neste momento anterior ao início da propaganda obrigatória de rádio e TV como o principal fenômeno da corrida.

Pablo Marçal, homem branco com barba por fazer e de chapéu escuro com um M azul bordado, com uma camiseta preta, em um púlpito com microfones de rádios e TVs
Pablo Marçal fala a jornalistas em debate realizado pela revista Veja em SP - Danilo Verpa - 19.ago.2024/Folhapress/

Mais importante, encarnando uma espécie de bolsonarismo 2.0, ele cria o primeiro desafio real ao comando do chefe da tribo, Jair Bolsonaro (PL). Não por acaso, a máquina de moer gente virtual da turma já está ligada.

Mesmo com o ex-presidente reafirmando apoio a Nunes e dando respostas irônicas ao dito ex-coach nas redes, para não falar no rés-do-chão do debate entre seu entorno e Marçal, o candidato do partido do aerotrem amealhou votos do grupo que diz inspirá-lo.

É uma contenda com vencedor incerto a essa altura. O crescimento de Marçal terá de se mostrar sustentável, o que é dificultado pelo tempo exíguo que terá a partir do dia 30 para sua propaganda no rádio e na TV.

Não tem um aliado de peso, vive de propostas destrambelhadas e do discurso único da antipolítica, noves fora uma agressividade sob medida para suas potentes redes sociais. E, como dito, vai enfrentar Bolsonaro ele-mesmo.

Se isso tudo é verdade, cabe lembrar que no começo de 2018 quase ninguém no mundo político dava um tostão para um candidato parecido, um deputado das franjas do baixo clero que virou presidente.

As condições atuais são distintas, mas chama a atenção não só a resiliência da rejeição à política estabelecida, que havia ganhado um respiro tático com a absorção do ex-presidente pelo centrão e a eleição de Lula (PT), mas sua capacidade de mutação.

A nova cepa consegue ser mais histriônica, a exemplo do que o pai da matéria, Donald Trump, faz em sua campanha ora ameaçada nos Estados Unidos.

A principal vítima disso é Nunes, a cara da política tradicional neste pleito. Erodido em várias frentes por Marçal, ele vê aliados sussurrarem pelo canto o nome de Rodrigo Garcia, o governador tucano de São Paulo que herdou cadeira e caneta cheia de tinta de João Doria em 2022, só para ficar fora do segundo turno.

Ainda é cedo para tais vaticínios, correntes em sua administração, que colhe há duas pesquisas uma piora também na avaliação da gestão de Nunes, dando materialidade maior ao enrosco do emedebista.

Ainda à direita do espectro, chama a atenção o esvaziamento de José Luiz Datena (PSDB). Na noite quinta (22), após a publicação da pesquisa, o "buzz" entre tucanos era sobre quanto tempo mais o apresentador, que tem tido dificuldade em firmar o figurino de candidato, irá continuar no playground.

O impacto de Marçal também é sentido na campanha de Boulos, que celebra a desunião na direita. Para o psolista, a ascensão do rival é visto como um ótimo negócio para o segundo turno, mas há riscos no raciocínio de que o deputado poderia ficar com votos centristas de Nunes.

Pode ser, mas depende de outros fatores. Primeiro, a realidade do primeiro turno, no qual uma eventual desistência de Datena pode dar um gás renovado a Nunes, além dos limites de Marçal e sua briga com o bolsonarismo raiz. Segundo, o influencer pode virar uma onda à la Bolsonaro-2018.

O fiador de Boulos, Lula, vinha tratando a eleição paulistana como um terceiro turno de 2022. Nesse sentido, pode até acabar vendo Bolsonaro enfraquecido, dobrado ou fora de jogo antes de subir ao ringue —ainda que arrisque conhecer uma forma nova de adversário em formação, o que diz respeito ao pleito de 2026.

No Palácio dos Bandeirantes, endereço do foco atual de Lula, Tarcísio de Freitas (Republicanos) é outro que não escapará de respingos. Ele apostou pesado em Nunes, e é o herdeiro presumido do bolsonarismo original. Quaisquer que sejam suas pretensões, elas passam pelo controle da prefeitura paulistana.

Por óbvio, são conjecturas. Parafraseando o falecido ministro do Supremo Teori Zavascki, quando o tema é o currículo de Marçal e dos seus, cada pena revela uma galinha. Além de todas as nebulosidades no ar, há a mais comezinha e urgente questão das assinaturas que validaram sua candidatura a ameaçá-lo.

Por ora, o que se sabe é que, a exemplo do asteroide que acabou com a festa dos dinossauros há 65 milhões de anos, Marçal irrompeu de um canto obscuro para lá de Júpiter do bolsonarismo, pegando a todos de surpresa. Se vai causar algum dano, uma extinção ou resvalar espaço afora, é algo a ver.

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