Descrição de chapéu Folhajus STF

Censura de Moraes a entrevista à Folha viola liberdade de expressão, dizem especialistas

Maioria dos especialistas ouvidos pela reportagem avalia decisão como desproporcional e descabida

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São Paulo

A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), de proibir o ex-assessor da Presidência da República Filipe Martins de dar entrevista à Folha é uma forma de censura e viola a liberdade de expressão, segundo especialistas ouvidos pelo jornal.

O pedido de entrevista foi feito pelo Painel em 18 de junho e teve a concordância da defesa do ex-assessor, que trabalhou no governo de Jair Bolsonaro (PL).

Um homem sorridente está usando um terno escuro e uma gravata, com uma medalha pendurada no pescoço. Ele está em um ambiente formal, com outras pessoas ao fundo, algumas vestindo trajes de gala. O homem tem barba bem cuidada e cabelo curto, e parece estar em um evento de premiação ou cerimônia.
Filipe Martins, ex-assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência

Para justificar a negativa, datada de 22 de agosto, o ministro diz que a entrevista violaria uma das condições colocadas para a liberação de Martins, a de não haver comunicação com os demais alvos da investigação sobre a trama golpista no governo Bolsonaro.

"No atual momento das investigações em virtude da proibição de comunicação com os demais investigados, a realização da entrevista jornalística com o investigado não é conveniente para a investigação criminal, a qual continua em andamento", afirmou o magistrado.

Para Eliana Franco Neme, professora de direito constitucional da Faculdade de Direito da USP Ribeirão Preto, um dos problemas da decisão de Moraes é sua interpretação de que a entrevista poderia ser utilizada para burlar a apuração.

"A presunção por si já viola a liberdade de imprensa ao imputar a entrevista que ainda não ocorreu o ônus de prestar se a esse serviço", afirma.

Em sua avaliação, em uma ponderação de direitos, até seria razoável compreender que a liberdade de manifestação do investigado fosse restrita em razão de uma investigação criminal. Mas isso não ocorreria, diz Neme, quando houvesse a hipótese de limitar a liberdade de imprensa, porque ela é um dos pilares do Estado democrático de Direito.

"A própria Constituição Federal registra que sua limitação ocorre em situações excepcionalíssimas, em que esteja frontalmente em perigo a segurança do Estado", analisa.

Martins ficou seis meses preso sob a alegação de que poderia fugir do país. Ele é suspeito de ter participado de uma trama de golpe de Estado encabeçada por Bolsonaro, acusação que nega. Moraes revogou a prisão de Martins em 8 de agosto, mas impôs diversas medidas cautelares.

Além de não poder se comunicar com os demais investigador, deve usar tornozeleira eletrônica, apresentar-se semanalmente à Justiça de Ponta Grossa (PR) e não sair do país.

Moraes ordenou ainda o cancelamento de todos os passaportes de Martins, a suspensão de quaisquer documentos de porte de arma de fogo e a proibição do uso de redes sociais.

Roberto Di Cillo, membro da Comissão de Liberdade de Imprensa da OAB-SP (Seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil), disse entender os fundamentos da decisão, mas ver com preocupação a negativa de entrevista, que classifica como censura.

O uso da imprensa para o envio de mensagens de "um lado para o outro" não seria uma novidade, afirma. "Mas o fato é que é uma entrevista, não uma opinião [de Martins]. Existe essa nuance. Uma opinião escrita teria outro significado. É importante fazer essa diferenciação", diz ele.

Di Cillo compara o caso a quando o ministro Luiz Fux, do STF, negou um pedido da colunista Mônica Bergamo para entrevistar em 2018 o presidente Lula (PT), à época preso em Curitiba após condenação no âmbito da Lava Jato.

Porém, segundo o advogado, as situações não são idênticas. "É um pouco diferente, porque Lula já estava condenado, preso. No caso do Filipe Martins, ele não foi condenado. Se for olhar por um lado estritamente técnico, é uma situação que parece até mais grave."

O especialista em mídia e liberdade de expressão Lucas Mourão, sócio do Flora, Matheus e Mangabeira Sociedade de Advogados, afirmou que impedir alguém de dar uma entrevista ou um veículo de imprensa de publicá-la, caso seja feita, soa como censura prévia.

Para Mourão, as medidas cautelares contra Filipe Martins levam a entender que é a comunicação direta com os demais investigados que está proibida, de modo que o ex-assessor de Bolsonaro poderia conversar com parentes, outras pessoas e até repórteres da Folha.

"Proibir totalmente, sem nenhum tipo de ponderação sobre quais assuntos ele pode ou não falar, é naturalmente censura prévia", diz o advogado.

Em sua visão, o caso configura uma "tempestade perfeita de violação da liberdade de expressão". por três motivos.

Em primeiro lugar, impede o investigado de dar entrevista, já uma afronta ao direito dele. Em segundo, viola o direito da Folha de se comunicar com o seu público, ou seja, viola a liberdade de imprensa. Por fim, desrespeita a liberdade do leitor e de toda a sociedade de se informarem.

Já Plínio Gentil, professor de direito da PUC-SP, avalia de forma diferente a decisão de Moraes. De acordo com ele, se a condição para a soltura impõe diversas medidas cautelares, entre elas, a ausência de comunicação entre os investigados, cabe a decisão tomada pelo magistrado de negar a realização da entrevista.

"Se existe determinação de não comunicação entre os investigados, parece que faz sentido a proibição, porque a entrevista seria uma forma indireta de comunicação", afirma.

A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) divulgou nota nesta quarta-feira (28) afirmando que vê a decisão de Moraes "com extrema preocupação" e que espera que a medida seja revista.

"Ainda que exista uma investigação em andamento, a negativa a essa entrevista acaba por prejudicar o conjunto da sociedade, que poderia entender melhor o que se passou no turbulento período pós-eleitoral, em que o bolsonarismo é acusado de urdir um golpe de Estado."

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